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Breve histórico da formação do Brasil Colonial

CAPÍTULO I AS ORIGENS HISTÓRICAS DOS NOVOS SUJEITOS

1.3. O Multiculturalismo e os Novos Sujeitos Coletivos Plurais

1.3.1. Breve histórico da formação do Brasil Colonial

É possível realizar uma análise dos 500 anos da história do Brasil, segundo a concepção de Leonardo Boff75, sob o enfoque de três concepções distintas: dos indígenas que receberam os europeus na praia, dos europeus que aportaram e conquistaram este território e que chegaram nas caravelas e do Brasil-nação, que se constituiu como fruto do encontro e da miscigenação de raças e culturas76.

Nesta primeira perspectiva, o autor se refere ao modo de olhar dos povos autóctones ou originários no tocante à chegada dos portugueses, os estranhos e os invasores. Os conquistadores, os portugueses, se tornaram os Senhores que promoveram a empresa de ocupação das novas terras e que adotaram uma política de domínio e exploração, para transplantar um entreposto comercial e criar uma colônia tendo em vista enriquecer a metrópole. Neste olhar em que figura o europeu dominante e que não se presta à tarefa de constituir uma nação soberana e autônoma no início da colonização, os verdadeiros proprietários das terras, os povos originários, refletiam um modo próprio de ser, examinar e agir, na realidade, com base nos valores de sua civilização. Neste primeiro momento, o que ocorre é o desencontro entre as culturas, a história da dominação de fora para dentro, do estranho sobre o nativo, enfim, a descrição de um impacto que se traduziu

75BOFF, Leonardo. Depois de 500 anos: que Brasil queremos?. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.127p. 76

na imagem de um cenário do drama histórico que escreveu o capítulo da dizimação da população indígena, levando todo um povo e uma cultura à destruição, praticamente total de suas riquezas e valores, assinalando o início de um processo histórico e social que culminou em desastres e conseqüências de uma amplitude jamais imaginável77.

Na passagem do V Centenário da Existência do Brasil, é elaborado o

Manifesto da Comissão Indígena 500 anos (1999), que traduz e representa 98 povos

originários, denunciando uma realidade crítica e caótica, registrando o fato de que o dia 22 de abril de 1500, deve ser gravado como o início da história de sofrimento e espoliação de um povo. Os conquistadores europeus no ultramar, os portugueses em especial, vieram para o Novo Mundo em busca do ouro. De fato, a fome de riquezas materiais e a sede de sangue, de poder, glória e domínio, era a mola propulsora das empresas e aventuras pelo mar adentro. O paradoxo e a contradição entre a ideologia dominante e a práxis social, facilmente é observada, quando os colonizadores, ao mesmo tempo em que ostentam a Cruz em uma de suas mãos, também exibem suas armas em outra mão. É o império da força e sua justificativa com base no fundamento espiritual e no poder da Igreja e da religião oficial dominante. Todas estas iniciativas e formas de expressão do poder e domínio da cultura, que se manifestam através de rituais que abençoam e recomendam as almas das gerações passadas, revelam a ambigüidade de uma realidade, na qual se encontra a origem da civilização, da instituição religiosa cristã e da exploração das riquezas abundantes na natureza, que no Novo Mundo é imensamente rica, exuberante e prodigiosa. Todos estes motivos e causas devem ser avaliados como fatores que foram responsáveis pela prática do extermínio em massa dos antepassados do povo brasileiro.

Esta manifestação aponta, criticamente, para uma realidade descrita pela dor e sofrimento, por atos desumanos e atentatórios a dignidade do ser brasileiro, que torna explícito o desrespeito pelo outro, pelos antepassados, que morreram na luta e defesa de seus familiares e de suas gerações futuras. Esta data é um marco que conduz à reflexão e à necessidade de celebrar as vitórias de milhões de vidas e do registro de uma condição humana precária, marcada pelo sofrimento e perda da dignidade e do valor da pessoa enquanto ser individual e coletivo. Há que se reconhecer independentemente da história

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oficial, esta outra faceta da evolução histórica, cultural, social e política do Brasil, rica e plena em exemplos de personagens ou heróis anônimos, que forjaram uma vida de conquistas no decorrer deste tempo de 500 anos, como autores e participantes da construção de uma sociedade que vive a esperança de um mundo caracterizado pela humanidade e pela prática da solidariedade.

