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2. TERCEIRIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE

3.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE

3.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A história dos direitos trabalhistas é cíclica, observadas as mudanças das leis conforme a ideologia dos partidos políticos representados pelos agentes do Executivo, Judiciário e especialmente do Legislativo. O Brasil passou por algumas reformas desde o início do século XX e, significantemente, a última sob a aprovação da Lei 13.467/2017 que despontou profundas mudanças nas regulamentações do trabalho.

Comumente, a palavra reforma é apresentada como uma solução para problemas existentes e pré-existentes. No campo trabalhista, o saldo que se pode tirar disso relaciona-se aos ajustes econômicos ou frequentes controles para dominar processos revolucionários na luta de classes e consequentemente acabaram por introduzir direitos sociais.

Os direitos sociais são aqueles que corroboram para atitudes contundentes e positivas do Estado. Ele deve promover a igualdade entre os indivíduos e as diversas classes sociais, não se atendo ao sentido restrito da lei à congruência material, a realidade concreta de oportunidades, com proteções jurídicas nas relações sociais de trabalho, mantendo as características padrão de uma sociedade baseada na igualdade.75

Diante disso, além da luta pelo trabalho e pelos direitos trabalhistas, pode-se apresentar uma dicotomia nessa analogia: lutas históricas por melhorias nas condições trabalhistas e a manutenção das relações de exploração mediada pelo capital x trabalho. Nas décadas de 50, 60 e 70 o Direito do Trabalho alcançou um ápice com mudanças aliadas ao social, as mulheres puderam participar mais ativamente do mercado de trabalho e o trabalho passou a ser exclusivo ou parcial em relação ao tempo. Permitiu-se uma menor sindicalização dos trabalhadores e o aparecimento de empregados mais especializados, tendo a sociedade consequências dessas transformações.

75 ALVARENGA, Zanotelli de. Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo: LTr, 2018, p.

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De acordo com Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante:

A diminuição das indenizações por dispensa e a previsão, em normas coletivas, de regras menos favoráveis do que aquelas previstas em lei. ‘Os arautos da desgraça apregoaram o fim do Direito do Trabalho. Propôs então a reformulação e a reconstrução do princípio da proteção, chamando a atenção para dois outros princípios: o do coletivo, com ênfase para as negociações coletivas, o que, segundo a jurista, é uma diretriz na União Europeia; depois, o princípio da autotutela, onde ao empregador é dado implementar as condições de trabalho e aos empregados a realização da greve como forma de manifestar a sua discordância.76

Na essência do Estado Democrático de Direito, considerando o desenvolvimento político que assegure uma vida social e democrática, é inegável a valorização do trabalhador. Nesse sentido, a dignidade e a valorização do trabalhador dependerão, em grande parte, da política econômica adotada não podendo esquecer-se dos princípios básicos da dignidade humana descrita em Tratados Internacionais e nas Constituições dos países democráticos.

Encontra-se no preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988, a máxima da vida humana em sociedade, “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.77

Assim, vários cenários foram sendo traçados nos governos seguintes à Constituição Federal de 1988. Foram governos democráticos de princípios políticos econômicos (José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco), neoliberais (Fernando Henrique Cardoso), trabalhistas (Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff), e atualmente, liberal social cristão (Jair Messias Bolsonaro).

Acerca disso, destaca Bruna Stephanie Miranda dos Santos:

O cenário político enfraquecido após Impeachment fora ambiente propício para que os interesses previstos em agendas empresariais com enfoque neoliberal fossem aprovados mediante pressão destes setores junto ao

76 NETO, Francisco Ferreira Jorge; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 109.

77 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Preambulo.

