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A UDV funciona como uma casa em termos de sua auto-gestão, inclusive no que se refere à sua manutenção, organização e limpeza, de maneira similar ao que pode ser observado em outras denominações religiosas67. Esses cuidados são compartilhados pelos sócios (exceto em caos de serviços especializados). A impressão que se tem é que, em geral, cada um tem uma tarefa a cumprir. Isso ficou mais visível no mutirão de que participei.

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Sigla incluída por mim.

67 Como exemplos, na ramificação do Budismo da linha inaugurada por Nitiren Daishonin, que no Brasil é difundida pela Brasil Soka Gakkai Internacional (BSGI ), a manutenção dos templos locais de culto, os Centros Culturais, realizada periodicamente pelos adeptos. A participação das mulheres é denominada “mamorukai” e dos homens “plantão”. Pelo que pode ser superficialmente observado, na religião evangélica denominada Assembléia de Deus, em Belém, também são realizados esses momentos, aos quais denomina “mutirão”.

Foto 10: Trabalho de jardinagem durante Mutirão na UDV – Núcleo Rei Canaã..

Fonte: Dilma Ribeiro/2010.

O “mutirão” é uma vivência oficial dentro da UDV, estabelecida em calendário, programada para ocorrer todo terceiro domingo de cada mês. Nele a participação é livre, e pretende-se que haja o envolvimento de tantos sócios quanto for possível, mas, por uma questão prática, para garantir o mínimo necessário de pessoas, há uma espécie de “escala” onde alguns deles são convocados. É um momento de características domésticas, um momento “familiar”, que ocorre como a grande faxina de uma grande casa, onde as pessoas dividem várias tarefas, as quais em geral estendem-se por quase um dia inteiro: capina, varrição, lavagem de dependências, pintura, pequenos consertos, construções, etc. Há também a equipe ocupada em preparar a alimentação para o grupo que desenvolve essas tarefas. Penso que provavelmente essa seja uma prática herdada do meio rural – o nosso também chamado “puxirum”.

Alguns pontos podem melhor visualizados em trecho de minhas anotações de campo:

(Eu) – O que é o mutirão pra você?

CP6 – Telma: Funciona como se fosse a limpeza de uma grande casa, onde os moradores ... onde não há uma outra pessoa contratada para fazer esse serviço. Não dá pra terceirizar. Então os sócios, os “familiares” daquele

Núcleo se unem e fazem uma verdadeira faxina. Limpando, varrendo, capinando, lavando, pintando, etc. Tudo isso sob a supervisão... principalmente da Ogã daquele período (...) Todos os sócios ligados ao Núcleo são convidados a participar, sendo que esta obrigatoriedade “pesa mais” sobre o corpo de dirigentes, o qual encontra-se em um grau hierárquico diferenciado(...).

(Eu) – (...) Quem é a Ogã na UDV?

CP2 - Flávia: A Ogã é uma Conselheira. É um cargo dentro da UDV. Então é a conselheira que está responsável pela limpeza, pela cozinha, pela organização do espaço do centro. É a ogã; que vem de “organização”. Então é ela que traz essa limpeza, essa ordem, pra manter o ambiente limpo, pra organizar a alimentação pro mutirão, pras sessões, pros eventos.

(Eu) É sempre uma mulher?

É sempre uma conselheira. E de acordo com a quantidade de conselheiras que o núcleo tiver é feito um rodízio; de dois em dois meses, troca.

(Eu) A Ogã é uma “irmã mais velha” ou ela é “mãe” no Núcleo?

CP2 - Flávia: (risos) A ogã é uma mãe mesmo, dentro do núcleo. Tudo o que precisa vai lá com ela. Tudo tem que ter um aval dela. Principalmente nessa questão da organização, da comida e do ambiente. É ele quem cuida de tudo.

Essa escolha da mulher como responsável pela limpeza e alimentação da casa remonta ao modelo familiar tradicional, onde a divisão baseia-se na diferenciação por gênero: o homem é o chefe da família, a mulher, a chefe da casa. Mas a mulher assume outras dimensões dentro da UDV. Algumas delas, assim como outros elementos cosmológicos desse conjunto, serão discutidas a seguir.

O clima fraternal também é envolvente: os cumprimentos, sorrisos, a atenção oferecida aos que chegam, os convites para partilhar o alimento. O que se percebe durante toda a estada são as relações de cordialidade e até de amizade, que se prolongam para além dos muros dos Centros, unindo por afinidades diversas alguns desses indivíduos. O termo irmandade manifesta-se nos discursos e, aparentemente, nos comportamentos dos sócios, entre si e em relação aos recém-chegados, como pode ser visto no trecho de uma entrevista:

O Mestre Gabriel disse que a UDV é uma casa de amigos. Porquê? Porque tem a Sessão de Adventício e só vem pra ... só quem traz pra essa sessão de adventício é um sócio que convida um amigo, que traz outro amigo, e outro amigo. E as pessoas vão se conhecendo e se tornando amigas... então é uma grande casa de amigos.(...)

Você conhece aquele lugar pela primeira vez na vida, vê aquelas pessoas pela primeira vez, parece que já conhecia antes, há muito tempo. É essa questão da irmandade de fazer parte da UDV, de comungar as mesmas coisas, falar dos mesmos assuntos, usar as mesmas palavras.

Isso aí é que forma a irmandade. As pessoas se sentem numa irmandade. Quando ela chega num Núcleo, que ela nunca foi, as pessoas chegam contigo e conversam como se já te conhecessem há anos. Isso traz o sentimento da irmandade (CP2 - Flávia).

Mas certamente que as relações entre os sócios também são marcadas por conflitos:

Praticamente todo final de semana, quando agente pode, a gente tá lá. Mesmo quando não tem nenhum trabalho de preparo, de sessão, agente sente vontade de ir pra lá, confraternizar, levar a sua família. Fazer um churrasco...

Isso é muito próximo, as pessoas ficam muito próximas... E também com essa proximidade muito grande, corre o risco das pessoas se estranharem, se contrariarem com alguma coisa, mas de uma forma que logo após isso possa ser contornado, pras pessoas voltarem a se entender. Isso também faz parte do nosso aprendizado, de cada um (CP2 - Flávia).

Em algumas oportunidades no decorrer de minha participação observante pude permanecer durante o dia e pernoitar nos Centros da UDV. Em ambas as Unidades o “clima” é diferente daquele que vivemos em grande parte da capital – seja em termos climáticos no sentido estrito, seja em termos da ambientação.

Assim, nas despedidas todos levamos algo em nossas bagagens: amizades fortalecidas e conflitos por resolver; menos certezas que dúvidas; a fé na existência da transformação por meio do aperfeiçoamento espiritual, que demanda tempo e

querer; enfim, coisas que os farão querer retornar na próxima Sessão ou programação.