O clamor popular evidencia uma sociedade contraditória, fundada sob uma realidade descrita pelas desigualdades e injustiças, mas que torna manifesta a existência de grupos e pessoas que prestam sua contribuição, em favor do processo de consolidação de uma prática libertadora que busca construir uma sociedade que reflita o pluralismo e permita uma humanidade livre e justa, constituída pelas diferentes culturas, onde os índios, negros e brancos possam, efetivamente, conviver com dignidade e respeito recíproco.

O questionamento é inevitável, quando os povos ibéricos de educação cristã por mais de quinze séculos, aportam na praia e entram de assalto em terras dos nativos, ao invés de tratá-los como irmãos e iguais, acolhendo-os de braços abertos. Pelo contrário, Colombo, já desde o início seqüestra um índio e o exibe nas cortes e salões de Portugal e Espanha. Os povos ibéricos ampliam suas conquistas e negam a humanidade das populações originárias, que viviam em um estado de absoluta inocência e bondade natural. Os missionários consideram os índios como almas necessitadas de salvação e sob a ideologia cristã, se prestam à missão de catequizar e evangelizar os selvagens, celebrando os batizados sob o império do medo e da subjugação. De fato, observa-se que este processo de domesticação dos indígenas não teve o êxito esperado, porque não possibilitou, verdadeiramente, o encontro entre as culturas diferentes e da humanidade das pessoas, ocasionando um confronto e uma negação entre as civilizações do novo e velho mundo78.

O Brasil que é visto na perspectiva ocidental das caravelas e do descobrimento, marca o início de sua existência com este fato histórico que assinala a ocupação feita pelos europeus. Os povos ibéricos celebram esta conquista e procuram reproduzir sua própria cultura nos trópicos aos moldes dos padrões civilizatórios pertencentes aos grandes centros metropolitanos. O descobrimento e a história da

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colonização como um todo, pode ser sintetizada como uma espécie de encobrimento do outro e do diferente, e como um ato de violência contra este ser nativo, caracterizando-se como uma espécie de instituição organizada e autoritária, que vitimou e impediu o desenvolvimento do outro e o respeito pelos valores e pelas culturas originárias. Esta história repleta de exploração, violência, ódio, ignorância, está estampada nos relatos antropológicos e sociológicos da realidade brasileira, demonstrando uma espécie de afronta aos direitos dos povos oprimidos e sofredores.

O terceiro olhar, em que o Brasil é visto como um resultado do processo de miscigenação de raças e culturas, mostra que nesta terra é criada uma nova e singular experiência, enquanto projeto civilizatório, que marca uma formação plural de tradições culturais e espirituais de inúmeras partes do mundo, que com o tempo se fundiram de forma espontânea e sem grandes preconceitos. O Brasil constitui, por assim dizer, uma sociedade que no plano cultural e étnico pode ser designada como mestiça e híbrida. O Brasil atual é uma espécie de síntese tupinizada de diversos povos africanos, orientais e ocidentais, decorrendo deste fato, a originalidade e singularidade do ser brasileiro, que não mais é puramente um povo europeu e latino-americano. Nasceu deste caldo civilizatório e cultural, uma nação inventada pelos próprios brasileiros, que apresentam suas características próprias, singulares e que poderão auxiliar no processo de configuração nos tempos contemporâneos79.

