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Breve evolução do povoamento

2.1. Caracterização do concelho de Marvão

2.2.2. Breve evolução do povoamento

Há vestígios de ocupação humana na área do município de Valencia de Alcántara desde a Pré- história, mais concretamente, desde o Paleolítico.

No Neolítico, essa presença acentuou-se e muitos são os monumentos fúnebres que o atestam. Valencia de Alcántara possui um dos conjuntos megalíticos mais importantes da Europa, estando identificadas quarenta e uma antas.

Ainda que o nome “Valencia" tenha surgido pela primeira vez num texto de Tito Lívio, em que se falava da sua doação por Junio Bruto, pouco se sabe relativamente à sua fundação e povoamento. Dados mais concretos só permitem ter certezas da sua ocupação na Alta Idade Média, aquando da queda do império romano144.

Desde a Idade Média, Valência foi concebida como uma praça com funções militares e assim chegou quase até ao século XX. Tal levou a que estivesse durante grandes períodos assolada pela guerra, o que também dificultou bastante o seu povoamento.

Em 711, começou a invasão árabe e, depois da rendição de Mérida, em 713, todo o Oeste peninsular ficou dominado pelos muçulmanos, situação que se vai manter durante cerca de quinhentos anos.

Em 876, ano da era cristã, Ibn Maruán, a partir de Marvão, onde construiu uma imponente fortificação, apoderou-se das terras circundantes, estendendo-se essa abrangência às terras de Valência. Esta situação manteve-se até aproximadamente 930, altura em que o seu bisneto, de igual nome, foi deposto pelo Califa Abderramán III Al- Nasir.

No século XII, em 1164, D. Afonso Henriques conquistou Marvão, tendo sido ajudado pelo português Geraldo Sem Pavor, que conquistaria também Valência e outras localidades da atual Extremadura espanhola145.

A vila foi conquistada pelos Cristãos no século XIII. Em abril de 1221, Valência foi conquistada pelo Mestre da Ordem de Alcântara D. García Sanchez, mantendo o mesmo nome146.

Como já foi referido, em 1226, o rei português D. Sancho II concedeu o primeiro foral a Marvão, no qual se definia o vasto território que lhe pertencia, estando incluída toda a região de

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Cfr. http://www.valenciadealcantara.es/index.php/historia (consultado a 01 de junho de 2014).

144 Cf. GALAVÍS BUENO, 2010: 87, 99. 145 Cf. GALAVÍS BUENO, 2010: 95. 146 Cf. GALAVÍS BUENO, 2010: 102.

Valencia de Alcántara. Mais tarde, este território espanhol volta a ser pertença da Ordem de Alcántara.

Durante a Baixa Idade Média e princípios da Idade Moderna, Valencia pertencia à Ordem de Alcántara e tinha bastante importância devido à sua localização geográfica. Era habitada essencialmente por cristãos, havendo uma minoria judia e mudéjar147.

Desde a reconquista cristã, a população muçulmana foi-se adaptando à forma de viver cristã, pelo que, no final do século XV, estava completamente inserida. Com eles convivia também uma comunidade judia minoritária, que, na sequência do decreto dos Reis Católicos de 1490, passou a viver isolada da restante comunidade e que, dois anos mais tarde, em 1492, por novo decreto, se viu obrigada a converter-se ao Cristianismo ou a exilar-se noutros países, como sucedeu com Portugal, mais concretamente, em Marvão ou Castelo de Vide, havendo na segunda uma importante comunidade judaica.

Em 1715, Valencia de Alcántara voltou definitivamente a ser espanhola, depois de ter estado na posse dos portugueses durante dez anos148. Nessa altura, a cidade encontrava-se bastante destruída. A fortaleza atualmente existente foi reedificada no século XVIII.

O início do século XIX foi particularmente agitado, já que Valencia de Alcántara esteve envolvida em dois conflitos, nomeadamente, a Guerra das Laranjas (1801) e a Guerra da Independência (1811).

O clima de instabilidade e de crise em que a população vivia frequentemente levou-a a recorrer ao comércio ilícito para tentar suprimir a recorrente falta de alimentos que aí se verificava e com isso também angariar algum dinheiro. Assim, até à abertura das fronteiras, o contrabando foi motivo de contactos constantes com os portugueses, sendo muito frequentes as trocas ilícitas entre os habitantes dos dois países.

Segundo Francisco Galavís Bueno149, ainda que houvesse diversos confrontos entre os dois reinos, portugueses e espanhóis conviviam normalmente, acedendo no dia a dia aos dois lados da fronteira. Prova disso são os “Compromissos entre Marvao y Valencia" assinados no Convento de los Majarretes, no século XIV, e que, no seu entender, não são mais do que um reflexo escrito dos costumes e hábitos quotidianos que caracterizavam um viver há muito em comum.

A construção, no século XIX, da linha férrea que ligava Madrid a Lisboa representou um importante fator de desenvolvimento para esta localidade da raia.

147 Cf. GALAVÍS BUENO, 2010: 18. 148 Cf. GALAVÍS BUENO, 2010: 34. 149 Cf. GALAVÍS BUENO, 2010: 106.

Cessadas as lutas com Portugal e preparado o caminho para o desenvolvimento e a modernidade desta região, eis que a primeira metade do século XX foi ainda marcada pela Guerra Civil (1936-1939) e por um longo período de ditadura (1939 a 1976), que muito dificultaram a vida a todos os espanhóis.

Em 1936, depois de um fracassado golpe de Estado de um setor do exército contra o governo democrático legalmente estabelecido na Segunda República, teve início um longo período de guerra civil, do qual saíram vitoriosos os militares e se destacou o general Francisco Franco, que depois instaurou em Espanha um regime ditatorial de caráter fascista. Valencia de Alcántara, tal como toda a província a que pertence, esteve, desde o início, integrada na zona dominada pelas tropas nacionais que viriam depois a vencer o conflito. Assim, apesar de toda a instabilidade inerente a uma guerra civil, esta região não viveu a tragédia direta do conflito militar.

Quer durante a guerra civil, quer durante o período da ditadura franquista, as condições de vida eram muito más e só as relações de fronteira e o “útil” contrabando permitiram às populações ir vivendo um pouco melhor.

Com a queda da ditadura portuguesa, em 1974, e da ditadura espanhola, em 1976, bem como com a entrada de Portugal e Espanha para a Comunidade Económica Europeia, em 1986, teve início um processo de afastamento entre os dois povos que, até esse momento, só politicamente tinham divergências, pois a nível local e sob o ponto de vista das relações humanas, sempre se ajudaram e muito estreitamente conviviam.

A abertura das fronteiras teve em Valência o mesmo efeito que em Marvão, ou seja, representou o fim de toda uma estrutura socioeconómica que empregava muita gente e assim fixava população. Com a extinção dos diversos serviços inerentes à alfândega, também muitos valencianos tiveram de partir da sua terra natal em busca de melhores condições de vida, contribuindo para a desertificação do território, em especial da Campiña. A maioria das localidades de raia, onde o português (independentemente da fronteira política) é usado, apresenta uma população muito reduzida e algumas até estão completamente desabitadas, como sucede com Fuenteoscura, outrora importante polo de contrabando.

Se não for contrariada esta tendência e se os seus poucos habitantes não continuarem a transmitir aos descendentes os seus conhecimentos do português falado na raia, dentro de poucos anos, esta situação de bilinguismo não passará de uma lembrança.

Tratando-se de uma marca identitária desta região, há que contrariar essa tendência e contribuir para que o “raiano”150

não caia em esquecimento.

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