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Breve crítica do interacionismo simbólico: Dubar e a socialização

No documento ludsonrochamartins (páginas 58-62)

1.2 O interacionismo simbólico, a análise dinâmica do fenômeno profissional e

1.2.2 Breve crítica do interacionismo simbólico: Dubar e a socialização

Observados os pontos da seção anterior, devemos fazer a seguinte pergunta: afinal, como Dubar (2005) apreende os postulados habermasianos? A isto, responde-se: o sociólogo

francês os insere no quadro de sua análise interacionista das profissões e da vida social. Ele utiliza, especialmente, a ideia de Habermas (1992a), que apresenta a socialização como a elaboração social da realidade, fundada na dualidade irredutível da ação humana: o trabalho, como domínio do mundo natural; e a linguagem, como dinâmica interativa e de poder (MENEGHETTI, 2009).

Nesse prisma as profissões seriam tipos particulares de socialização – mediações entre as instâncias fundamentais da ação –, colocando-se como instituições alicerçadas pelo legítimo em dois sentidos: 1°) o da afirmação social de dispositivos ocupacionais de cariz organizacional, e 2º) do reconhecimento dos sujeitos membros das ocupações, ou seja, de aceitação das suas identidades.

Assim, como fato simbólico e jurídico, a socialização profissional mostra-se:

[...] um processo específico [...], ligando educação, trabalho e carreira, em que essas identidades se constroem no interior de instituições e de coletivos que organizam as interações e asseguram o reconhecimento de seus membros como “profissionais” (DUBAR, 2012, p. 354).

Trata-se de uma dinâmica capaz de abarcar todas as formas de trabalho, das mais simples as mais complexas, das atividades mais novas as mais tradicionais, desde que essas ocupações cumpram um pré-requisito essencial: “[…] sejam organizadas, definidas, e reconhecidas como “ofícios”, isto é, atividades que requerem competências que possam ser certificadas […]” (DUBAR, 2012, p. 364).

Isso se torna possível:

[…] na medida em que o próprio trabalho mudou bastante, deixando de ser gasto de energia (produto de uma força por um deslocamento) para se tornar massivamente, nos países desenvolvidos, resolução de problemas (e serviço prestado a outro) (DUBAR, 2012, p. 356).

Profissionalizar-se significa, então, conquistar na esfera pública, por meio de um processo interativo constante, o reconhecimento de um papel social na divisão do trabalho, regulado por competências passíveis de credenciamento. Tal dinâmica ganharia cada vez mais força, dada a tendência de ampliação da “economia do conhecimento” nas nações avançadas, em detrimento da economia tradicional – calcada meramente no trabalho manual e repetitivo.

Em síntese: a absorção da teoria habermasiana do legítimo a partir dos influxos do interacionismo simbólico na sua forma clássica, faz com que Dubar (2005; 2012) considere que a profissionalização seja a elaboração de referências sociais que permitam a construção da identidade dos sujeitos desse processo. Para ele, a vida profissional seria uma forma de construção de si – de definição e redefinição da própria subjetividade – e de reconhecimento pelo outro, posta pelos mecanismos (jurídicos) que interferem na aceitação dos indivíduos e grupos no mundo do trabalho.

Ora, o que se vê nos estudos desse autor e, podemos dizer, em todo pensamento interacionista, é uma análise de inegáveis méritos, que supera, de fato, vários dos equívocos funcional-positivistas. A ênfase na profissionalização como processo, a sua ponderação como dinâmica factível a um extenso conjunto de ocupações (e não apenas aquelas tidas como tradicionais), a explicitação das disputas entre os agentes e as reflexões sobre a questão da socialização e da identidade ocupacional, demonstram as grandes contribuições desse ponto de vista.

Não se pode esquecer, contudo, que esse pensamento vacila diante da necessária definição do escopo – isto é, das determinidades – do fenômeno profissional, já que vê esse procedimento como uma forma de engessar a análise. Assim, não se demarca tal objeto com clareza, abrindo espaço para imprecisões de vulto.

Todavia, essa não é a questão principal, aliás, está longe de sê-la. Aqui existem, de fato, dois grandes problemas. Por um lado as ideais interacionistas (Dubar incluso) não rompem com o cerne das ponderações funcionalistas, isto é, mesmo ampliando a noção daquilo que se considera como profissionalidade, esse pensamento ainda está muito ligado às noções de credenciamento e especificidade (funcional e de saber).

