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Breve hist´ orico dos m´ etodos ab initio

cess´ario uma abordagem que leve em conta os efeitos quˆanticos relevantes na escala na- nom´etrica. ´E neste ponto que entra com for¸ca a f´ısica com suas ferramentas te´oricas e experimentais. Partir dos princ´ıpios fundamentais que governam o comportamento da mat´eria para estudar sistemas com muitos el´etrons (como os amino´acidos, que s˜ao um dos blocos fundamentais da vida), ´e a essˆencia dos m´etodos de primeiros princ´ıpios, ou m´etodos ab initio, que s˜ao a principal ferramenta do presente trabalho.

1.4

Breve hist´orico dos m´etodos ab initio

Apesar de os fenˆomenos el´etricos serem conhecidos deste a antiguidade, apenas com a descoberta do el´etron, em 1897, por Joseph John Thomson [69, 70], come¸camos a ter uma compreens˜ao mais profunda de sua importˆancia na descri¸c˜ao da estrutura da mat´eria. Um pouco antes, Hendrik Anton Lorentz havia modificado a teoria de Maxwell do eletromag- netismo para interpretar as propriedades el´etricas e magn´eticas das diferentes substˆancias em termos do movimento de part´ıculas eletricamente carregadas (o el´etron possui carga negativa). Com a descoberta do n´ucleo de carga positiva por Ernst Rutherford, em 1911 [71], a f´ısica cl´assica deparou-se com o problema da estabilidade do ´atomo. o qual foi resolvido quando Niels B¨ohr [72] propˆos a quantiza¸c˜ao do momento angular orbital dos el´etrons no hidrogˆenio (era o ano de 1913). Pela hip´otese de B¨ohr, os el´etrons movem-se em torno do n´ucleo em um conjunto discreto de ´orbitas circulares com energias bem definidas (quantiza¸c˜ao da energia). Quando um el´etron muda de ´orbita, ´e emitido ou absorvido um quantum de radia¸c˜ao eletromagn´etica, originando um espectro de raias confirmado pelo experimento. A teoria quˆantica de B¨ohr, embora errˆonea sob muitos aspectos, lan¸cou as bases para a descoberta das leis da mecˆanica quˆantica, na primeira metade da d´ecada de 20, mormente atrav´es das not´aveis contribui¸c˜oes de Louis de Broglie, Erwin Schr¨odinger e Werner Heisenberg.

Os el´etrons foram cruciais como campo de teste da mecˆanica quˆantica. Os experi- mentos de Otto Stern e Walther Gerlach, realizados em 1921 [73, 74], nos quais ´atomos eram defletidos por campos magn´eticos, foram formulados como testes da aplicabilidade da nova teoria quˆantica a part´ıculas em campos magn´eticos. Pouco depois, Arthur Holly Compton [75] propˆos a id´eia de que o el´etron possui um momento magn´etico intr´ınseco com base em observa¸c˜oes da convergˆencia de feixes de raios. O acoplamento do momento angular orbital com o spin do el´etron foi formulado por Samuel Goudschmidt e George

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Um dos grandes triunfos da nova teoria quˆantica foi a explica¸c˜ao da tabela peri´odica de elementos qu´ımicos em termos da ocupa¸c˜ao de estados atˆomicos por el´etrons obedecendo ao princ´ıpio de exclus˜ao enunciado por Wolfgang Pauli, em 1925 [77]. No in´ıcio de 1926, Enrico Fermi levou adiante as conseq¨uˆencias do princ´ıpio da exclus˜ao, estabelecendo uma f´ormula geral para a estat´ıstica de part´ıculas n˜ao interagentes, obtendo uma f´ormula parecida com a obtida para a estat´ıstica de Bose-Einstein [78, 79, 80]. Werner Heisenberg e Paul Dirac, separadamente, discutiram a quest˜ao da simetria de troca da fun¸c˜ao de onda de sistemas formados por v´arias part´ıculas em 1926 [81, 82]. Juntando a equa¸c˜ao de onda relativ´ıstica de Dirac e as leis da mecˆanica estat´ıstica quˆantica, os grandes avan¸cos feitos nos anos 20 constituem a base de todas as teorias modernas sobre a estrutura eletrˆonica da mat´eria, dos ´atomos e mol´eculas isolados at´e a mat´eria condensada.