Congresso Nacional, garantido por meio de amplas doações aos partidos e aos atores diretamente envolvidos na concepção e aprovação da reforma.78

As mudanças seguem no Brasil pós-redemocratização, e conforme descreve Bruna Stephanie Miranda dos Santos:

Um histórico de alterações e de propostas não implementadas para modificação da regulação do trabalho, muitas propostas partindo de setores empresariais que veem a regulação do trabalho nos moldes da CLT como um empecilho ao desenvolvimento. É durante os anos 90 que reformas com intuito de flexibilizar as regulações do trabalho são aprovadas, destaca-se a flexibilização da contratação, das jornadas e dos salários pagos aos trabalhadores, como a adoção de banco de horas. A partir de levantamento bibliográfico, a seção dois desta pesquisa buscará evidenciar que, com o aprofundamento na adoção de políticas neoliberais na década de 90, as reformas flexibilizadoras de direitos relacionadas ao trabalho foram sendo gestadas e colocadas em prática, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.79

De acordo com Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, a política internacional, especialmente a dos Estados Unidos da América (EUA), adeptos da Escola de Chicago, o pós-redemocratização também é marcado por um processo de recessão econômica e intensidade da globalização. O governo promove transformações neoliberais nas relações de trabalho alegando o processo global da competitividade empresarial, produção no mercado exterior, avanço da tecnologia, máquinas substituindo a mão-de-obra e uma grande margem de privatização de setores estatais com quebra de barreiras alfandegárias, uma grande circulação de bens e serviços e trabalhadores. A política adotada terminou por desregulamentar os direitos sociais e trabalhistas com a flexibilização dos estatutos dos trabalhadores, dos sindicatos em detrimento dos interesses das elites empresariais, onerando o valor do trabalho e reduzindo a geração de empregos80.

Conforme estatuem Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante:

O neoliberalismo se apresenta como a ideologia necessária para preencher as lacunas deixadas pelo Estado. Instala-se, aqui, a Era das políticas públicas e direitos ineficientes. O paternalismo estatal abre espaço para a ousadia do mercado devido às insuficiências de sustento. Logo, segundo a ideologia neoliberal instaurada, com a eficiência e economicidade das

78 SANTOS, Bruna Stephanie Miranda dos. Atores Políticos e Direitos Sociais: as relações sob a ótica da reforma trabalhista no poder. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2020, p.12.

79 SANTOS, Bruna Stephanie Miranda dos. Atores Políticos e Direitos Sociais: as relações sob a ótica da reforma trabalhista no poder. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2020, p. 13.

80 NETO, Francisco Ferreira Jorge; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 115.

empresas privadas, proletariados passam a ter capacidade de garantir o mínimo existencial. Ou ao menos era para ser. Desta vista, o neoliberalismo se expande e se manifesta em sentido contrário ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois, após mudar o paradigma da concepção estatal, dá início ao processo que relativiza e/ou menospreza direitos sociais. Por este motivo, fala-se em terceirização, visto que, para muitos pensadores este fenômeno é oriundo das influências neoliberais, que atingem desde o mais rico ao mais pobre. Tal conjunto de ideias expõe a expansão de uma globalização neoliberal que, atualmente, entra em atrito com os direitos sociais oriundos da essência apresentada pela Constituição Federal de 1988, de modo a impulsionar a dilatação da desigualdade no país e deteriorar os direitos primordiais e individuais.81

Na década de 1990, algumas previsões protetivas que hoje estão em vigor também foram implementadas relacionadas à previdência social, exceto para servidores públicos, assistência, saúde, entre outras. A flexibilização das regras trabalhistas afetou de forma bem negativa os contratos individuais dos trabalhadores após esse período.

Segundo André Gambier Campos:

Das reformas aprovadas nos governos Collor e Cardoso, as que tiveram maior impacto são as que flexibilizaram as formas de contratação e as jornadas de trabalho, pois afetaram diretamente a remuneração percebida pelo trabalhador. Entre as reformas promovidas merecem destaque: a permissão para contratação de trabalho terceirizado, a ampliação dos contratos temporários, contratos com prazo determinado e contratos de trabalho com tempo parcial (25 horas por semana), a permissão de contratação de trabalhadores por meio de cooperativas profissionais sem a configuração de vínculo de trabalho, a implementação de banco de horas, efetuando a compensação das horas trabalhadas em jornada extraordinária sem o pagamento destas em pecúnia, e ainda a autorização para trabalho aos domingos, até então destinado ao repouso remunerado do trabalhador.82

Basicamente, a política liberal imperou nos anos 1990 a 2002 no que diz respeito à regulação do trabalho, muita coisa foi alterada ajudada em termos concretos pelos pilares da liberalização, desregulamentação, globalização e financeirização. A partir dos anos 2003, o Estado brasileiro assumiu um protagonismo direcionado nas distribuições de renda por meio de políticas laborais e sociais, a pirâmide social sofreu modificações significativas até o ano de 2008.

