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Borda vazada produzida durante a experimentação cerâmica O cipó “desapareceu” durante a

No documento O complexo Tupi da Amazônia Oriental (páginas 116-121)

cerâmica. O cipó “desapareceu” durante a queima.

4.3.3 Antiplástico

A classificação dos antiplásticos apontou um predomínio do uso de antiplástico mineral (em 1172 fragmentos), do carvão (em 293 fragmentos) e da combinação dos dois (421 fragmentos). O cariapé e a cerâmica moída (caco moído) foram raramente identificados na pasta, e o cauixi apareceu em um único fragmento.

Um dos antiplásticos que merece menção é a argila moída, também conhecida como tabatinga. Sua presença foi observada por Figueiredo (1965, p. 8) em fragmentos cerâmicos encontrados ao longo do rio Itacaiúnas, no sudeste paraense, e seu uso parece ser recorrente na região. Em outros sítios analisados (e.g. Remanso/MA), ele corresponde à maior parte do material inserido na argila.

Segundo Arnould (1997, p. 23), materiais orgânicos utilizados como antiplástico, quando queimados, deixam poros do tamanho ideal para que o pote seja utilizado para o aquecimento de alimentos. Tais poros reduzem a quebra por tensão térmica, pois as

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A queima do vaso, realizada no Departamento de Artes Plásticas (ECA-USP), foi feita em um forno com temperatura chegando a 1000ºC, acima da temperatura de mais ou menos 750ºC atingida por uma queima a céu aberto.

rachaduras causadas pela última tendem a ser barradas. As oleiras do sítio Cavalo Branco deviam estar cientes dessas vantagens e utilizavam carvão para fabricar essa cerâmica porosa.44 Outro antiplástico recorrentemente utilizado com essa intenção, mas menos pelas artesãs do sítio Cavalo Branco, é o cariapé.

O quartzo foi observado desacompanhado de outros minerais em 949 fragmentos. Em 720 fragmentos, esse mineral estava na pasta combinado com mica e, em 402 fragmentos, com óxidos de ferro. Os óxidos de ferro foram identificados sempre em quantidades pequenas, aparentemente insuficientes para alterar a coloração da peça.

Nos fragmentos estudados, foi grande a variação na espessura do antiplástico. Apesar de a maioria dos fragmentos ter seus antiplásticos medidos como fino (<1mm: 998 fragmentos) ou médio (<2mm: 1076 fragmentos), houve um número significativo de fragmentos com antiplástico considerado grande (<3mm: 389). Nessa última categoria, foi observado que, em muitas peças, o antiplástico ultrapassava a barreira do 3mm, podendo chegar até os 6mm ou 7mm. Em boa parte desses casos a quebra do fragmento era justamente no local com “antiplástico desproporcional”, indicando que o tamanho exagerado do quartzo (antiplásticos muito grandes eram quase sempre quartzo), provavelmente, seria gerador de “pontos de fragilidade”, que costumam ficar restritos ao encontro dos roletes.

Se houve certo “descuido” por parte das oleiras quanto ao tamanho dos antiplásticos, o mesmo não ocorreu quanto à quantidade de antiplástico na pasta. Foram observados apenas 41 fragmentos nos quais o antiplástico representava 30% do total da pasta. Em mais de 2000 fragmentos, o antiplástico representava 10% da pasta, indicando uma preocupação em não exagerar na quantidade. Tamanha era a preocupação nesse sentido que, no momento em que foram encontrados fragmentos com características contrárias, especulou-se sobre a reocupação do sítio por um grupo diferente (vide

Capítulo 6).

Com o intuito de compreender se o quartzo se encontrava de forma natural na pasta ou se havia sido inserido pela oleira, foi realizada a análise de sua forma. Apenas em 319 fragmentos foram identificados grão de quartzo angulosos ou muito angulosos, indicando que esses grãos foram triturados para ser inseridos na pasta. A maioria das

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peças (1576), possuía quartzo sub-angular ou sub-arredondado. Essas categorias dificultam uma inferência quanto à procedência (natural ou inserida) do mineral. Também foram identificados 568 fragmentos com quartzo arredondado ou muito arredondado.

No sítio Cavalo Branco, não houve predominância de antiplásticos tradicionalmente Tupi como o caco moído. Foi observada a predominância do quartzo, geralmente natural da argila, e do carvão que, usado em quantidades pequenas, não deveria ter uma conotação especial para as oleiras. Pode-se supor que, nesse sítio, não só inexistia a preocupação com a vida útil do vaso – desestruturado por grãos de quartzo demasiadamente grandes – como também com os antiplásticos em si. A presença desses na pasta não parece sugerir um aspecto que diferenciasse o grupo que habitou o sítio Cavalo Branco dos demais. Se a diferenciação do grupo via antiplástico aconteceu, foi devida à (relativa) ausência de alguns desses materiais incluídos na pasta cerâmica.