Rapidamente os progressos da teoria levaram a uma melhor compreens˜ao do com- portamento dos el´etrons em mol´eculas e s´olidos. Usando novas ferramentas, as no¸c˜oes mais fundamentais sobre as liga¸c˜oes qu´ımicas em mol´eculas (como as desenvolvidas por Gilbert Newton Lewis [83] e outros antes de 1920) foram explicadas em termos do com- portamento das fun¸c˜oes de onda eletrˆonicas quando os ´atomos se aproximam. As regras para o n´umero de liga¸c˜oes qu´ımicas foram determinadas a partir do fenˆomeno quˆantico da deslocaliza¸c˜ao, o qual permite o compartilhamento de el´etrons entre dois ou mais ´atomos, reduzindo sua energia cin´etica e tirando vantagem da atra¸c˜ao el´etron-n´ucleo.

Para estudar o comportamento dos el´etrons na mat´eria condensada, ´e necess´ario re- solver um problema de muitos corpos, o qual exige conceitos estat´ısticos para determinar as propriedades intr´ınsecas dos materiais no limite termodinˆamico. Com o fito de obter resultados quantitativos ´e necess´ario fazer v´arias simplifica¸c˜oes e aproxima¸c˜oes, sendo a primeira e mais simples a aproxima¸c˜ao na qual os el´etrons n˜ao interagem entre si. Nesta aproxima¸c˜ao, n˜ao se correlacionam diretamente os movimentos eletrˆonicos, mas se imp˜oe o princ´ıpio da exclus˜ao de Fermi e cada el´etron se move em algum tipo de potencial efetivo m´edio produzido pelos seus companheiros. O estado do sistema ´e especificado por auto- estados independentes de uma ´unica part´ıcula e por n´umeros de ocupa¸c˜ao, estes ´ultimos determinados no equil´ıbrio t´ermico atrav´es da estat´ıstica de Fermi-Dirac.

Um dos primeiros feitos da nova teoria quˆantica foi a solu¸c˜ao da maior parte dos problemas da teoria cl´assica de Drude-Lorentz por Wolfgang Pauli e Arnold Sommerfeld [84, 85]. Num primeiro momento, Pauli, em paper submetido no final de 1926 [84], explicou o paramagnetismo atrav´es de um modelo de polariza¸c˜ao do spin de el´etrons obedecendo `a estat´ıstica de Fermi-Dirac. Na ausˆencia de campos magn´eticos e para T = 0K, os

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el´etrons apresentam spins emparelhados e preenchem os estados de mais baixa energia at´e o n´ıvel de Fermi, deixando estados vazios acima deste n´ıvel. Aumentando um pouco a temperatura ou o campo magn´etico (ou seja, produzindo excita¸c˜oes energ´eticas bem menores que as energias eletrˆonicas caracter´ısticas), somente estados eletrˆonicos pr´oximos do n´ıvel de Fermi podem contribuir para a defini¸c˜ao de propriedades como condutividade el´etrica, capacidade t´ermica e paramagnetismo. Pauli e Sommerfeld basearam sua teoria dos metais num modelo de g´as homogˆeneo de el´etrons livres, que resolveu a maior parte dos problemas da teoria de Drude-Lorentz. No entanto, ainda n˜ao estavam claras as conseq¨uˆencias de incluir os n´ucleos e, por conseguinte, a periodicidade de uma estrutura cristalina na teoria, elementos que certamente afetariam o comportamento dos el´etrons.

Portanto, o passo seguinte foi incluir os efeitos de um potencial peri´odico sobre os estados quˆanticos eletrˆonicos. Foi o que fez Felix Bloch em sua tese. Bloch [86] lan¸cou o conceito de estrutura de bandas a partir da demonstra¸c˜ao de um teorema fundamental – o teorema de Bloch – demonstrando que um el´etron num cristal pode existir apenas em estados quˆanticos que s˜ao autoestados do operador “momentum cristalino”. Com isto, foi resolvido um dos maiores problemas da teoria de condutividade de Pauli-Sommerfeld, a saber, a mobilidade sem empecilhos dos el´etrons em uma rede cristalina perfeita, sendo esta propriedade afetada apenas pela presen¸ca de perturba¸c˜oes na periodicidade da rede (imperfei¸c˜oes, impurezas, vibra¸c˜oes).

Com base na teoria de bandas foi poss´ıvel mostrar, a partir do princ´ıpio da exclus˜ao de Pauli, que os estados permitidos (o conjunto de estados contidos numa banda) para cada spin podem conter, cada um, um n´umero m´aximo de um el´etron por c´elula unit´aria do cristal. Rudolf Peierls mostrou a importˆancia do preenchimento de bandas e da pre- sen¸ca de “buracos” (lacunas de el´etrons nas bandas) para explicar o efeito Hall e certas propriedades dos metais [87, 88]. Contudo, foi somente com o trabalho de Alan Herries Wilson [89, 90] que foram estabelecidos os fundamentos para a classifica¸c˜ao te´orica de todos os cristais em metais, semicondutores e isolantes:

– Isolantes: apresentam bandas completamente preenchidas e um grande gap de ener- gias proibidas separando o estado eletrˆonico fundamental dos estados excitados.

