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Breve Parêntese: 1954 – Museu de Ciência: Educação para Todos

1 CIÊNCIA E TECNOLOGIA: A DEFESA DE UM IDEAL

1.1 Breve Parêntese: 1954 – Museu de Ciência: Educação para Todos

Sob a denominação social de MUSEU DE CIÊNCIA fica creada (sic) uma Associação civil, de fins não econômicos, sem objetivos políticos ou religiosos, com sede e foro na cidade e capital de São Paulo.84

Em 1954, criava-se a associação Museu de Ciência, cujo objetivo principal era “transmitir os conhecimentos científicos ao povo em geral”85, a fim de combater o senso comum de que o Brasil não produzia ciência e tecnologia, de que todos os aparatos técnicos e científicos vinham de fora, não sendo identificados pela população como um bem, do ponto de vista econômico. O museu, além de formar, faria a mediação com informações para a sociedade. Para os cientistas, era necessário mostrar:

[...] estrita dependência dos progressos da ciência e da técnica. A eficiente exploração dos recursos naturais, [...] tudo isso é realidade que nasceu do trabalho de pesquisa, a princípio, em algum obscuro laboratório em que se buscava, na prática da ciência, apenas a satisfação de saber um pouco mais a respeito do mundo em que vivemos; depois, em laboratórios em que trabalham legiões de técnicos interessados em aplicar a algum fim útil as descobertas da ciência e finalmente nas grandes fábricas e usinas que transformam a descoberta científica em alimento melhor, em combustível mais eficaz, em objetos úteis de toda sorte, [...].86

Um espaço de comunicação entre o trabalho científico e a sociedade asseguraria o apoio da população aos projetos que demonstrassem a contribuição dessas áreas para

[...] todas essas coisas que tornam mais confortável e segura a vida atual, permitindo que a humanidade viva mais e melhor, e que cada vez mais se aproxime daquele grande ideal da igualdade, que consiste em proporcionar a todos, indistintamente, as mesmas oportunidades. [...]

Há, todavia, um grande contraste entre o que devemos à ciência e à técnica, e o que na verdade sabemos a respeito delas e do trabalho dos que as servem. Temos o rádio e a televisão e sabemos que com um simples tocar de botões ouvimos sons e vemos imagens. [...] tudo na aparência tão simples que nem sequer nos ocorre a possibilidade de que tais coisas não tenham existido antes, como o sol, a chuva, o luar.87

84

ESTATUTOS Museu de Ciência. In: MUSEU de Ciência. São Paulo: Rothschild Loureiro & Cia. Ltda., 1954. Arquivo institucional do MAST/Acervo MAST. p. 11.

85 Ibid., p. 11. 86 Ibid., p. 11. 87 Ibid., p. 11.

Apresentava-se uma explanação sobre o avanço da ciência e da técnica que tornou a vida do homem melhor e confortável e a necessidade de mecanismos que tornassem mais conscientes não somente a população, como também os políticos. Afinal, eram eles que aprovavam o orçamento para as pesquisas científicas. Os museus de ciências seriam os agentes formadores desse ‘novo homem’, afinado com a ciência e a tecnologia, valorizando as pesquisas e até mesmo ousando nelas investir (custear):

É certo, porém, que tudo isso nasceu de um longo esforço de ciência e de técnica, e que esse esforço só se pode realizar dentro de laboratórios especiais, devidamente equipados, onde trabalhem homens que dedicam à pesquisa as horas todas de sua vida. Esse esforço tem de ser direta ou indiretamente custeado pela coletividade. Como esperar, entretanto, que a comunidade o apoie se dele não tiver conhecimento?88

O distanciamento da população das questões técnico-científicas causava incômodo a esses intelectuais, que associavam tal distanciamento à incapacidade de a população entender a necessidade de gasto com pesquisas, já que os aparatos técnicos aos “olhos de um leigo eram invisíveis”89.

Podemos compreender, assim, o porquê de se pensar, em 1954, a criação de museus de ciências. Estes seriam os agentes formadores de um habitus, gerando interesses comuns entre os cientistas e os leigos, principalmente devido à turbulência política e à pressão do capital internacional, “que, não podendo mais impedir a industrialização nos países dependentes, associava-se a essa e controlava o seu desenvolvimento”90.

Os museus de ciência apresentavam-se como o espaço reservado para proteger e guardar as marcas da luta desses intelectuais para o desenvolvimento científico nacional. Nesse espaço, pretende-se produzir mecanismos de consagração da ciência brasileira, buscando um diálogo com o governo e sua política que não priorizavam as outras áreas do

88

ESTATUTOS Museu de Ciência. In: MUSEU de Ciência. São Paulo: Rothschild Loureiro & Cia. Ltda., 1954. Arquivo institucional do MAST/Acervo MAST. p. 11.

89

Ibid., p. 11. 90

conhecimento científico. Porém, não bastava somente criar museus – era necessário atuar ativamente nas questões relacionadas à política científica pensada para os anos de 1950. Segundo Valente, a discussão sobre museus de ciência:

[...] O museu que mobilizou personalidades importantes em sua idealização nunca chegou a funcionar como tal. Entretanto, o projeto descrito ressaltando aspectos recomendados nos dias atuais, se comparado às sugestões do relatório do programa da UNESCO, realizado no Rio de Janeiro em 1958, apresentava uma concepção muito à frente do que foi proposto pelos especialistas estrangeiros. Dessa forma, antecipava ideias que futuramente seriam propostas como inovadoras.91

Concordo em que a criação desse museu de ciência buscava reduzir a distância da sociedade para as questões científicas e tecnológicas, porém, por ocasião da criação da SBPC, nem a própria categoria cientista se entendia em função das várias áreas de conhecimento que estavam em processo de construção ou de consolidação – e o crescimento das indústrias demandava recursos humanos para atender a essa área em expansão. E, novamente, em processo de mudança, faz-se necessário reafirmar a ciência como fundamental no desenvolvimento do país. As experiências desses cientistas quanto aos investimentos financeiros por parte das gestões governamentais anteriores os deixavam apreensivos face aos conturbados programas e modelos de Estado desse período, que, mediante diversas crises políticas e econômicas porque o Brasil passava, deixavam à margem a ciência pura, investindo na tecnologia como argumento para melhoria de vida da população.

91

VALENTE, Maria Esther. Museus de ciências e tecnologia no Brasil: uma história da museologia entre as décadas de 1950-1970. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. p. 144.