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O nome União do Vegetal pode ser interpretado de algumas maneiras: primeiro, partindo da própria natureza do chá: a união de duas espécies vegetais em seu preparo; segundo, derivando-se da idéia de união das pessoas em torno do chá sagrado, ou “pelo Vegetal”, formando uma comunidade ou irmandade (ANDRADE, 1995; LABATE, 2000). Terceiro, a União como categoria que remete às religiões espíritas.

Conforme já mencionado, a instituição a que se refere este trabalho trata-se da UDV, representada institucional e legalmente pelo Centro Espírita Beneficente União Do Vegetal (CEBUDV)56. Atualmente com sede geral em Brasília (DF), a UDV foi fundada e re-criada por José Gabriel da Costa, o Mestre Gabriel, no dia 22 de julho de 1961, em Porto Velho (Estado de Rondônia). É uma sociedade filantrópica, religiosa e cultural, regida por alguns instrumentos: as Leis Universais da UDV; Boletins da Consciência; Regimento Interno; e por seu Estatuto Social. Neste sentido é bom que se ressalte que ela difere das demais denominações que utilizam ou reivindicam a utilização dos termos “União do Vegetal” em sua denominação ou sigla UDV, as quais podem ser consideradas dissidências.

Segundo Goulart (2004) é após o falecimento de Mestre Gabriel que se iniciam as disputas e as cisões no interior dessa denominação57, gerando a seguir a formação de novos grupos que irão utilizar (ou reivindicar) a mesma nomenclatura, rituais e/ou símbolos, em parte ou no todo. Isso levará as disputas para outros campos. Neste sentido, afirma a autora:

Verificaremos, inclusive, que a disputa pelas designações que nomeiam, genericamente, estas religiões é uma constante entre os seus respectivos grupos, embora possa se manifestar de modos diversos em cada uma delas. (...)

Este tipo de conflito parece assumir um caráter mais enfaticamente legalista (...) em disputas judiciais em torno do direito de usar determinadas designações que os identifiquem (GOULART, 2004, p. 10-11).

A UDV destaca-se entre as demais religiões ayahuasqueiras por sua natureza organizacional altamente hierarquizada e administrativamente estruturada

56 Inicialmente criada sob a denominação Associação Beneficente União do Vegetal, teve essa designação alterada para CEBUDV em 1970.

(HENANN, 1986; ANDRADE, 1995; LABATE & ARAÚJO, 2002; et alii). Está presente em todo o território nacional e possui Unidades em alguns países. As Unidades Administrativas (UA) ou Centros da UDV dividem-se em Distribuição Autorizada, Pré-Núcleo e Núcleo. As diferenciações entre essas Unidades são dadas pelas seguintes condições: número de sócios (ou de pessoas interessadas em ingressar) e quantidade de Mestres do grupo ou da localidade; existência de espaço físico próprio com acomodações suficientes; capacidade de produção do chá em quantidade suficiente – todas essas condições no sentido de atender os sócios satisfatoriamente. Em geral primeiro é instalada uma Distribuição Autorizada, que “evolui” para um Pré-Núcleo e em seguida, de acordo com as condições, converte-se em Núcleo. Duas circunstâncias podem gerar a criação de uma nova UA: a partir do desmembramento de um Núcleo ou para atender a uma localidade onde exista um grupo de pessoas interessadas em participar da UDV, mas que esteja em local distante de uma UA58.

A instituição é administrada por uma Diretoria e seus Departamentos, a qual está submetida a um Conselho Fiscal – para os quais os membros são eleitos por tempo determinado. A direção espiritual, assim como as funções legislativas e da Câmara de Justiça ficam a cargo da Administração Geral, que é composta por seu Quadro de Mestres.

Os cargos e funções de Mestres são categorizados hierarquicamente como: I. Mestre Geral Representante (MGR) é a autoridade máxima da UDV; II. Mestre Central (MC) responsável pela condução das Unidades Administrativas (U.A.) – Núcleo, Pré-Núcleo e Unidade de Distribuição Autorizada – pertencentes a uma Região, que não necessariamente coincide com a divisão federativa; III. Mestre Representante (MR) é o dirigente e autoridade máxima de uma Unidade Administrativa; IV. Mestre, membro do Quadro de cada Unidade, pode substituir o MR em caso de sua ausência ou ocupar a função de Mestre Assistente (MA), o qual, como expressa a denominação, exerce funções auxiliares junto aos MGR, MC e MR em Sessões, podendo ser em número variável.