A falha, então, é de certa forma, a mesma do funcionalismo: não se avalia que o reconhecimento ocupacional está fundamentado no conjunto das relações sociais que determinam esse campo, inserindo-o ativamente nos processos de produção e reprodução da totalidade social.

Ora, quando não se remete a análise profissional para as forças societárias geradoras desse fenômeno, cria-se um afastamento da análise em relação às dimensões mais cruciais do real, o que impede que se capturem as determinações fundamentais do profissionalismo – daí a relutância de Dubar (2005; 2012), e de outros interacionistas, para apontar os elementos decisivos da questão.

O foco do interacionismo simbólico nas relações comunicativas, na concorrência profissional e interprofissional, bem como na questão da identidade ocupacional, esconde

esse entrave estrutural, que consolida uma análise que não se debruça sobre as questões econômico-sociais que informam as profissões.

Todos esses elementos estão referenciados no segundo problema que devemos apontar, qual seja a notória propensão subjetivista do pensamento de Dubar (2005; 2011; 2012) e de todo interacionismo simbólico.

O que essa forma de teorização na verdade faz é erigir um pensamento centrado no indivíduo e nas suas interações, as identidades, papéis sociais e as instituições (como as próprias profissões) são observados sem a apreensão central das relações materiais nas quais se baseiam, ficam reduzidas, portanto, a expressões simbólicas e jurídicas da vida coletiva ou do pisquíssimo individual.

As transformações na esfera do Estado, as mudanças da estrutura produtiva, o surgimento de novas tecnologias, a complexificação da estrutura e do conflito de classe, junto das mudanças na divisão internacional do trabalho, do fortalecimento do capital financeiro, das alterações nos processos laborativos não são tema privilegiado de tal perspectiva, ao contrário, apenas são citados quando reforçam os argumentos subjetivistas acerca das identidades sociais e profissionais. O melhor que se consegue é incorporar alguns aspectos das ideias habermasianas, pensando a socialização como dinâmica de elaboração da subjetividade e de construção da realidade social.

No que diz respeito à Dubar, especificamente, cabe citar a ótima crítica de Meneghetti (2009, p. 52), para quem esse estudioso:

[...] estabelece um paralelo entre identidade para si e identidade para outrem e, portanto, entre trajetórias individuais de vida e contextos sociais de ação. [...] Com isso [...] o autor não faz senão articular representações, individuais (para si) e coletivas (para outrem), sobre as identidades sociais e profissionais. [...] como decorrência disso –, será que ele consegue evitar que sua análise das identidades seja “traduzida em termos psicológicos”? [...] [Afinal] a visão de um indivíduo sobre si mesmo e de outra pessoa sobre o mesmo indivíduo não seriam, ambas, expressões “psicológicas”?

Conclui-se, portanto, que

[...] o caráter problemático que a “abordagem sociológica” das identidades profissionais sugerida por Dubar comporta é que ela exclui do foco de análise toda uma série de condições objetivas a que estão submetidas todas as profissões. Quer dizer, mais precisamente, que o enfoque analítico proposto por Dubar baseado no interacionismo simbólico, se não ignora, pelo menos relega a um plano absolutamente secundário fatores tais como condições de trabalho, autonomia profissional, legislação, formação profissional (em termos de conteúdo e não apenas de “interação” com “outros”) [...]

Poderíamos dizer [...] [então] que a análise sociológica do autor concebe o indivíduo – com o perdão da redundância – individualmente. [...] por mais que o sociólogo francês fale recorrentemente de “interação social”, o papel do “outro”, etc., o ponto de partida e o ponto de chegada de sua teorização é o indivíduo; é ele (o indivíduo) que constrói a própria identidade, assim como é ele que a expressa. Subjacente à análise das identidades sociais e profissionais [...] está implícito um certo “voluntarismo” individual que faz com que a identidade dependa exclusivamente da disposição do indivíduo de construí-la (MENEGHETTI, 2009, p. 52-53).

Ou seja, a reflexão de Dubar (2005; 2011; 2012) está apoiada em pressupostos teóricos que analisam as profissões e as identidades sociais sob um prisma individualizante e subjetivista (MENEGHETTI, 2009), tal limitação, inclusive, não deriva da particularidade das suas concepções, mas mostra os problemas incutidos no interacionismo simbólico enquanto corrente de análise da vida social; uma teoria complexa, rica e ampla, mas muitas vezes atomizante, liberal e com tendências conservadoras (CARVALHO; BÔRGES; REGO; 2010).

No documento ludsonrochamartins (páginas 58-62)