4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.4 O bordado na vida, na cultura e nas representações sociais das
4.4.1 O Bordado na cultura local
Entender e amar o artesanato são a certeza de estar alcançando a alma do povo. É identificar seus códigos, seus modelos de comunicação, suas crenças e seus sonhos. (Autor desconhecido)
A história do bordado pode ser relatada por Maria Luíza Pinto de Mendonça
(1959, apud Fleury, 2002, p.62), que nos remonta ao desenvolvimento da arte de tecer até
a inserção e interferência da arte feminina no tecido:
Em suas mãos, o tecido vai adquirindo qualidades: mais espesso ou mais tênue, do colorido natural ao artificial, liso ou ornamentado com a superposição de outros fios, formando malhas ou cortando aqui e ali, formando texturas diferentes. Assim nasceram os bordados mais ricos e os pontos mais variados(...).
O bordado como atividade artesanal (no município de Itapajé) perpassa da
concepção de ser uma ocupação secundária, que se utiliza o tempo ocioso ou disponível e
objetiva complementar a renda, pois se tornou a atividade principal de quem o produz,
expressão de sua cultura material.
No dia-a-dia das famílias, o fazer artesanal é transmitido com maior
facilidade e eficiência, constituindo-se em grande fator que garante a perpetuação desta
arte. O conceito de identidade cultural, evidente na questão da cultura e da memória,
alia-se aos conceitos de utilidade e de beleza, complementando-se. Fazendo-se uma
ligação entre a teoria e a arte do bordado constata-se que, no artesanato, aspectos
imprescindíveis funcionais e formais se vinculam à qualidade estética.
D’Ávila (1983, p.175), nos diz que “no campo estético, artesanato e arte não
têm uma linha divisória”. Neste caso, a originalidade, a sensibilidade, a inteligência, os
valores, o jeito pessoal, a dignidade pessoal, o estilo e a sabedoria adquirida na profissão,
enfim, a personalidade e todo o envolvimento que se transferem ao produto de suas mãos
definem o belo que atende às regras do bem fazer que constitui a atividade artesanal.
A subjetividade do belo no bordado de Itapajé está associada à qualidade do
mesmo e da peça em seu aspecto geral, incluindo a bainha ou cordão, o recorte das
bordas e o engomado. Não se espera que todas as peças e detalhes sejam iguais visto que
este é o aspecto primordial do artesanato: a individualidade. São as características que
cada peça pode oferecer como variação e qualidade decorrente do cunho humano e
pessoal, mesmo se sabendo que o mesmo desenho seja repetido indefinidamente infinitas
vezes.
O bordado se liga à individualidade do agente que transforma – durante o
processo de execução – o objeto de trabalho através da inteligência, que enfim, é uma
posse sua. Na literatura, também são freqüentes as referências entre o fazer e o meio, as
relações existentes, ocorrentes e decorrentes das atividades na produção artesanal, a
interferência direta no fazer como conseqüência dessas relações.
O imaginário feminino permeia o fazer, sua sensibilidade, a maneira como
capta o que se passa ao seu redor; as relações com filhos, marido e ou outras
companheiras acabam por se refletir no risco, nos traços, nas cores... Muitas vezes, até
no volume de linha em cada traço... Quando se vê cenas do cotidiano – quebra de milho,
homens a cavalo, mulheres bordando, entre outras – nas peças de bordado aplicado,
percebe-se nestas, um pouco da alma e da vivência da bordadeira. Passa, para quem
olha, o amor pela maneira que vivem naquele meio, como são representativas no seu
íntimo, as ‘passagens’ diárias e repetitivas a sua frente, no seu ‘terreiro’. Estão ali,
sentimentos impregnados. Involuntariamente. Na inspiração, nos tipos, nas formas,
quantidades e design.
A partir do momento em que o homem começa a manter relações sociais no
decorrer do uso ou da transformação do mundo material não-humano, constitui sua
história e a sua repetição vai fortalecendo a tradição.
Uma direção consciente que o ser humano dá aos seus atos lhe possibilita
criar condições para mudanças que venham favorecer à concretização dos seus projetos.
