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Estado fundamental e estados excitados

1.5

Estado fundamental e estados excitados

Podemos dividir as propriedades da mat´eria em dois conjuntos: aquelas que s˜ao de- terminadas a partir do estado fundamental e aquelas definidas pelos estados excitados dos el´etrons:

– Estado fundamental: energia de coes˜ao, estrutura cristalina no equil´ıbrio, transi¸c˜oes de fase estruturais, constantes el´asticas, densidade de carga, ordem magn´etica, suscetibi- lidades diel´etricas e magn´eticas no caso est´atico, vibra¸c˜oes dos n´ucleos e seus movimentos em geral (na aproxima¸c˜ao adiab´atica ou de Born-Oppenheimer), etc.

– Estados excitados: excita¸c˜oes de baixa energia em metais que contribuem para o calor espec´ıfico, suscetibilidade de spin de Pauli, transporte; excita¸c˜oes de alta energia que determinam gaps isolantes, propriedades ´opticas, espectro de energias para adi¸c˜ao e remo¸c˜ao de el´etrons, etc.

A raz˜ao para esta divis˜ao reside no fato de as energias cin´eticas eletrˆonicas serem bem maiores que as nucleares, de modo que o estado de mais baixa energia para os el´etrons determina os movimentos de baixa energia e a distribui¸c˜ao espacial dos n´ucleos. As diversas formas de mat´eria s˜ao, em larga medida, manifesta¸c˜oes do estado fundamental dos el´etrons. O movimento dos n´ucleos, por exemplo, em vibra¸c˜oes da rede cristalina, ocorre em uma escala de tempo muito maior que a dos el´etrons, o que justifica a suposi¸c˜ao de que, instantaneamente, os el´etrons sempre se encontram no estado de mais baixa energia [115, 116].

Como o estado fundamental dos el´etrons ´e crucial para o c´alculo das propriedades eletrˆonicas na mat´eria condensada, boa parte do trabalho te´orico desenvolvido nesta disci- plina visa estabelecer m´etodos adequados e precisos para lidar com o estado fundamental. No presente, a abordagem mais utilizada para c´alculo de primeiros princ´ıpios do estado fundamental ´e a teoria do funcional da densidade (Density Functional Theory - DFT) [117, 118, 119].

A estrutura est´avel dos s´olidos ´e classificada de um modo mais natural atrav´es do estado fundamental eletrˆonico, que determina como os ´atomos formam liga¸c˜oes. O estado de mais baixa energia eletrˆonica determina a estrutura espacial dos n´ucleos, suas cargas e o n´umero de el´etrons, exatamente as informa¸c˜oes que s˜ao o input para a equa¸c˜ao de Schr¨odinger do sistema. Considerando a natureza geral das liga¸c˜oes qu´ımicas, podemos apontar esquematicamente cinco tipos principais de materiais quanto ao tipo de liga¸c˜ao que se forma entre seus ´atomos constituintes:

1. Sistemas de camada fechada (closed-shell ), tais como os gases nobres e os s´olidos moleculares, apresentam estados eletrˆonicos qualitativamente parecidos com os estados dos ´atomos (ou mol´eculas) componentes. As bandas formadas n˜ao s˜ao largas, e as es- truturas formadas s˜ao s´olidos com c´elula unit´aria bem compacta (close-packed ), no caso dos gases nobres, e estruturas complexas, no caso de s´olidos formados por mol´eculas sem simetria esf´erica. A liga¸c˜ao ´e muitas vezes descrita como oriunda da fraca atra¸c˜ao de Wan der Waals equilibrada pela repuls˜ao criada pelo overlap dos estados quˆanticos eletrˆonicos. Uma an´alise mais detalhada revela que outros mecanismos tamb´em s˜ao relevantes.

