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Em poucos momentos ao longo da história, a Casa de Bragança foi capaz de produzir mais de um herdeiro do sexo masculino que casasse e gerasse uma descendência secundária e apta pela legitimidade a assumir o trono na falta de um herdeiro direto do último rei bragantino. Isso ocorreu por três vezes, as três em momento de fragilidade da dinastia bragantina.

O primeiro deles, ainda no século XVII, com a existência dos irmãos Afonso e Pedro, ainda que o primeiro tenha sido declarado após sua ascensão ao trono e seu matrimônio com princesa da Casa da França, mentalmente incapaz de gerir os negócios de Estado. O segundo caso, já no século XVIII, refere-se a José I, rei de Portugal, que não possui herdeiros do século masculino para sua sucessão, herdando o trono sua filha, Maria I. Esta, no entanto, desposa seu tio paterno, Pedro de Bragança, que se torna D. Pedro III, rei consorte de Portugal. Por fim, o terceiro e último caso do nosso recorte, vem a ser a descendência de Pedro I do Brasil, que possui herdeiro do sexo masculino, mas destinado ao trono brasileiro, enquanto sua filha mais velha, Maria da Glória, seria sua herdeira do trono português. No entanto, a sucessão de Maria da Gloria não se revela uma sucessão varonil, o que vem a significar o fim da soberania da dinastia de Bragança em Portugal e a ascensão da Casa do marido da rainha, tal qual ocorrera no caso inglês da rainha Victoria de Hanôver, a última reinante de sua dinastia, sendo seu filho, membro da dinastia de Saxe-Coburgo-Gotha, Casa do esposo de Victória, o príncipe Alberto. Para que o caso português fosse diferente do inglês era necessário       

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  Refiro‐me  aqui  a  anexação  de  Parma  e  a  sua  autonomia  política  subsequente,  bem  como  a  emancipação dos reinos de Nápoles e Sicília. 

46 Na América portuguesa houve grande aceitação da restauração portuguesa, a exceção da província de  São  Paulo,  a  qual  além  de  contar  com  muitos  espanhóis  imigrados  após  a  união  Ibérica  e  seus  descendentes,  era  a  mais  arredia  em  se  tratando  de  acatar  as  decisões  da  Metrópole,  fosse  essa  portuguesa ou espanhola. A população pretendia a independência da região, tanto de Portugal, como  da Espanha e da própria adiministração colonial46 (Brasil), aclamando, em 1641, Amador Bueno [Amador  Bueno  da  Silveira  (1584‐1649)],  um  rico  fazendeiro,  descendente  de  espanhois,  rei  da  província.  No  entanto, este declarou fidelidade a D. João IV de Portugal, pondo fim ao princípio revoltoso.  

seguir o mesmo procedimento quando da sucessão de Maria I, neste caso, casar Maria II com seu tio, o infante Miguel de Bragança.

Este seria o processo até então natural e esperado dos acontecimentos, mas um pouco antes deste período, a onda revolucionária da segunda metade do século XVIII começava a transformar o cenário das monarquias absolutistas na Europa, como relata o historiador István Jancsó.

Diante dessa nova realidade, que não poupou nem mesmo o ramo francês da Casa de Bourbon, em Portugal buscavam-se novas garantias para a integridade da monarquia e do Império e, como não poderia deixar de ocorrer, um foco destes ajustes estava na relação entre o reino peninsular e a parte mais sensível dos domínios bragantinos: sua colônia americana. (JANCSÓ, 2006, p. 21)

As monarquias europeias, no início dos anos 1800, estavam aturdidas com o poderio militar de Napoleão Bonaparte, o que inspirava grande preocupação às Casas reinantes. Uma de suas intenções era isolar a ilha britânica do restante do continente europeu, fechando os portos deste às embarcações inglesas, tendo que contar, no entanto, com a anuência dos reis que possuíam em seus territórios acesso ao mar. Os que não se alinhassem com Napoleão tinham seu território invadido e a Casa real destronada. Após a ocupação da Espanha, o próximo território a ser ocupado seria Portugal, que ficou a cargo dos exércitos comandados pelo general Junot. A política de neutralidade sustentada até então por Portugal, já não surtia efeito.

Para a casa de Bragança, cuja política pautava-se por obstinada preservação da neutralidade em meio às polarizações e conflitos que sacudiam a Europa, o problema central a demandar solução deslocou-se, dramaticamente, da esfera da busca de estruturação racional de seus domínios, como acontecia até então, para outra, de crucial urgência: a da sobrevivência pura e simples da dinastia como casa reinante.