Para Fagundes (2001), cada indivíduo é a síntese das relações existentes, mas também da
história dessas relações; o que une ou diferencia os indivíduos são os seus pensamentos e
não suas diferenças biológicas. Nas atividades em interação é que os homens constroem
suas possibilidades, suas diferenças e seu lugar no mundo.
Podemos relatar as relações que ocorrem no âmbito artesanal e no pós-
artesanal, como nos sugere Williams (1992). Durante as etapas de execução da peça
artesanal, quase sempre realizadas no seio doméstico, a interferência do artista é
imediata, o convívio, sentimentos e emoções acabam por se retratar as relações de
produção nas criações - mesmo que involuntariamente. Na fase seguinte, a pós-artesanal,
seguem-se as relações de comercialização, tipicamente capitalistas, onde o mercado
explora e visa o lucro, sobrepondo-se às características intrínsecas e individuais da obra.
Considerando as dificuldades no meio rural, onde a mão-de-obra disponível
não é absorvida, o bordado desempenha papel social e econômico relevante. Sua
produção e comercialização compatível oportunizam o equilíbrio e a preservação da
cultura bem como representam renda capaz de fornecer meios de subsistência condigna
à mão-de-obra empregada.
Recentemente a imprensa nacional (Jornal Nacional, 23/nov/2004, Rede
Globo) veiculou reportagem com a seguinte manchete: “Agricultores trocam trabalho no
campo pela máquina de costura”, e em tom mais leve: “Agricultores de uma das áreas
mais secas do sertão cearense estão trocando a dificuldade do trabalho no campo pela
máquina de costura. A primeira escola de moda do semi-árido nordestino aproveita uma
vocação natural da região: o bordado”. Essa matéria se referia especialmente ao Estado
do Ceará, no município de Tejuçuoca, limite sudeste de Itapajé.
Trata-se de um projeto – Tecnomoda – que reforça a necessidade de
investimento em trabalho artesanal, principalmente onde a comunidade tem vocação e
as condições de trabalho na agricultura são imensamente difíceis. Foram apresentados
depoimentos de artesãos, alguns que são ao mesmo tempo agricultores e estudantes.
Ações como essa, envolvendo ONGs, instituições, profissionais e a comunidade que
visam aproveitar e valorizar o potencial das pessoas tendem a possibilitar melhores
níveis de bem-estar social.
Conciliar conhecimento, habilidades e tecnologia com estrutura e apoio,
podem ser uma alternativa de desenvolvimento de indivíduos e comunidades que não
têm facilmente oportunidades de crescimento. O desenvolvimento de tecnologias ou a
globalização da economia não devem ser empecilhos ou barreiras, mas um estímulo, e
conceber que a modernidade, ao romper com a geografia tradicional, cria novos limites.
A necessidade do desenvolvimento do design do artesanato é urgente.
Revitalizar e inovar o patrimônio cultural, além de ser investimento social profícuo, é
um investimento econômico de grande eficácia, além de buscar satisfazer os desejos de
enriquecimento da consciência e crescimento pessoal de cada pessoa envolvida.
Nenhum fator isolado pode explicar as dificuldades do país, mas prioridades e estratégias devem ser estabelecidas e implantadas para compensar a alta necessidade de atenção de recursos e compromisso, especialmente no espaço rural. Dentre alternativas, o turismo pode ser considerado uma opção, independente de estar relacionada com o meio rural ou não, como, por exemplo, podem ser citados o agroturismo, os hotéis- fazenda e o ecoturismo. A ativação do turismo no espaço rural é uma estratégia que pode ser adotada pelos produtores na administração de sua área, permitindo a sobrevivência e a manutenção da propriedade como um todo, visto as condições econômicas e sociais em que se inserem.
O fluxo de turistas permite o contato com os diversos produtos da região, incrementa a renda e possibilita a abertura do meio em contato com o mundo. Disponibilizar os artigos artesanais na rota turística faz com que os artesãos não se desloquem e os produtos estejam à mão mais facilmente.