2. Cristais iˆonicos, formados por elementos com eletronegatividades muito diferentes, podem ser caracterizados pela transferˆencia de carga de modo a formar ´ıons de camada fechada, criando estruturas com ˆanions grandes em um arranjo compacto (hcp, fcc, ou bcc), e pequenos c´ations localizados em posi¸c˜oes que maximizam a atra¸c˜ao coulombiana. Experimentos quantitativos e a teoria mostram, entretanto, que n˜ao ´e poss´ıvel identificar cargas associadas de modo ´unico a um dado ´ıon. Tais sistemas s˜ao isolantes com um gap de energia.

3. Sistemas met´alicos n˜ao apresentam gaps de excita¸c˜ao e s˜ao excelentes condutores. As bandas de um metal aceitam facilmente n´umeros diferentes de el´etrons, possibilitando a forma¸c˜ao de ligas entre ´atomos de diferentes valˆencias em estruturas compactas. O g´as eletrˆonico homogˆeneo ´e uma excelente aproxima¸c˜ao para tais sistemas. Metais de transi¸c˜ao s˜ao particularmente importantes por suas propriedades mecˆanicas e magn´eticas, bem como por seus efeitos de muitos corpos, os quais proporcionam boa parte dos desafios te´oricos a resolver.

4. Liga¸c˜oes covalentes implicam numa mudan¸ca radical no car´ater dos estados eletrˆonicos dos ´atomos isolados. Tal mudan¸ca envolve o preenchimento de bandas eletrˆonicas at´e o gap de energia. Liga¸c˜oes covalentes direcionais criam estruturas abertas, bastante dife- rentes do empacotamento compacto t´ıpico dos outros tipos de liga¸c˜ao. ´E o que ocorre com materiais semicondutores, por exemplo.

5. Pontes de hidrogˆenio s˜ao freq¨uentemente identificadas como outro tipo de liga¸c˜ao. O hidrogˆenio ´e o ´unico elemento qu´ımico sem el´etrons de caro¸co. Seu n´ucleo, um pr´oton, ´e atra´ıdo mais fortemente por el´etrons pr´oximos por conta da ausˆencia da blindagem criada pelos el´etrons de caro¸co em outros elementos. As propriedades da ´agua s˜ao fortemente afetadas pela forma¸c˜ao de liga¸c˜oes de hidrogˆenio. Tais liga¸c˜oes tamb´em s˜ao especialmente importantes para a bioqu´ımica.

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os cinco tipos acima mencionados.

Por outro lado, para certas estruturas as excita¸c˜oes eletrˆonicas s˜ao o cerne das pro- priedades eletrˆonicas da mat´eria - incluindo condutividade el´etrica, propriedades ´opticas, excita¸c˜ao t´ermica de el´etrons, fenˆomenos causados por el´etrons extr´ınsecos em semicon- dutores, etc. Estas propriedades s˜ao governadas pelo espectro de energias de excita¸c˜ao e pela natureza dos estados excitados. Existem dois tipos b´asicos de excita¸c˜ao: adi¸c˜ao ou subtra¸c˜ao de el´etrons, e excita¸c˜oes que conservam constante o n´umero de el´etrons. Como as excita¸c˜oes podem ser considerados rigorosamente como sendo perturba¸c˜oes do estado fundamental, os m´etodos de teoria de perturba¸c˜ao s˜ao n˜ao poucas vezes a chave para o entendimento te´orico e o c´alculo de tais propriedades.

Excita¸c˜oes eletrˆonicas tamb´em se acoplam ao movimento nuclear, levando a efeitos como a intera¸c˜ao entre el´etrons e fˆonons. Tal intera¸c˜ao afeta os estados eletrˆonicos (elec- tronic states broadening) e implica em fortes efeitos nos metais (uma vez que estes possuem energias de excita¸c˜ao arbitrariamente pequenas, levando a misturas com excita¸c˜oes nucle- ares de baixa energia). O acoplamento pode produzir transi¸c˜oes de fase e novos estados da mat´eria, como o estado supercondutor.