– Semicondutores: possuem gap pequeno, de modo que energias t´ermicas s˜ao suficien- tes para levar os el´etrons a estados excitados. Por conta disso, apresentam condutividade el´etrica intermedi´aria entre isolantes e metais.

– Metais: possuem bandas parcialmente preenchidas e n˜ao apresentam gaps de ex- cita¸c˜ao, de modo que os el´etrons podem conduzir eletricidade mesmo a T = 0K.

Figura 8: Ilustra¸c˜ao esquem´atica dos n´ıveis de energia eletrˆonicos, indicando a evolu¸c˜ao dos n´ıveis eletrˆonicos discretos dos ´atomos isolados para as bandas eletrˆonicas que se formam quando os ´

atomos se aproximam. Os preenchimento das bandas e os gaps proibidos determinam se o material ´e isolante, semicondutor ou met´alico. Figura retirada de [91]

Douglas Rayner Hartree e Egil Hylleraas foram pioneiros no c´alculo de propriedades de ´atomos com v´arios el´etrons usando a mecˆanica quˆantica [92, 93, 94]. Hartree introduziu o m´etodo do campo auto-consistente, no qual cada el´etron se move em um campo m´edio criado pelos n´ucleos atˆomicos e pelos demais el´etrons, lan¸cando as sementes de v´arios m´etodos num´ericos ainda em uso nos dias atuais. Apesar disso, sua abordagem carecia de rigor. Foi s´o em 1930 que Vladimir Fock [95] publicou os primeiros c´alculos empregando fun¸c˜oes de onda anti-sim´etricas, no que hoje conhecemos como m´etodo de Hartree-Fock. Os anos 30 registraram as primeiras formula¸c˜oes da maior parte dos atuais m´etodos te´oricos para c´alculo de estrutura eletrˆonica em s´olidos. Entre os primeiros c´alculos quan- titativos de estados eletrˆonicos se encontra o trabalho sobre o s´odio met´alico publicado por Eugene Wigner e Frederick Seitz, publicado em 1933 e 1934 [96, 97], no qual foi em- pregado o m´etodo celular. As bandas de energia eletrˆonicas foram obtidas em trabalhos separados por John Slater e Wigner e Seitz [97, 98]. Embora a fun¸c˜ao de onda tenha car´ater atˆomico nas vizinhan¸cas imediatas do n´ucleo, as bandas calculadas revelaram que os el´etrons se comportavam com grande liberdade de movimento no metal, resultado que

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se tornou a base de muito do entendimento te´orico dos metais com liga¸c˜oes do tipo sp. Uma das grandes dificuldades no trato de s´olidos em geral ´e ajustar a precis˜ao com que os estados eletrˆonicos ser˜ao descritos perto do n´ucleo e nas regi˜oes de liga¸c˜ao. Slater uti- lizou ondas planas aumentadas (Augmented Plane Waves - APWs) em 1937 [99], usando diferentes conjuntos de base e condi¸c˜oes de contorno apropriadas. Ondas planas ortogo- nalizadas (Orthogonalized Plane Waves - OPWs) foram definidas por Conyers Herring em 1940 [100] para levar em conta efeitos de caro¸co sobre os el´etrons de valˆencia. Potenciais efetivos, precursores dos pseudopotenciais, foram introduzidos em v´arios campos da f´ısica (por exemplo, Fermi, em 1934 [101], adotou a t´ecnica para estudar o espalhamento de el´etrons por ´atomos e espalhamento de nˆeutrons por n´ucleos). Hans Hellmann desenvol- veu uma teoria para el´etrons de valˆencia em metais notavelmente similar aos modernos c´alculos de pseudopotencial [102, 103]. Embora n˜ao fosse poss´ıvel completar os c´alculos para s´olidos em geral, o desenvolvimento dos conceitos - juntamente com o trabalho ex- perimental - levou a muitos desenvolvimentos importantes, dentre eles destacando-se o transistor.