A nova conjuntura vinha a contrapelo da tradicional estratégia da diplomacia lusa, inviabilizando seu objetivo permanente de não se perfilar a nenhum dos lados da contenda. A impossibilidade em preservar a almejada neutralidade tornou-se clara quando Napoleão decretou, em 1806, o Bloqueio Continental, vedando a comercialização de produtos ingleses em toda a Europa. (JANCSÓ, 2006, p. 22)

Cabe-nos compreender minimamente tais passagens, justamente por se tratar de eventos decisivos para a emancipação da América portuguesa e a consequente

fragmentação da Casa de Bragança, que após a onda Bonaparte continua a ser Casa mandatária em dois territórios distintos, Portugal e Brasil, embora este último esteja emancipado politicamente do primeiro.

A instalação da Corte e do próprio Estado português, no território colonial, promoveu uma série de mudanças nas estruturas locais em vigor até então, no entanto, a política matrimonial do reino manteve-se inalterada a despeito de sua localização em cenário tropical. Ainda que o império português fosse governado a partir da América, a Casa reinante permanecia sendo uma Casa europeia, mantendo assim inabalada suas alianças matrimoniais.

O primeiro matrimônio a ser articulado por D. João VI, então príncipe regente de Portugal, foi o de sua filha mais velha, Maria Teresa de Bragança, em 1810, que desposou o infante da Espanha e Portugal, Pedro Carlos de Borbón47 e Bragança. Este infante era filho de Mariana Vitória de Bragança48 e seu esposo Gabriel de Borbón. O infante perdera seus pais ainda na infância, tendo sido criado na corte lisboeta após passar algumas temporadas na corte espanhola, quando da fuga da família real portuguesa para o Brasil, este os acompanhou, casando-se no país com sua prima-irmã.

O infante Pedro Carlos, embora um Borbón por ascendência paterna, havia sido criado e educado na corte de sua avó, rainha portuguesa, a qual conferiu a este o título de infante de Portugal, contrariando as regras nobiliárquicas comuns aos reinos no período. Portanto, o casamento de Pedro Carlos com a infanta Maria Teresa não configura exatamente uma união entre Portugal e Espanha, mas sim a solução de situação embaraçosa. Este fora o primeiro casamento real a ocorrer no continente americano, em 13 de maio de 1810, estando ambos os noivos no território.

O próximo conjunto de alianças matrimoniais a serem contratadas por D. João VI dividem-se em dois. O primeiro grupo destinado a contratar casamentos para as infantas de Portugal junto a Casa real da Espanha, que restaurava seu poder em 1816; e o segundo grupo dirigia-se ao Congresso de Viena, estando na agenda deste contratar casamento vantajoso para o Príncipe real de Portugal, o herdeiro do trono de D. João VI.

Por contexto, a principal missão dos enviados portugueses a Viena era costurar alianças. Inicialmente buscou-se estreitar os laços com a Rússia, mas como, desde o início, a diplomacia russa alinhara-se com

      

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 (*1786‐1812). 

os interesses da Espanha, chegando a sugerir a anexação de Portugal, essa hipótese de trabalho foi abandonada.

Frustrada a alternativa russa, os portugueses buscaram aproximação com a diplomacia austríaca. Uma aliança com a Casa de Habsburgo, uma das mais influentes da Europa e que liderava o grande jogo da Restauração, significava uma forma de realçar seu prestígio e consolidar sua estratégia relativa à Inglaterra.

(JANCSÓ, 2006, p. 31)

É exatamente diante deste contexto que é acertado o casamento entre a arquiduquesa da Áustria, Carolina Leopoldina de Habsburgo-Lorena, filha do imperador austríaco Francisco I e de sua esposa Maria Thereza de Bourbon-Sicília, princesa das Duas-Sicílias. Embora este casal, o príncipe Pedro e a arquiduquesa Leopoldina, sejam de fato os primeiros imperantes no Brasil, o seu arranjo matrimonial não fora produzido com este fim, mas sim em aproximar o reino português do império austríaco, inserindo este matrimônio no grupo português e não brasileiro, embora tenham sido imperadores do Brasil.

Assim, com o casamento entre o Príncipe D. Pedro, filho de D. João, e a Arquiduquesa Leopoldina, a Casa de Bragança valeu-se de um dos mecanismos mais tradicionais do Antigo Regime para formalizar alianças entre Estados. De mais a mais, a Áustria via com bons olhos o fortalecimento da monarquia portuguesa, percebida naquele momento como o grande anteparo à opção republicana que se espalhava pela América. (JANCSÓ, 2006, p. 31)

É este fortalecimento pretendido pela monarquia austríaca contra o avanço republicano aliado ao fato da filha do imperador ser a imperatriz do recém-emancipado país, que endossou o pedido de reconhecimento da independência do Brasil à Casa de Habsburgo. A futura imperatriz Leopoldina não deixara de informar seu pai sobre suas perspectivas referente ao quadro político vivido no Brasil, em agosto de 1822, momentos antes da independência do país.