Figura 9: Bandas de “quase-part´ıcula” no germˆanio calculadas atrav´es da aproxima¸c˜ao GW com pseudopotenciais e uma base gaussiana [120] comparadas com resultados experimentais (lado direito) obtidos por fotoemiss˜ao [121] e fotoemiss˜ao inversa [122], e um resultado te´orico usando a aproxima¸c˜ao LDA (Local Density Approximation), indicado pelas linhas tracejadas na figura da esquerda. As bandas LDA ilustram o conhecido problema do band-gap que produz gap zero para o germˆanio. Este problema praticamente desaparece quando s˜ao usados m´etodos de muitos corpos ou quando se emprega o funcional de troca exato (EXX).

A despeito dos impressionantes triunfos da teoria DFT para o estado fundamental, esta teoria ainda n˜ao ´e capaz de produzir resultados confi´aveis para as excita¸c˜oes. O gap fundamental ´e o ponto chave do problema. Os gaps calculados atrav´es dos funcionais DFT se encontram bem abaixo dos valores experimentais para praticamente todos os materiais. Obter avan¸cos na teoria de excita¸c˜oes em isolantes constitui boa parte do esfor¸co atual em pesquisa. A obten¸c˜ao de gaps reduzidos n˜ao ´e intr´ınseca `a abordagem DFT e pode ser corrigida atrav´es de um tratamento mais apropriado da energia de troca n˜ao-local, como o uso de um termo de troca exato (Exact Exchange - EXX, ver Ref. [123]) e funcionais h´ıbridos, que incluem caracter´ısticas ausentes nos funcionais comumente utilizados. Por exemplo, o funcional EXX produz excelentes valores para os gaps sem destruir a pre- cis˜ao do c´alculo de energia do estado fundamental se um funcional de correla¸c˜ao local ´e inclu´ıdo. Outra op¸c˜ao, computacionalmente muito dispendiosa, ´e o c´alculo de corre¸c˜oes perturbativas de muitos corpos (aproxima¸c˜ao GW).

Figura 10: Gaps de energia para diferentes semicondutores usando os funcionais da densidade LDA e EXX. Os resultados usando o funcional LDA subestimam os gaps na maioria dos c´alculos DFT. A teoria do potencial de troca exato exige maior trabalho computacional, mas fornece gaps bem pr´oximos dos resultados experimentais. Figura retirada de [124].

Excita¸c˜oes que conservam o n´umero de el´etrons podem ser vistas como excita¸c˜oes do tipo el´etron-buraco, em que o el´etron adicionado interage com a “lacuna” deixada pela remo¸c˜ao de um el´etron na banda de valˆencia. A energia do ´exciton assim formado ´e inferior ao gap entre as bandas. A medida mais universal de excita¸c˜oes que conservam o n´umero de el´etrons ´e a capacidade t´ermica, por abranger todas as excita¸c˜oes poss´ıveis

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sem distin¸c˜oes. A capacidade t´ermica a baixas temperaturas ´e a medida que distingue definitivamente sistemas com gaps de energia e sistemas sem gap, e a base da distin¸c˜ao entre metais e isolantes. Nos metais, “quase-part´ıculas”, excita¸c˜oes de baixa energia que atuam como el´etrons fracamente interagentes, fornecem uma descri¸c˜ao bastante adequada do calor espec´ıfico, da condutividade el´etrica e do paramagnetismo de Pauli. Introduz-se, nesta descri¸c˜ao, o conceito de superf´ıcie de Fermi, conjunto de pontos no espa¸co rec´ıproco onde o tempo de vida das “quase-part´ıculas” ´e infinito e a energia ´e igual `a energia de Fermi. Tal superf´ıcie j´a foi minuciosamente mapeada para muitos cristais met´alicos.

As fun¸c˜oes diel´etricas e a condutividade s˜ao as fun¸c˜oes resposta mais importantes em f´ısica da mat´eria condensada por serem determinantes para as propriedades ´opticas, condutividade el´etrica, e muitas outras propriedades interessantes para aplica¸c˜oes tec- nol´ogicas. Al´em disso, os espectros ´opticos s˜ao, provavelmente, a ferramenta de estudo de excita¸c˜oes mais amplamente utilizada. A formula¸c˜ao fenomenol´ogica das equa¸c˜oes de Maxwell na presen¸ca de meios polariz´aveis ou condutores inclui a fun¸c˜ao diel´etrica ǫ(ω) e a condutividade σ(ω), onde ω ´e uma freq¨uˆencia complexa. Note-se que o n´umero de el´etrons n˜ao muda, ou seja, a absor¸c˜ao ´optica pode ser vista como a adi¸c˜ao simultˆanea de um el´etron e um buraco, os quais podem interagir.