A história do Brasil é feita dentro de um processo caracterizado, principalmente, por uma herança cultural e política de exclusão, que estruturou de forma determinante as matrizes sociais formadas no decorrer do tempo e que passaram a ter uma existência própria. Nesta atmosfera social, cultural e política estabelecida foi gestado um novo sujeito histórico de poder, que sempre esteve vinculado e articulado aos centros dominantes em lugares de natureza transcontinental ou que ultrapassam as fronteiras nacionais. Este é mantido dentro do sistema sem qualquer processo de ruptura que mereça o reconhecimento desde os primórdios do Brasil nascente, impedindo e onerando a possibilidade de invenção de uma nação soberana80.

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Cf. BOFF, Leonardo. Op. cit., p. 18-19.

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Registram-se na história da formação do Brasil quatro invasões, a saber: a fundacional com o advento da colonização no século XVI; os imigrantes europeus do século XIX; a ditadura militar do século XX; a globalização econômica e o neoliberalismo. Portanto, existe uma histórica construída e que submeteu o ser brasileiro ao papel de vítima das invasões que impediram e impossibilitaram o desenvolvimento de um projeto nacional, efetivamente, autônomo e aberto às novas dimensões do mundo em contínuo processo de mudança e desenvolvimento. A primeira invasão, de natureza fundacional e inscrita com o advento do processo de colonização, é descrita por uma história de dominação, destruição e subjugação dos escravos que foram capturados e trazidos da África por um ato de força e segundo os interesses do capital. Este acontecimento implicou no impedimento e imobilização de um autêntico e verdadeiro processo civilizatório autônomo, pois se baseou numa imposição da cultura dos europeus que invadiram este Novo Mundo e procuraram beneficiar-se do trabalho e das riquezas existentes. De fato, a mentalidade predominante entre os governantes, patrícios e no âmbito das instituições oficiais, foi sempre de acordo com a ideologia de manutenção e uso do poder, como uma forma de violência sem limites sobre os insubordinados. Assim, foi construída uma história de autoritarismo, onde proliferam as práticas de violência nas suas formas mais sutis, como o assistencialismo e o paternalismo em relação aos subordinados, como as mais duras, gerando e promovendo sempre a dependência e impedindo qualquer iniciativa de cunho popular e auto- sustentada81.

A segunda invasão é realizada pelos imigrantes, segundo a ótica dos índios, negros e pobres, que os consideravam como estranhos e invasores. Não passam de um verdadeiro exército de reserva ou de trabalhadores descartados pelo processo de industrialização em seus países de origem, como a Itália, a Alemanha, a Espanha, a Suíça e outros Estados. Com tal medida, reduzia-se a pressão revolucionária que atingia as classes econômicas e detentoras do capital industrial, extrojetando todos estes desafortunados para uma nova pátria. Os filhos e todos os descentes desses povos invasores são assimilados pela empresa econômica agrário-mercantil das classes senhoriais, produzindo com prosperidade em muitas áreas de terras, principalmente no sul do Brasil. No contexto sócio-econômico e

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cultural do Brasil, criou-se um sistema de exploração da força do trabalho dos negros e mestiços e de espoliação das terras indígenas82.

Na terceira invasão nas décadas entre 1930-1960, é o tempo da ditadura militar, instaurando e criando as condições de um processo de industrialização moderna de substituição, vinculado ao capital transnacional e com fundamento nas tecnologias importadas. Neste desenvolvimento econômico e industrial, lançaram-se as bases de um sistema segundo a lógica de um desenvolvimento dependente, direcionado para o mercado externo e de acordo com os interesses dos outros e deixando de produzir, realmente, aquilo que o povo precisava83.

Embora a contradição seja visível, esta fase foi decisiva no processo de desenvolvimento sustentado do Estado brasileiro, que num primeiro momento implicou a criação de um sistema de ordem econômica e nacional, e num segundo momento, a instalação de um mercado interno. Assim, passou-se gradualmente de um Estado nacional forte de característica empreendedora para um regime político e econômico estável e dinâmico, com base sólida, hegemônico, após cinqüenta anos, a partir de 1930 até 1980. Também, numa relação dialética conflitual e tensa, paralela, é desenvolvido um projeto que representava os anseios das massas emergentes com o objetivo de instaurar um processo de democracia social, que procurasse eliminar a herança de exclusão social e promover uma sociedade e um Estado com mais justiça social.

