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BREVE HISTÓRICO SOBRE O SURGIMENTO DA INFÂNCIA

Dados mais aprofundados sobre a infância datam dos estudos iconográficos de Ariès (1981). Para o autor, antes do século XIII não há registro do sentimento de infância, e é nesse período que parece começar um pathos pela criança. É fato, porém, que o apogeu dessa descoberta se deu entre os séculos XVI e XVII.

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia do século XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se

particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII. (ARIÉS, 1981, p. 65).

Segundo o autor, a criança começa a ser representada nas pinturas um pouco mais próximo da atualidade, a partir de três modelos, como observado no Miracle de Notre-Dame (1885), em que um anjo e a sua face são de um jovem adolescente, estando paramentado para ajudar na missa. O segundo tipo a ser representado é o menino Jesus, ou Nossa Senhora menina, “[...] a infância aqui se ligava ao mistério da maternidade da Virgem e ao culto de Maria” (p. 53). E por último, um terceiro tipo de criança aparece na fase gótica, caracterizada pela criança nua.

Um fato curioso que ocorre em períodos anteriores ao século XVI é não se ter para com a infância um olhar distinto e, portanto, não fazia sentido se fixar na lembrança, criar um laço. Como também era fato sem maior relevância a morte prematura das crianças. “O sentimento de que se faziam várias crianças para conservar apenas algumas era e durante muito tempo permaneceu muito forte” (ibid, p.56).

Segundo Postman (1999), corroborando Ariés (1981), na Idade Média o fim da infância se dava, assim o compreendiam, aos sete anos, por ser nesta idade que as crianças dominam a palavra. O que demonstra que nesse período não havia concepção de desenvolvimento infantil, concepção de pré-requisitos de aprendizagem sequencial e de escolarização, como preparação para o mundo adulto.

Nessa época, segundo relata o autor, as relações estabelecidas entre as pessoas eram bem diferentes das atuais. Não existia conceito de espaço privativo, as pessoas não tinham vergonha de fazer as necessidades biológicas sob os olhares de outros; não tinham repulsa por certos odores; os assuntos sexuais eram discutidos na frente das crianças e existia, inclusive, por parte dos adultos, uma liberdade com os órgãos sexuais das crianças, sendo essas práticas permitidas e reconhecidas como brincadeiras maliciosas. Há notícias das brincadeiras se darem em ambientes coletivos, sem que houvesse distinção entre adulto e criança.

Postman (1999) aponta que os motivos pelos quais o conceito de infância não ter existido na idade média seriam: a falta de alfabetização, a falta do conceito de educação, a falta do conceito de vergonha.

O fato das crianças resistirem pouco à falta de higiene e de saneamento, além do pouco conhecimento que se tinha sobre as doenças, fazia com que elas morressem e apenas poucas sobrevivessem. Corroborando com Ariès,Postman sustenta: “O ponto de vista predominante era o de ter muitos filhos na esperança de que dois ou três sobrevivessem” (1999, p. 31).

Comumente as pessoas não se permitiam ficar muito ligadas à prole. Ariès (1981) cita um documento que registra observação feita pelo vizinho de uma desolada mãe de cinco filhos. O vizinho diz, para confortar a mãe: “Antes que cresçam o suficiente para aborrecê-la, você terá perdido metade deles ou talvez todos” (p. 57).

Assim, os adultos não tinham e não podiam ter, para com as crianças, o envolvimento emocional que consideramos hoje como necessário para o pleno desenvolvimento das aprendizagens cognitiva, afetivas e motoras dos infantes.

No séc. XVI, reconhecido como o do início da infância e tendo como marco o advento da imprensa, passaram a existir duas fases ou ciclos: a idade adulta, que passou a ser entendida a partirda competência de leitura; e a da infância, que passou a existir e a ser compreendida tendo por base a incompetência da leitura. Anteriormente a essa nova etapa, como aponta Ariès (op. cit.), a infância terminava por volta dos sete anos de idade e a idade adulta começava imediatamente com a jovem criança aprendendo os ofícios da vida amadurecida. As meninas aprendiam a cozinhar e a costurar, enquanto os meninos iam para as batalhas e aprendiam a usar instrumentos de luta.

Assim, o aparecimento desse novo ambiente comunicacional marca a diferença e o início da compreensão do que seria, para eles, a vida adulta distinta da vida de uma criança.

Para Tuchman (apud POSTMAN, 1999, p.33), “De todas as características que diferenciam a Idade Média da Moderna, nenhuma é tão contundente quanto a falta de interesse pelas crianças”. Para o autor, surgiu uma nova compreensão do que era a vida adulta a partir da invenção da impressão com caracteres móveis, a

tipografia, fazendo com que esse novo mundo simbólico proporcionasse, ainda dentro da historiografia infantil, a exclusão da criança, pois a mesma não tinha capacidade de ler.

Acredita-se que, dessa forma, como apontado por Innis (apud POSTMAN, 1999), a invenção e o desenvolvimento da ideia de infância tenham surgido a partir das mudanças na tecnologia da comunicação. De fato, estas promoveram alterações nas estruturas do pensamento, na maneira com que eram pensadas as coisas e nas áreas em que o pensamento se desenvolve. Todavia, a infância não surgiu da noite para o dia, antes necessitou de um longo processo para se tornar expansivo, e cujo resultado é o mundo ocidental da contemporaneidade.

Na atualidade, o constructo teórico de Postman (op. cit.) refere-se às evidências para o desaparecimento da infância a partir de várias maneiras e de diversas fontes. Porém, o autor elenca três evidências que para ele são difíceis de serem provadas, embora notórias: primeiro são os meios de comunicação, através das propagandas, dos filmes e dos programas de televisão, que desmontam a infância utilizando personagens infantis como pseudoadultos ou na “adultificação” das crianças. Ele exemplifica referindo o uso de meninas de 11-12 anos como modelo.

A segunda evidência é na fusão do gosto e estilo de crianças e adultos. O autor exemplifica com a perda dos jogos infantis, que estão desaparecendo, e com a aprendizagem deles, havendo atualmente muitas escolinhas voltadas ao ensino do beisebol e do futebol, perdendo-se então o caráter espontâneo do brincar e jogando como adulto. E por fim, com a evidência “pesada”, na perspectiva do autor, do aumento do alcoolismo, do uso de drogas, da atividade sexual, da criminalidade etc., por crianças, demonstrando uma declinante distinção entre infância e idade adulta. Postman descreve sobre vários assaltos, crimes e estupros cometidos por crianças; e em muitas das infrações, refere ele, a depender do estado americano em que são cometidas, as crianças são julgadas por leis iguais às dos adultos. O autor afirma:

[...] o nosso conceito de infância (pode) estar rapidamente escapando ao nosso controle. Nossas crianças vivem numa sociedade cujos contextos psicológico e social não enfatizam as diferenças entre adultos e crianças. Como o mundo adulto se abre de todas as maneiras possíveis para as crianças, elas inevitavelmente imitam a atividade criminal adulta. (Op. cit., p. 150).