Uma outra abordagem para o c´alculo do espectro de excita¸c˜ao para o caso em que o n´umero de el´etrons n˜ao muda ´e a teoria do funcional da densidade dependente do tempo (Time-Dependent Density Functional Theory - TDDFT) [125], que fornece, em princ´ıpio, uma solu¸c˜ao exata para a densidade de carga eletrˆonica em fun¸c˜ao do tempo. Tal abor- dagem vem sendo utilizada juntamente com funcionais de troca e correla¸c˜ao aproximados com consider´avel sucesso no c´alculo de espectros ´opticos de sistemas confinados, como mol´eculas e clusters, e tamb´em no c´alculo de excita¸c˜oes magn´eticas em s´olidos.

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A medida que a teoria progride e se torna mais acurada, torna-se mais relevante a considera¸c˜ao de efeitos de muitos corpos decorrentes da intera¸c˜ao el´etron-el´etron. Isto n˜ao apenas para melhorar as descri¸c˜oes te´oricas sobre materiais e fenˆomenos j´a conhecidos, como tamb´em para prever novas propriedades e fenˆomenos coletivos fora do alcance das teorias de campo m´edio.

1.6

L-Alanina

O objeto de estudo da presente tese ´e o amino´acido α-L-alanina (L significa a forma enantiom´orfica lev´ogira), f´ormula qu´ımica C3H7NO2. As duas formas enantiom´orficas da

alanina s˜ao apresentadas na Fig. 11, juntamente com duas perspectivas da mol´ecula de L-alanina. Vale salientar que, de todos os amino´acidos quirais, a alanina ´e o mais simples e que, na natureza, os amino´acidos apresentam-se na forma lev´ogira.

Figura 11: Na parte superior, formas enantiom´orficas da alanina, juntamente com (abaixo) duas perspectivas diferentes da mol´ecula de L-alanina (zwitter´ıon neutro). Os ´atomos cinzentos s˜ao de carbono, os azuis, nitrogˆenio, os vermelhos, oxigˆenio e os brancos, hidrogˆenio.

A alanina ´e incorporada na cadeia polipept´ıdica nascente durante a bioss´ıntese prot´eica em resposta a quatro c´odons (um c´odon ´e uma seq¨uˆencia de trˆes bases nitrogenadas, ou nucleot´ıdeos): GCU, GCC, GCA e GCG, e representa aproximadamente 8.3% dos res´ıduos de prote´ınas que j´a foram caracterizadas [126]. O res´ıduo alanil incorporado possui uma massa de 71.09 unidades de massa atˆomica (ou dalton), um volume de van der Waals de 67 ˚A3

e uma superf´ıcie acess´ıvel de 113 ˚A2

[126]. Res´ıduos de alanina s˜ao muitas vezes vari´aveis atrav´es de v´arias esp´ecies, sendo muitas vezes substitu´ıdos em prote´ınas hom´ologas por res´ıduos de serina, treonina, valina, ´acido glutˆamico e prolina. A cadeia lateral da alanina consiste num grupo metila. Esta cadeia lateral apolar torna os res´ıduos de alanina n˜ao-reativos quimicamente, relativamente hidrof´obicos e pouco hidrof´ılicos. Conseq¨uentemente, 38% dos res´ıduos de alanina ficam profundamente enterrados nas conforma¸c˜oes dobradas das prote´ınas [126]. Nessas condi¸c˜oes, a cadeia lateral de metila sofre r´apidas rota¸c˜oes em torno da liga¸c˜ao simples entre o carbono α e o carbono β (o

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carbono do grupo CH3). A alanina possui, dentre todos os res´ıduos de amino´acidos, a maior tendˆencia para adotar a conforma¸c˜ao α-h´elice em pept´ıdeos. A ocorrˆencia da ala- nina em estruturas de prote´ınas dobradas em α-h´elices ´e duas vezes mais freq¨uente que em β-folhas e revers˜oes.