Os primeiros c´alculos quantitativamente precisos de estrutura de bandas em materiais mais dif´ıceis, como os semicondutores (nestes os estados eletrˆonicos s˜ao bastante diferentes dos estados atˆomicos originais), come¸caram a surgir nos anos 50. Apesar do seu sucesso, entretanto, a teoria de bandas at´e ent˜ao desenvolvida n˜ao levava em conta os efeitos diretos das intera¸c˜oes el´etron-el´etron. Um dos efeitos mais importantes desse tipo de intera¸c˜ao foi a explica¸c˜ao do magnetismo da mat´eria dada por Heisenberg e Dirac [104, 105] em termos da “energia de troca” dos el´etrons interagentes, que depende do spin e do fato de a fun¸c˜ao de onda mudar de sinal quando dois el´etrons s˜ao “trocados” (permutados). Tanto na f´ısica atˆomica quanto na qu´ımica, sentiu-se a necessidade de descri¸c˜oes mais precisas que fossem al´em das aproxima¸c˜oes de el´etrons independentes, tendo em vista a forte correla¸c˜ao em sistemas localizados e os tamanhos t´ıpicos das liga¸c˜oes qu´ımicas nas mol´eculas [106].

Na f´ısica de mat´eria condensada, as linhas essenciais tra¸cadas pelo problema das in- tera¸c˜oes el´etron-el´etron foram expostas por Eugene Wigner e Nevill Mott [107, 108, 109, 110] em termos de transi¸c˜oes metal-isolante. Uma maneira de apresentar a quest˜ao ´e con- trastar a forma¸c˜ao de bandas quando se aproximam os ´atomos na estrutura cristalina com os efeitos intensos de intera¸c˜ao em sistemas isolados (nos quais os ´atomos se acham muito distantes para que exista overlap significativo dos estados eletrˆonicos). Se o ´atomo ´e um sistema de camada aberta, sabe-se que intera¸c˜oes coulombianas produzem a separa¸c˜ao dos

estados eletrˆonicos independentes em multipletos, com o estado fundamental dado pelas regras de Hund [111, 112, 113]. Em geral, existe competi¸c˜ao entre efeitos “formadores de banda”, os quais devem dominar em altas densidades, e efeitos de muitos corpos tipica- mente atˆomicos, dominantes em baixas densidades. O desafio ´e resolver problemas em densidades intermedi´arias, nas quais efeitos de banda e efeitos de muitos corpos produzem contribui¸c˜oes de mesma ordem.

O papel da correla¸c˜ao entre el´etrons permanece como elemento definidor das grandes quest˜oes no campo da determina¸c˜ao de estruturas eletrˆonicas. Descobertas experimentais, como a existˆencia de materiais supercondutores ou com magnetoresistˆencia gigantesca, estimularam novos desenvolvimentos na teoria de sistemas eletrˆonicos com alto grau de correla¸c˜ao. Intera¸c˜oes podem produzir transi¸c˜oes de fase para estados com quebra de simetria, ordem de longo alcance, e outros comportamentos coletivos interessantes.

As ´ultimas d´ecadas do s´eculo XX trouxeram promissores desenvolvimentos para apri- morar nossa compreens˜ao da f´ısica da mat´eria condensada. Relevantes contribui¸c˜oes ex- perimentais, como a descoberta dos fulerenos, a fabrica¸c˜ao de nanotubos de carbono, a s´ıntese materiais supercondutores em altas temperaturas, o crescimento de nanoestruturas semicondutoras, o emprego de novas tecnologias de microscopia (microscopia de tunela- mento, for¸ca atˆomica), abriram as portas para vastos campos de investiga¸c˜ao. No aspecto te´orico, a teoria da supercondutividade criada por John Bardeen, Leon Neil Cooper e John Robert Schrieffer (teoria BCS) [114] influenciou v´arias ´areas da f´ısica fornecendo um alicerce para a emergˆencia de fenˆomenos completamente novos a partir do compor- tamento cooperativo de sistemas de muitas part´ıculas. Novos m´etodos para o c´alculo de propriedades eletrˆonicas foram desenvolvidos, dentre os quais os seguintes merecem destaque:

– Teoria do funcional da densidade (Density Functional Theory - DFT) para o estado fundamental e extens˜oes para estados excitados.

– M´etodos de Monte Carlo quˆanticos, que podem lidar diretamente com o sistema de muitos corpos formado por el´etrons e n´ucleos.

– M´etodos de muitos corpos perturbativos para o espectro de excita¸c˜oes do sistema eletrˆonico.

– Avan¸cos computacionais que tornam poss´ıveis c´alculos realistas e influenciam deci- sivamente o desenvolvimento deste campo de pesquisa.

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