58 Para a criação de uma nova Unidade o grupo deve contar aproximadamente trinta sócios, dois mestres e dois conselheiros. Precisa ainda de prédio ou terreno próprio em nome do CEBUDV (Sede Geral), acomodações suficientes e documentação aprovada pelo departamento Jurídico da instituição. Até fevereiro de 2010 a conversão da U.A. de Pré-Núcleo a Núcleo ocorria quando essa U.A. contasse com aproximadamente 60 (sessenta) Sócios e um quadro composto por no mínimo 5 (cinco) Mestres. Essa regra foi abolida com decisão da Diretoria Geral da UDV, sobre a qual tomei conhecimento durante a apresentação dos resultados da pesquisa aos praticantes da UDV do Núcleo Rei Canaã em 20/03/2010.

Existe a função de Conselheiro/a, que está ligada a questões espirituais; entretanto, as opiniões de um/a conselheiro/a são consideradas quanto a questões institucionais. Todos os praticantes ou adeptos da UDV são denominados (administrativamente) sócios, os quais são divididos em sócios fundadores e sócios efetivos; igualmente a todos é atribuída a condição de discípulo (espiritualmente).

Enquadradas como “associação sem fins lucrativos” pelo Código Civil Brasileiro, cada Unidade Administrativa da UDV tem sua própria diretoria, por tratar-se de uma unidade autônoma em termos jurídicos. Assim, existem os tratar-seguintes cargos/funções (para as quais os membros são eleitos para um mandato de três anos): Presidência, Secretaria, Tesouraria, Conselho Fiscal; o Quadro de Sócios agrupa a todos/as, indistintamente. Existem as funções de responsabilidade pelo Departamento de Memória e Documentação, e outros, a depender da Unidade.

Entre outros estatutos, as relações de gênero e a divisão sexual dos papéis a serem desempenhados em qualquer grupo social têm por base as regras morais por ele estabelecidas. Essas regras podem ser percebidas nas hierarquias espirituais, administrativas e nas atividades operacionais realizadas pelos sócios da UDV.

Apenas os indivíduos do gênero masculino podem ascender à classificação hierárquica de Mestres59. Desse modo o cargo de direção de Unidades ou Geral é exclusivo do gênero masculino, uma vez que coincide com a hierarquização espiritual. Eles também podem ser conselheiros e exercer outras funções administrativas. As mulheres podem chegar à função de conselheiras e também exercer outras atividades administrativas60. É preciso que se diga, ainda, que algumas funções/cargos são cumulativas. Homens e mulheres também se revezam em funções de secretaria, tesouraria, assessoria jurídica e outras operacionais da U.A.’s.

De acordo com os colaboradores/as entrevistados/as, nessa regra de prevalência do homem não há intenção valorativa de sujeição ou subalternidade feminina. O discurso do grupo procura justificar a importância simbólica da mulher como a Conselheira por excelência (houve uma época em que somente elas podiam

59 Apenas à viúva de Mestre Gabriel, líder e guia espiritual da UDV, a senhora Pequenina, foi concedida a estrela de Mestre; configurando exceção à essa regra.

ocupar essa função) por associação desta com o mito de origem da UDV, Hoasca, a sábia e “conselheira do rei”. Assim, um depoimento diz:

“Houve época na UDV que tinha Mestre que não era Conselheiro; recebia a estrela de Mestre. mas não era conselheiro. Para obter o grau do conselho precisava realmente ter a condição de dar conselho. É essa a importância da Mulher: é a conselheira oriental. Por isso digo que a mulher tem uma grande importância nesse sentido; sendo conselheira” (CP10 – Carlos)61.

Administrativa e espiritualmente a hierarquia é um elemento muito significativo na UDV. Há uma espécie de progressão escalar na hierarquia udevista, a qual é galgada pelo “grau de memória” alcançado por cada sócio/discípulo – o que será discutido mais propriamente no terceiro capítulo deste trabalho. Essa “progressão” influencia tanto na escolha dos membros de direção administrativa, quanto espiritual. A exposição sintética acerca da hierarquia e da organização institucional prendeu-se à necessidade de descrever brevemente as funções encontradas na UDV. Mas, apenas essa configuração poderia originar uma discussão densa – o que não considero necessário fazer aqui.

Como uma das denominações ayahuasqueiras que registra maior crescimento em número de praticantes (LABATE, 2002), a UDV está presente em quase todos os Estados do território nacional, exceto no estado de Sergipe (Ver Anexo 01) e registra hoje o número de mais de 15.000 sócios e um total de 140 U.A.’s no Brasil. Iniciando um processo de expansão para o exterior do país, a UDV encontra-se hoje nos EUA, em Portugal e na Espanha.