No organismo humano, a L-alanina ´e um amino´acido essencial cuja principal fun¸c˜ao parece ser o metabolismo do triptofano e da piridoxina. Tem pouca relevˆancia terapˆeutica, mas ´e uma importante fonte de energia para os m´usculos, sistema nervoso central e c´erebro e tamb´em toma parte na fabrica¸c˜ao de anticorpos. Existe alanina no fluido da pr´ostata, e ela pode desempenhar um papel importante na sa´ude deste org˜ao [127]. Altos n´ıveis de alanina juntamente com baixos n´ıveis de tirosina e fenilalanina vem sendo associados com o v´ırus de Epstein-Barr [128] e a s´ındrome de fadiga crˆonica [129]. Baixos n´ıveis do amino´acido tˆem sido encontrados em pacientes com hipoglicemia, diabetes e hepatite alc´oolica.

Cao et al. [130] otimizaram usando t´ecnicas ab initio (m´etodo de Hartree-Fock e teoria da perturba¸c˜ao MP2) 13 conforma¸c˜oes da alanina, encontrando bom acordo com resultados experimentais. Ellzy et al. [131] fizeram medidas do espectro vibracional infra- vermelho e do espectro de dicro´ısmo circular vibracional (Vibrational Circular Dichroism - VCD) para os zwitter´ıons α-D-alanina, α-L-alanina, α-D-manose e α-L-manose. Os dados experimentais foram comparados com c´alculos de otimiza¸c˜ao de geometria usando o funcional h´ıbrido B3LYP e a base 6-31G*. A estrutura zwitteriˆonica da α-L-alanina foi estabilizada pela adi¸c˜ao de mol´eculas de ´agua. O estudo concluiu que a abordagem DFT/B3LYP fornece uma boa descri¸c˜ao do VCD para as mol´eculas estudadas. Tulip e Clark [132] calcularam os tensores de polarizabilidade e as freq¨uˆencias normais de vi- bra¸c˜ao para a alanina (e tamb´em para a leucina, isoleucina e valina) usando teoria da perturba¸c˜ao do funcional da densidade com um pseudopotencial de ondas planas. Eles verificaram que o comportamento da densidade eletrˆonica quando s˜ao aplicados campos externos depende em larga medida da estrutura da mol´ecula estudada, e n˜ao somente dos grupos funcionais constituintes. Os modos normais podem ajudar a diferenciar os dife- rentes tipos de liga¸c˜ao de hidrogˆenio intramoleculares e ajudam a explicar a raz˜ao de os c´alculos mostrarem a leucina estabilizada na forma zwitteriˆonica mesmo na fase gasosa. O espectro infravermelho calculado mostrou uma not´avel diferen¸ca entre os resultados obtidos para mol´eculas neutras e zwitteriˆonicas. Tais diferen¸cas podem ser atribu´ıdas aos diferentes tipos de liga¸c˜ao de hidrogˆenio e substˆancias qu´ımicas presentes.

Figura 12: C´elula unit´aria da L-alanina. Os parˆametros de rede s˜ao a=6.023 ˚A, b=12.343 ˚A e c=5.784 ˚A, de acordo com experimentos de difra¸c˜ao de raios X e difra¸c˜ao de nˆeutrons [134, 135].

por H. J. Simpson et al. [134] e R. Destro et al. [136]. Os cristais obtidos por esses trabalhos iniciais eram pequenos e n˜ao puderam ser usados para investiga¸c˜oes ´opticas. Mesmo assim, bastaram para determinar a estrutura ortorrˆombica do cristal, com grupo de simetria espacial P 212121 e quatro mol´eculas por c´elula unit´aria. Cristais maiores foram crescidos por Misoguti et al. [137], sem que fossem revelados maiores detalhes sobre o modo de crescimento e a qualidade das amostras.

