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Para descrever suscintamente o Cerrado apresenta-se a seguir, informações gerais dos componentes ambientais relacionados ao clima, aos recursos hídricos, aos solos, à flora e à fauna associadas a este bioma. Estes componentes complementam a caraterização geológica apresentada no primeiro capítulo, no sentido de facilitar a compreensão dos processos naturais e dos tipos de recursos naturais utilizados pelo ser humano ao longo dos diferentes períodos estudados nesta tese.

O clima do Cerrado, segundo a classificação de Koppen, é do tipo Aw e Cwa. O clima Aw predomina amplamente sobre o tipo Cwa, que está restrito ao sul de Minas Gerais e ao sul do Matogrosso do Sul. A letra “A”, constante nesta nomenclatura, representa o clima megatérmico ou tropical úmido, com temperaturas médias do mês mais frio superiores a 18ºC. A letra “C” representa o clima mesotérmico ou temperado quente com temperaturas médias do mês mais frio entre 3ºC e 18ºC. A letra “w” representa o subtipo “tropical úmido” denominado como “clima de savana”, que é caracterizado por invernos secos e por verões chuvosos. As letras “wa” representam o subtipo do clima temperado quente com inverno seco e com temperatura média do mês mais quente maior que 22 ºC (SILVA, et al. 2008).

Com relação à pluviometria, as chuvas estão concentradas entre os meses de outubro a março, enquanto o período de estiagem predomina nos demais meses do ano. Dados da série histórica da estação climatológica – Embrapa Cerrados (1974-2002) demonstram que a maior média mensal registrada nesta estação no mês de janeiro foi de 255,4mm. Por outro lado, o mês de junho foi aquele com menor média mensal registrada, com 5,1mm. A média acumulada no ano registrada foi de 1.396,8mm. No estado de Goiás, as precipitações médias anuais variam entre 1.200 mm e 2.000 mm (SILVA, et al. 2008).

No aspecto relacionado aos recursos hídricos, o bioma Cerrado e em especial o estado de Goiás encontra-se em áreas de planalto. Essas áreas são ricas em nascentes e os rios, de uma forma geral, são menores do que aqueles localizados em regiões de planícies, como a Amazônia. Assim, o Cerrado abrange as cabeceiras das regiões hidrográficas do Paraguai, Parnaíba, São Francisco, Paraná e Tocantins/Araguaia12. O estado de Goiás abrange apenas as três últimas, como mostra a Figura 16. Como a grande maioria dos cursos hídricos apresentam baixas vazões, a capacidade de suporte e de diluição de poluentes desses rios é menor do que em rios de mais alta vazão. Portanto, os

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Divisão Hidrográfica Nacional instituída pela Resolução nº 32 de 15 de outubro de 2006 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

64 cursos hídricos que se enquadram nesta situação estão mais sujeitos à contaminação (LIMA & SILVA, 2008).

Figura 16 – Bacias hidrográficas e principais cursos d’água do estado de Goiás. Base Cartográfica: SIEG.

No que diz respeito aos aspectos pedológicos, o solo é o resultado de variáveis independentes que incluem o clima, os organismos vivos, o material de origem, o relevo e o tempo. Em geral, em Goiás há a predominância de solos desenvolvidos pela forte influência dos processos de intemperismo físico decorrentes do clima tropical associado às grandes áreas com relevo plano. Desta forma, os latossolos13 são os tipos mais comuns no Estado e ocupam 63% do território. Nestas condições geomorfológicas, os processos pedogenéticos são mais intensos do que o transporte de material, portanto, há o favorecimento da

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Latossolos são solos minerais, profundos, altamente intemperizados e com baixa fertilidade natural. Em geral estão associados ao Cerrado sentido restrito.

65 formação de solos profundos. Nas encostas dessas chapadas ocorre o processo oposto: o transporte de sedimentos, em função da alta declividade, é mais acelerado do que os processos pedogenéticos. Nessas encostas são formados os cambissolos14, que abrangem aproximadamente 6% de Goiás. No fundo dos vales, em áreas de cabeceiras e margens de cursos d’água, no geral, são encontrados os gleissolos (hidromórficos)15. Esses solos têm

como principal característica o nível freático raso à aflorante associado. Em função de serem solos mal drenados há intensa acumulação de material orgânico, o que confere aos gleissolos melhor fertilidade do que nas classes anteriormente descritas. Os gleissolos ocorrem em aproximadamente 2% do território de Goiás. Os nitossolos e os argissolos correspondem respectivamente, às antigas “terras roxas” e aos solos podzólicos. Estes dois tipos somados abrangem aproximadamente 22% do território de Goiás. A fertilidade desses solos depende do substrato rochoso. Em geral rochas básicas e ultrabásicas resultam em solos férteis. Outros tipos de solo, tais como os neossolos, plintossolos, planossolos e luvissolos também ocorrem no estado em áreas mais restritas (REATTO et al., 2008).

No aspecto vegetacional, o estado de Goiás ainda contém remanescentes de todas as fitofisionomias propostas por Ribeiro & Walter (2008). Com relação à flora nativa são registradas 22 famílias, 67 gêneros e 385 espécies de pteridófitas; duas famílias, dois gêneros e quatro espécies de gimonospermas e; 169 famílias, 1.452 gêneros e 11.238 espécies de angiospermas. Quanto ao hábito das pteridófitas, estas são representadas em sua grande maioria por espécies herbáceas (94,36%). Do total de espécies, 50,43% ocorrem nas formações florestais, 17,68% nas formações savânicas e 18,17% nas formações campestres. Para as fanerógamas, 6.998 táxons ocorrem nas florestas, 7.618 nas savanas e 8.848 nos campos. Quanto ao hábito, 1.870 táxons são plantas arbóreas, 2.536 são arbustivas e 8.017 são herbáceas (MENDONÇA et al., 2008). Dentre os táxons ocorrentes no Cerrado, 624 são considerados como ameaçados de extinção (RIVERA et al., 2010).

