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1.2 O direito humano de acesso à justiça

1.2.1 Breve histórico do direito de acesso à justiça

O direito de acesso à justiça vem sendo expresso em documentos políticos e jurídicos pelo menos desde o século XIII, quando o então rei da Inglaterra, João, proclamou sua Magna Carta, onde consignou no artigo 29 a seguinte afirmação: "A ninguém será vendido, a ninguém será negado ou retardado direito ou justiça"54.

Verifica-se que o conceito implícito nessa afirmação é bem mais amplo e abrangente, significando dizer que o acesso à justiça deverá ser garantido a todos, independente de qualquer pagamento, o que implica garanti-lo inclusive às pessoas mais carentes financeiramente. Ademais, a ninguém poderá ser negado o acesso à justiça, sob qualquer pretexto. E finalmente, ao afirmar que não será retardado o acesso à justiça, se está garantindo, sob um aspecto, a efetividade da justiça, através de um prazo razoável.

Por tais motivos, a Magna Carta do Rei João da Inglaterra pode ser considerada importante marco histórico no reconhecimento e positivação do direito humano de acesso à justiça, já no século XIII.

Merece destaque também a Lei de Habeas Corpus da Inglaterra, de 1679, cuja importância histórica, para Fábio Konder Comparato, "consistiu no fato de que essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou-se a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente, para a proteção de outras liberdades fundamentais55.

Em 1689, também na Inglaterra, foi promulgado o Bill of Rights, que veio a reafirmar alguns direitos fundamentais, dentre os quais o direito de petição56: "Que

54

Tradução nossa, da versão em inglês da Magna Carta, disponível em <http://www.nationalarchives.gov.uk/pathways/citizenship/citizen_subject/transcripts/magna_carta. htm>. Acesso em 26 abr. 2011. No original " To no one will we sell, to no one deny or delay right or

justice". 55

COMPARATO, op. cit., p. 89. 56

  35

os súditos têm direito de petição ao rei, sendo ilegais todas as prisões e perseguições contra o exercício desse direito"57.

O acesso à justiça, mais modernamente, foi expressamente protegido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento da Organização das Nações Unidas, assinado em 1948, sendo importante destacar o texto de seu artigo VIII: "Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei"58.

Note-se que o acesso à justiça nem sempre foi compreendido nos termos atuais. Assim como os demais direitos fundamentais, passou por diferentes interpretações ao longo do tempo59.

Durante o Estado Liberal, era considerado como direito formal de acesso, ou seja, apenas acesso aos tribunais, à propositura de uma ação, sem contudo levar em conta as diferenças entre as partes, a questão da assistência jurídica, dos custos do processo ou de uma decisão justa. Não era, pois, acesso à justiça propriamente dita, mas acesso às cortes de justiça.

Predominava, portanto, uma visão individualista do direito de acesso, entendido como uma garantia de "provocar a jurisdição", sem qualquer preocupação com relação aos fatores cultural e de capacidade das partes60.

Com o advento dos Estados Sociais, iniciou-se uma demanda no sentido de que o Estado atuasse positivamente para a garantia dos direitos fundamentais. Isso foi o que aconteceu com a evolução da chamada primeira geração de direitos para a segunda geração, como anteriormente explicitado. Segundo Paulo Bonavides:

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita salário,

57

BILL OF RIGHTS. Inglaterra, 1689. In: COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 97. 58

DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Disponível em <http://www.onu- brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em 26 abr. 2011.

59

CAPPELLETTI; GARTH. op. cit., p. 9. 60

manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social.61

Com efeito, com a evolução para os Estados Sociais o acesso à justiça começou a ser visto de forma mais abrangente, havendo, nesse ponto, a preocupação com a questão da assistência judiciária para as pessoas com escassos recursos financeiros, uma maior atenção à diferença de condições entre as partes bem como ao problema das custas processuais, numa tentativa de promover um acesso mais real à justiça62.

Contudo, é com o último avanço do conceito de acesso à justiça, já no âmbito do Estado Democrático de Direito, que este é alçado ao patamar de direito humano ou, para melhor expressão, é reconhecido como um direito humano, com todas as suas características. O direito de acesso é interpretado como efetivo acesso à justiça, não no sentido de corte ou tribunal, mas a justiça propriamente dita, ou seja, a uma prestação efetiva da tutela judicial, com qualidade, com celeridade, e com justiça (mais uma vez, no mais puro sentido da palavra), através de uma decisão justa e eficaz63.

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