Como observa André Gambier Campos:

O que foi aprovado, nesse período, foi uma reforma da Justiça do Trabalho.

Instituição importante para a regulação (ao lado da inspeção), essa justiça

81 COSTA, Ana Paula Silva da; LEMOS, Gustavo da Silva. A Influência Neoliberal no Brasil e os Reflexos no Fenômeno da Terceirização: a elite se impõe sobre a ralé? Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 6(2020), nº1. Lisboa, 2020, p. 624.

82 CAMPOS, André Gambier. Breve Histórico das Mudanças na Regulação do Trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 18.

já havia passado por uma reforma parcial nos anos 1990 (EC no 24/1999).

Naquele momento, ela estava sob forte pressão dos Poderes Legislativo e Executivo – que, no contexto mais amplo de flexibilização de direitos, pretendiam até mesmo extingui-la. Surpreendentemente, nos anos 2000, a reforma integral, aprovada com a EC no 45/2004 (descrita no quadro 3), não foi no sentido de extinguir essa justiça, mas sim de ampliá-la. Aos seus papéis históricos na resolução de conflitos laborais, foram acrescidos outros. Isso só foi possível mediante a mobilização de atores coletivos, especialmente os representantes dos trabalhadores, que chegaram a um consenso sobre a relevância de se manter e ampliar a justiça laboral.83

A ampliação da Justiça do Trabalho foi significante e contribuiu para a regulamentação de uma série de medidas que beneficiassem o trabalhador até a última reforma trabalhista. Ademais, a partir do governo Michel Temer (2016) a retirada de direitos sociais fora expressivo e figura a Lei nº 13.467/2017. Ressalta-se a organização dos sindicatos sob a ótica de uma nova realidade, onde o imposto sindical não é mais obrigatório e a aplicação de novas regras vigentes aos contratos de trabalho. As pautas foram contempladas nos grandes eixos da reforma, a flexibilização dos contratos com a mitigação da legislação que valida e se faz favorável da negociação entre as partes, atenuando, e porque não, excluindo a Justiça do Trabalho, além da atuação sindical.84

Nessa linha, a atual política de globalização neoliberal, comandada pelo capital financeiro apregoa a destruição do estado providência e a redução do Estado ao “Estado Mínimo”, acentuando além do estímulo à terceirização do trabalho, medidas como a privatização de todos os serviços públicos, a desregulamentação das relações laborais e o enfraquecimento do poder dos sindicatos.

O neoliberalismo, assim, tornou-se, segundo Adriano Sella:

a ditadura do capital, criando um mercado livre globalizado e tratando a sociedade civil como se fosse um Estado a serviço do mercado. Trata-se do império do mercado livre, que gera as leis e as regras e que faz uso da propriedade privada para se defender dos ataques ameaçadores.85

O paradigma que regulamenta as relações é o lucro, ou seja, tirar vantagem, reduzindo e destruindo a pessoa como indivíduo e como comunidade, absolutizando o mercado livre como fim de tudo, pois maximiza o lucro e acumula capital. A

83 CAMPOS, André Gambier. Breve Histórico das Mudanças na Regulação do Trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 22.

84 SANTOS, Bruna Stephanie Miranda dos. Atores Políticos e Direitos Sociais: as relações sob a ótica da reforma trabalhista no poder. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2020, p. 57.

85 SELLA, Adriano. Globalização neoliberal e exclusão social. São Paulo: Paulus, 2002, p.

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pessoa, tanto como indivíduo quanto como comunidade, é somente um meio. O lucro se identifica sempre mais com o mercado.86

3.2 A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DIGNO OU DECENTE FRENTE A

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