Estudos da fauna do Cerrado são bem mais raros do que vegetacionais e florísticos. Os levantamentos deste componente do meio biótico foram iniciados apenas na década de 1960. Ao tempo, a ideia era que o Cerrado apresentava baixo grau de endemismo, sobretudo no que se refere aos estudos da mastofauna (MARINHO-FILHO et al., 2010). O pensamento estava correto para os mamíferos, visto que a taxa de endemismo para mamíferos é da ordem de 9% (MARINHO-FILHO et al., 2002). As matas ciliares representariam corredores mésicos, ao longo do Quaternário, entre a Mata Atlântica e a

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São solos pouco desenvolvidos, rasos, com alta concentração de minerais primários e de baixa fertilidade. Em geral estão associados às formações campestres.

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Os gleissolos estão associados às formações campestres (campos úmidos), Veredas, Parque de Cerrado, Buritizal e Matas Ciliares.

66 Amazônia, facilitando a migração entre os diferentes biomas (REDFORD & FONSECA, 1986, MARINHO-FILHO et al., 2010). Destaque entre os mamíferos está o morceguinho do cerrado, Loncophyla dekeysseri, único quiróptero endêmico do Cerrado (MARINHO-FILHO, 1996). Apesar de constar na categoria vulnerável, no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MMA & FUNDAÇÃO BIODIVERSITAS, 2008) e ser alvo de uma ação do MMA – Ministério do Meio Ambiente (“Programa Nacional de Conservação do Morceguinho do Cerrado”), essa espécie está ameaçada pela indústria do cimento. Áreas requeridas para pesquisa mineral e com alvarás de lavra, junto ao DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral coincidem com ocorrências de calcário, habitat de quirópteros (cavernas) (DELLA GIUSTINA & FRANCO, 2012).

Entretanto, para a herpetofauna, o quadro é, em grande medida, diferente: 26% das espécies de lagartos, 28% das espécies de anfíbios e 50% das anfisbenas são endêmicas ao Cerrado (COLLI et al., 2002). Esses dados levaram a revisão do modelo estabelecido há quatro décadas. Além disso, o baixo grau de conhecimento, com poucas áreas estudadas, certamente influenciaria os resultados atuais no sentido da descoberta de novas espécies endêmicas (MARINHO-FILHO et al., 2010).

Quanto à diversidade da fauna do bioma cerrado, até 2002, os seguintes quantitativos de espécies registradas e compiladas de diversos estudos são apresentados, por grupo:

- herpetofauna: 10 espécies de tartarugas, 5 de crocodilos, 15 de anfisbenas, 47 lagartos, 107 cobras e 113 anfíbios (COLLI, et. al., 2002).

- aves: 837 espécies (MACEDO, 2002);

- mamíferos: 194 espécies (MARINHO-FILHO et al., 2002).

Esses dados demonstram a alta diversidade de ecossistemas e de espécies que integram o bioma Cerrado. As grandes variações nos componentes do ambiente físico tais como o clima, a geologia, os solos, o relevo e a interação entre eles são responsáveis pela complexidade e pela singularidade do bioma Cerrado.

Com os conceitos apresentados e o bioma Cerrado devidamente caracterizado, o capítulo seguinte apresenta a história da ocupação humana no estado de Goiás ao longo dos diferentes períodos: pré-colonial, colonial, imperial e republicano. Nessas seções são discutidas as principais influências das atividades econômicas e dos modos de vida dos habitantes da região no que diz respeito aos impactos ambientais e ao uso dos recursos naturais.

67 3 OCUPAÇÃO HISTÓRICA DE GOIÁS

A ocupação humana no estado de Goiás se deu, historicamente, estreitamente relacionada ao uso de recursos naturais. Desde os indígenas que praticavam a caça, a pesca, a coleta e a agricultura de coivara, aos bandeirantes em busca do ouro, até os pecuaristas e agricultores modernos que utilizam o solo como insumo do processo produtivo, o Cerrado vem perdendo espaço. Na medida em que o “ser humano” desenvolveu tecnologias, do machado ao trator de esteira, do uso moderado das áreas florestadas aos ímpetos mais fortes da revolução verde, o seu poder de destruição da natureza só ganhou em escala. Por outro lado, as ações de preservação da natureza e de uso racional dos recursos naturais foram pífias, restritas à relativamente recente criação de UC, ao licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras e às ações pontuais de educação ambiental. Por exemplo, a criação de áreas protegidas em Goiás, dentre as poucas políticas públicas ambientais efetivas, remonta apenas à década de 1960, em meio à política desenvolvimentista de Juscelino Kubistchek, que impactou fortemente o Cerrado com a criação de Brasília, a construção de estradas e ferrovias, o estímulo à expansão da fronteira agrícola e outras medidas.

Assim, nas seções subsequentes, descreve-se a evolução dos modos de vida das diferentes sociedades ao longo dos períodos pré-colonial, colonial, imperial e republicano. O foco das análises são os processos produtivos, notadamente a sua inter-relação com o uso dos recursos naturais e os impactos ambientais associados.

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