Estudos posteriores [138] detalharam o crescimento em solu¸c˜ao e caracterizaram cris- tais de alanina pura, sendo proposto um modelo preditivo para a forma dos cristais [28]. As amostras de maior qualidade foram conseguidas usando solu¸c˜oes tamponadas e auto- semeadura, com cristais crescendo no fundo do recipiente. Os h´abitos de crescimento per- tencem `as fam´ılias {020}, {011} e {120}, segundo o esperado para o sistema ortorrˆombico (ver Fig. 13). As maiores faces foram as {120}, que sofriam da existˆencia de degraus m´ultiplos encadeados e macrodegraus. As menores faces s˜ao as {020}, em geral, embora apresentem melhor qualidade ´optica.

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Figura 13: H´abitos do cristal de L-alanina pura, com indica¸c˜ao das faces.

O modo como as mol´eculas est˜ao dispostas na face de um cristal de amino´acido determina sua energia superficial, enquanto o n´umero de s´ıtios dispon´ıveis determina como se dar´a a adsor¸c˜ao das mol´eculas que v˜ao sendo acrescentadas. Apesar de a composi¸c˜ao qu´ımica numa face ser uniforme, as energias superficiais exibidas podem variar por causa dos tipos de grupos funcionais de cada face. ´E esta a raz˜ao pela qual as faces de cristais de amino´acidos apresentam velocidades de crescimento e qualidades ´opticas distintas [28, 138].

Uma rede de liga¸c˜oes de hidrogˆenio envolvendo todas as liga¸c˜oes N − H − − − O ´e respons´avel pela estabiliza¸c˜ao do cristal de L-alanina. Cada pr´oton do grupo amina ´e empregado na forma¸c˜ao dessas liga¸c˜oes de hidrogˆenio, duas com o oxigˆenio n´umero 2 (ver Fig. 14) e uma com o oxigˆenio n´umero 1, promovendo um pequeno mas relevante aumento no comprimento da liga¸c˜ao C−O2 em rela¸c˜ao ao comprimento da liga¸c˜ao C−O1. Uma das liga¸c˜oes N − H − − − O2

liga as mol´eculas de alanina entre si formando uma cadeia ao longo do eixo c do cristal, enquanto as outras duas liga¸c˜oes de hidrogˆenio ligam estas cadeias entre si, configurando uma estrutura tridimensional. Os canais formados ao longo desta rede s˜ao ocupados pelos grupos metila (ver Fig. 15). A mol´ecula de L-alanina

no cristal bulk forma seis liga¸c˜oes de hidrogˆenio com as mol´eculas vizinhas. Todas estas liga¸c˜oes de hidrogˆenio s˜ao aproximadamente idˆenticas em comprimento [28, 135, 138, 139].

Figura 14: Pontes de hidrogˆenio formadas pelos ´atomos de oxigˆenio no cristal de L-alanina [135].

A cristaliza¸c˜ao se d´a usualmente a partir de uma solu¸c˜ao ou a partir de um banho fundido ou t´ermico, mas algumas vezes formam-se cristais por sublima¸c˜ao a partir da fase gasosa. Diversos aspectos do processo de condensa¸c˜ao de vapor s˜ao tamb´em comuns ao processo de cristaliza¸c˜ao. Cristais podem ser formados tamb´em a partir de solu¸c˜oes de reagentes, que ao mesmo tempo produzem e depositam materiais, como na cristaliza¸c˜ao hidrot´ermica do quartzo. Em alguns aspectos, pode-se enxergar a cristaliza¸c˜ao como o inverso da decomposi¸c˜ao, mas com diferen¸cas essenciais. Por exemplo, a quantidade de part´ıculas presentes durante a decomposi¸c˜ao permanecer´a a mesma ou diminuir´a, ao passo que, na cristaliza¸c˜ao, o n´umero de n´ucleos sobre os quais a substˆancia se deposita pode aumentar constantemente. Al´em disso, enquanto na decomposi¸c˜ao poucas vezes ocorre resistˆencia apreci´avel ao processo de transferˆencia de substˆancia atrav´es da interface entre

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