Segundo todas as notícias confiáveis da pátria-mãe infiel, a única conclusão a que se pode chegar é que Sua Majestade, o Rei, está sendo mantido pelas Cortes numa prisão elegantemente disfarçada; nossa partida para a Europa é impossível, já que o nobre espírito do povo brasileiro se mostrou de todas as formas possíveis e seria a maior ingratidão e erro político caríssimo se nosso empenho não fosse manter e fomentar a sensata liberdade e consciência de força e grandeza deste lindo e próspero reino, que nunca poderá ser subjulgado pela Europa, mas talvez com o tempo possa fazer o papel de anfitrião; eu porém estou convicta, querido pai, como deseja tudo o que é nobre e bom, de que o senhor nos apoiará na medida do possível e com toda a força e poder possíveis. (KANN e LIMA, 2006, p.403)

A carta de Leopoldina deixa-nos claro a sua interpretação sobre os acontecimentos, que seriam decisivos para a emancipação do Brasil. Pela perspectiva de Leopoldina, o rei português, seu sogro, estava prisioneiro das vontades das Cortes de Portugal, não sendo senhor de suas ações. As Cortes exigiam não apenas o regresso do casal de príncipes que haviam permanecido no Brasil enquanto a corte havia retornado para a Europa em 1821, como também exigiam que o Brasil voltasse à condição de colônia de Portugal, perdendo o status de Reino Unido que adquirira, bem como as melhorias e prerrogativas que passara a gozar desde 1808, com a chegada da família real portuguesa.

Em outubro de 1822, o príncipe D. Pedro é aclamado D. Pedro I, imperador do Brasil, conjuntamente com sua esposa Leopoldina de Habsburgo, que viria a falecer em dezembro de 1826. A independência do Brasil fora reconhecida por Portugal em 1824. No ano de 1829, o imperador do país casa-se com a princesa de Leuchtenberg, Amélia de Beauharnais, filha do enteado de Napoleão Bonaparte e da princesa Augusta da Baviera, sendo esta a primeira união matrimonial a ser tratada pela Casa imperial do Brasil.

A princesa Amélia, diferentemente de sua antecessora, não provinha de Casa régia, mas sim de um ramo secundário da Casa ducal da Baviera por linha materna, e por linha paterna, descendente de nobres franceses, tendo sido seu pai Vice-Rei da Itália durante o período napoleônico, o que por certo garantiu a sua família situações constrangedoras nas cortes europeias após a derrota do corso francês.

Retomando as tratativas de alianças matrimoniais de 1816, durante o reinado de D. João VI, o grupo destinado a Madri estabeleceu contrato matrimonial entre o rei Fernando VIII da Espanha e a infanta Maria Isabel de Bragança, realizado no mesmo ano, assim como o casamento do conde de Molina, infante da Espanha, Carlos de Bourbon y Borbón, com a infanta Maria Francisca de Bragança.

No entanto, a política matrimonial para os filhos de D. João VI ainda não estava completa; restava ainda casar o infante Miguel. As tratativas ficaram a cargo de sua irmã, Maria Isabel, rainha consorte da Espanha que, entre outras princesas, indicara a princesa Maria Cristina de Bourbon-Sicília para desposar seu irmão. A escolha de Maria Isabel não recaía sobre uma infanta da Espanha, mas sim a uma princesa membro da Casa de Bourbon, casa à qual a família real espanhola pertencia, sendo o reino das Duas-Sicílias um dos principais parceiros da Espanha em uniões matrimoniais.

Em carta de maio de 1820, o rei Francisco I das Duas-Sicílias49 agradece ao rei português por ter escolhido sua filha Cristina para esposa do infante Miguel de Bragança e, em janeiro de 1821, escreve outra carta ao monarca português buscando acertar os últimos aspectos do contrato matrimonial50, revelando na carta sua “imensa felicidade” em ter por genro um infante português.

No entanto, o momento para o rei português não era o dos mais felizes. Neste mesmo período, as Cortes reúnem-se e colocam em vigor a Constituição espanhola em Portugal, até que a Carta Magna portuguesa ficasse pronta. Estes ainda exigiam o retorno imediato a Europa da família real, o que ocorre em abril do mesmo ano. As sérias e graves instabilidades políticas do período acabam por adiar a realização da união matrimonial que nunca chega a se concretizar51.

1.4 A RAMIFICAÇÃO DA CASA DE BRAGANÇA – PEDRISTAS E