4.3.4 Queima

Um pouco mais de um terço das peças observadas apresentou queima completa (918 fragmentos). Outros 1595 fragmentos estavam queimados de forma incompleta, de forma parcial (e.g. com núcleo escuro envolto por faixas claras) ou total (i.e. com núcleo totalmente escuro).

Uma falsa idéia que pode vir à cabeça do ceramólogo é a de que o grau da queima estaria diretamente ligado à espessura dos fragmentos. Afinal, um vaso espesso é (supostamente) mais difícil de queimar, já que leva mais tempo. Tal relação pode ser parcialmente desmentida pela relação da espessura dos fragmentos com queima completa e com os de queima incompleta (só foram contadas as peças que apresentaram núcleo totalmente escuro).

0 100 200 300 400 500 600 700

Queima por Espessura

Queima Completa 47 643 178 39 4 1 Queima incompleta 37 421 181 48 4 0 0,3 a 0,5cm 0,6 a 1,0cm 1,1 a 1,5cm 1,6 a 2,0cm 2,1 a 3,0cm 3,0 a 4,0cm

Gráfico 4.3.1 Relação entre queima e espessura.

No gráfico, é possível visualizar que, em quase todas as categorias de espessura, as queimas completa e incompleta se equivaleram, apesar de uma diferença nos fragmentos entre 0,6cm e 1,0cm. Apesar de ser minoria na amostragem, os fragmentos muito finos (com espessura entre 0,3cm e 0,5cm), grossos (entre 1,6 e 2,0cm) e muito grossos (acima de 2,0cm) foram bastante semelhantes. Houve uma inversão de dominância, em que a queima incompleta superou a completa após 1,5cm, mas os números foram sempre bem próximos.

Os dados obtidos com esse gráfico permitem inferir que os vasos finos deveriam ser queimados em estágios distintos dos vasos com paredes grossas, provavelmente os de maior volume (GARCIA, com. pessoal). Se queimados ao mesmo tempo que os pequenos potes, os vasos com espessura grossa teriam uma porcentagem muito maior de queimas incompletas.

Rye (op. cit., p. 121) defende que a dureza do vaso, em teoria, sempre progride com o aumento da temperatura. O autor acredita que, se o fragmento quebrar facilmente, com uma ponta friável, provavelmente foi queimado a uma temperatura inferior a 750°C. Não foi possível realizar testes mais específicos sobre esse quesito no sítio Cavalo Branco. No entanto, foi empiricamente observada a fragilidade dos fragmentos que, na

maioria queimados de forma incompleta, não devem ter atingido a temperatura sugerida por Rye.

Um pesquisador que segue a linha traçada por Schiffer e Skibo frente ao problema da compreensão espacial de um sítio, provavelmente pensaria que o local utilizado para a queima dos vasos seria o mais adequado para que o vaso tenha a melhor performance (e.g. melhor ventilação). No entanto, fatores externos também costumam influenciar muito a procura pelo melhor lugar para queimar a cerâmica.

O exemplo da cerâmica Luo é válido aqui, uma vez que relata que as oleiras, antes de tudo, buscam lugares discretos para queimar seus vasos, fugindo de algum tipo de “olhar maligno” que possa afetar a sua queima (DIETLER e HERBICH, 1989, p. 155).

Isso também foi observado em grupos Tupi. Em seu trabalho etnográfico junto aos Ka’por do Maranhão, Huxley (1956, p. 247) relata que os oleiros (um raro caso na etnografia Tupi de cerâmica feita por homens45) se escondem de tudo e de todos na hora de produzir os vasos. Mesmo nessas condições, poderia haver muitas opções para atender ao quesito performance, mas a questão é: será que esse quesito é realmente o mais importante?

4.3.5 Tratamentos de superfície

A maioria dos fragmentos analisados apresentou uma superfície com alisamento fino (1448 na FI e 1276 na FE46). Um alisamento considerado “médio” também foi freqüentemente observado (602 na FI e 608 na FE), ao contrario dos alisamentos grosseiros (98 na FI e 128 na FE) e polimentos (60 na FI e 67 na FE), que foram relativamente raros.

O processo de alisamento, não raramente, deixou estrias em uma ou ambas as faces dos fragmentos analisados. Pode-se supor que diferentes tipos de superfícies alisadoras (e.g. palha de milho), além da própria mão da oleira, foram utilizados nesse estágio da confecção do vaso.

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Fato que não deve ser considerado uma constante para todos os Urubu-Ka’apor, já que Darcy Ribeiro (2006), que estava na mesma expedição de Huxley, observou mulheres manufaturando vasos cerâmicos.

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No documento O complexo Tupi da Amazônia Oriental (páginas 116-121)