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Brevíssima visão do Renascimento, segundo H W Janson

No documento A pintura verbal de Armindo Trevisan (páginas 55-58)

2. O POETA E OS PINTORES

2.1. O POETA E O PINTOR: TREVISAN E ALBRECHT DÜRER

2.1.1. Brevíssima visão do Renascimento, segundo H W Janson

Os estudos sobre o Renascimento têm sido realizados sob uma diversidade de pontos de vista. Por isso, toma-se como referência a visão do historiador de arte H. W. Janson (2001), devido à relação que estabelece entre arte, história, sociologia e cultura.

Na transição da Antiguidade clássica para a Idade Média, a ascensão do Islã marca a separação entre as duas épocas. Entretanto, nenhum acontecimento com- parável separa a Idade Média do Renascimento (séculos XV e XVI). Esse período foi marcado por eventos importantes: a queda de Constantinopla, a conquista do sudoeste europeu pelos turcos, a descoberta da América, a expansão marítima que levou à fundação de impérios ultramarinos na América, na África e na Ásia, a riva- lidade entre Espanha e Inglaterra, e a crise espiritual da Reforma e da Contra- Reforma. Mas, nenhum desses acontecimentos, por mais significativos que tenham sido os seus efeitos, é responsável pela origem de uma nova era. O Renascimento já estava em curso na época em que esses fatos aconteceram, servindo para consolidar definitivamente a passagem da Idade Média para a Idade Moderna.

O único ponto em que a maioria dos estudiosos concorda talvez seja o de que o Renascimento começou quando as pessoas perceberam que já não viviam na Idade Média. Essa afirmação destaca o fato de o Renascimento ter sido o primeiro período da história consciente da sua própria existência, e que cunhou um termo para designar a si próprio. O Renascimento tomou como base as realizações huma- nas. Viu a Antiguidade clássica como o período histórico em que o homem atingira o apogeu dos seus poderes criadores. Durante os mil anos de trevas, muito pouco se realizou, pois o homem medieval continuava acreditando que pertencia à Antigüi- dade clássica e encarando todo o passado em relação à vinda de Cristo. O tempo da história estava ligado ao céu, mais que à terra. A Idade Média terminou, quase natu-

ralmente, com o ressurgimento de todas as artes e ciências que tinham florescido na época clássica.

O primeiro dos grandes homens a dar início ao Renascimento foi o poeta italiano Petrarca, por volta de 1330, tendo como precursores Santo Anselmo (1033- 1109), São Bernardo de Claraval (1090-1153) e São Francisco de Assis (1182-1226). Inicialmente, a nova época surgiu com a restauração do latim e do grego em sua pureza original e com o retorno dos autores antigos. Platão, Aristóteles, Virgílio, Sêneca e outros greco-romanos começaram a ser traduzidos e difundidos. Fato que deve ser lembrado é que os clássicos eram conhecidos na Idade Média, mas sob outra perspectiva. Durante os dois séculos seguintes, a revivescência da Antigüida- de cresceu a ponto de abarcar quase todas as esferas da atividade cultural. Assim, tomou forma a corrente filosófica chamada humanismo, cujo princípio básico con- siste em ter o homem como a medida de todas as coisas, significando um retorno à Antiguidade greco-romana e o abandono da filosofia escolástica medieval. O hu- manismo desencadeou, portanto, uma nova maneira de ver o homem.

O ressurgimento dos ideais greco-romanos não podem ser creditados exclu- sivamente a Petrarca, todavia foi ele que deu a diretriz moderna dessa visão que revela a dimensão individualista do ser humano. Isso determina uma mudança da situação do homem no mundo, ocorrendo a passagem do coletivo, que possibilitara a construção das catedrais góticas, para uma mentalidade individualista. É uma to- mada de consciência do indivíduo.

Dessa forma, a consciência e a afirmação do próprio eu levam Petrarca a re- jeitar toda a autoridade estabelecida, e a convicção de que a idade da fé era de fato um período de trevas. Tal postura, de questionar as práticas e as crenças tradicionais, iria tornar-se característica do Renascimento e, por assim dizer, de toda a era mo- derna. O humanismo, para Petrarca, significava a crença na importância das huma-

nidades ou letras humanas, por oposição às letras divinas, ou estudo das Sagradas Es- crituras, ou seja, o estudo das literaturas, da história e da filosofia pelos seus pró- prios fins, num enfoque mais secular que religioso. Também nesse aspecto ele defi- niu um modelo, tendo em vista que a nova espécie de eruditos humanistas exerceu papel decisivo na orientação intelectual do Renascimento, aproximando-o dos artis- tas. As artes plásticas viriam a desempenhar um papel relevante na evolução do Re- nascimento, devido à nova concepção da imagem, que contribuiu para difundir no- vas formas de relações culturais entre o homem e a realidade.

Petrarca e seus sucessores não desejavam ressuscitar integralmente a Anti- güidade clássica. Reconheciam, ao invés dos estudiosos medievais, que o mundo greco-romano estava irremediavelmente morto. As suas glórias só podiam ser revi- vidas pelo espírito, pelo descobrimento das realizações na arte e no pensamento. Por isso, o objetivo do Renascimento não foi o de copiar as obras da Antigüidade, mas, respeitando o seu tempo histórico-cultural, igualá-las, e superá-las se possível. Essas descobertas desencadearam crises e tensões, fazendo surgir uma efusão cria- dora como o mundo nunca conhecera antes.

Na prática, isso significava que a autoridade concedida aos modelos dos an- tigos possibilitava a abertura para novos caminhos. Os escritores procuraram ex- primir-se com precisão e com a eloqüência de Cícero, mas não apenas em latim. Os arquitetos passaram a usar um repertório arquitetural baseado no estudo das cons- truções clássicas. Os médicos renascentistas admiraram os manuais anatômicos dos antigos, considerando-os muito mais certos que os da Idade Média. Mas descobri- ram falhas nesses textos clássicos, ao confrontá-los com sua experiência direta na mesa de dissecação, aprendendo a confiar na evidência proporcionada por seus próprios olhos. Os humanistas, por grande que fosse o seu entusiasmo pela filoso- fia greco-romana, não se tornaram pagãos, antes se esforçaram por harmonizar o

legado dos pensadores antigos com a mensagem do cristianismo. Enfim, desejavam ser mestres por direito próprio.

No documento A pintura verbal de Armindo Trevisan (páginas 55-58)