A quarta invasão é realizada através do processo de globalização econômica e da implantação do neoliberalismo político, com o advento da revolução tecnológica nos campos da comunicação e informatização. Também, merece destaque neste período em meados dos anos 80, a queda do socialismo, abrindo, definitivamente, o espaço de predomínio político e econômico do sistema capitalista. Dentro de um contexto integrado do capitalismo, o Brasil torna-se receptor das empresas multinacionais, ao ponto de que em pouco tempo, cerca de trinta e cinco por cento da indústria brasileira figura como uma filial da totalidade das empresas estrangeiras. Assim, é possível afirmar que a racionalidade do processo de globalização econômica e a política do neoliberalismo

82

Cf. BOFF, Leonardo. Op. cit., p.32.

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aparecem sob a imagem e de acordo com a justificativa ideológica, como forma de modernização da economia, elaborada e aplicada em função dos interesses do capital em escala planetária, cuja política está sendo gerenciada pelo FMI e pelo grupo dos 7 países que são considerados os mais ricos na atualidade.

É oportuno frisar que nos tempos da modernidade tardia, a sociedade brasileira abre-se para novas possibilidades, especialmente, no sentido de ampliar o espaço de contestação e de reivindicação dos Novos Sujeitos Coletivos. Neste sentido, observa-se determinadas condições e circunstâncias objetivas através das quais os novos atores podem- escrever dialeticamente a sua própria história, cultural e social, questionando as estruturas estabelecidas e apresentando outras formas de vida e de diferença com suas implicações práticas, particularmente, no plano da política e da cidadania. Essas novas categorias sociais buscam, por via de conseqüência, exercitar suas capacidades e o potencial necessários à formação de suas identidades e dos respectivos modos de ser, enquanto sujeitos ativos neste processo de modernidade tardia e, sobretudo, neste tempo pós-colonial.

O pós-colonial, também, é alvo de crítica justamente por suas ambigüidades no campo prático e teórico e por afirmar uma multiplicidade de posições e infinitos deslocamentos de viés universalista e por manifestar tendências de natureza despolitizante. Neste modo de ver, com o pós-colonial desenvolve-se o que se pode compreender como sendo politicamente contraditório e algo ambíguo, uma vez que é obscurecida esta distinção básica entre o colonialismo e o neocolonialismo e o terceiro mundismo na obra de superação do sistema dominante, considerado como um passado. Também, a crítica se fundamenta quando enfrenta esta perspectiva de dissolução da política e luta de resistência, porque o pós-colonialismo não apresenta uma proposta de dominação ou reflete uma forma determinada de oposição. Os autores compartilham esta visão questionadora de uma realidade nova, múltipla e complexa que linearmente se encarrega de promover a fusão das histórias, da temporalidade e das formações raciais em uma única categoria universalizante: o pós-colonial. Este conceito cristalizado e universalizante se destina à tarefa de marcar o fim de um período histórico: o colonial. No entanto, não há como pensar o colonialismo como se fosse um processo esgotado no tempo. O discurso do "pós-colonial" é fechado e assume o significado de algo passado, concluído. Salienta-se, também, que este conceito não é visto de forma clara como marcando uma periodização

cronológica ou epistemológica. O "pós-colonial", nesta maneira de conceber, estaria marcando o ponto de ruptura entre duas epistemes da história intelectual e cultural. Na verdade, o colonialismo fundou suas raízes que refletem, hoje, mais do que nunca na formação histórica e cultural do Brasil atual.

1.3.2. O Pós-colonialismo e o reconhecimento da diversidade

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