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1 CIÊNCIA E TECNOLOGIA: A DEFESA DE UM IDEAL

1.3 Ossatura do Estado no Sistema de Ciência e Tecnologia

1.3.3 Em busca de investimento

Em 9 de maio de 1975, por ocasião do jantar oferecido pela Câmara Brasileiro- Americana de Nova York, para 800 “personalidades”162, Reis Velloso foi condecorado “Homem do Ano”163. Em seu discurso, ele procedeu a uma análise do desenvolvimento brasileiro, dando ênfase a duas características distintas para o seu estágio naquela época, destacando “[...] o clima para o investimento privado, tanto doméstico como internacional que continua muito favorável; e a urgência do desafio social em um país predominantemente jovem e urbanizado”164. Velloso destacava ser possível, no Brasil daquele período, “testar se pode um país subdesenvolvido alcançar o desenvolvimento através do regime de economia de mercado, sem nacionalismo exacerbado e sem presença avassaladora do Estado”165. Ou seja, era a afirmação de que a tendência daquele momento era o retorno à economia liberal, onde o mercado se autorregulava.

Reis Velloso chefiou várias missões, cujo objetivo era abrir frente de negócios com empresários brasileiros e estrangeiros. Foi assim com a missão Empresarial Brasileira aos Estados Unidos, com o objetivo de “abrir novas frentes de comércio entre os dois países – o sudeste e o sudoeste americano e expandir as já existentes na Costa Oeste”166.

A respeito do Seminário sobre Investimentos no Brasil, realizado em Salzburg (Áustria), Reis Velloso dava a ideia de que, no Brasil, o mercado se autorregulava e que o governo apenas apoiava as decisões do empresariado:

162

PLANEJAMENTO P&D DESENVOLVIMENTO. A política nuclear brasileira. Rio de Janeiro, ano 3, n. 25, p. 14, 1975. Arquivo CNPq/Acervo MAST (CNPq.I 275).

163 Ibid., p. 14. 164 Ibid., p. 14. 165 Ibid., p. 14. 166

PLANEJAMENTO P&D DESENVOLVIMENTO. Pronunciamento do ministro João Paulo dos Reis Velloso na Confederação Nacional da Indústria. Rio de Janeiro, ano 3, n. 25, p. 15, 1975. Arquivo CNPq/Acervo MAST (CNPq.I.275).

[...] um dos aspectos mais importantes do Seminário é o de que se trata realmente de uma realização empresarial. Foi o empresário brasileiro quem o concebeu, quem o planejou e quem vai realizá-lo. Os homens do Governo estarão lá como atores, mas não como produtores nem como autores. Eles vão apenas levar sua palavra de apoio, de definição de políticas.167

Em seu pronunciamento, Velloso destacava dois aspectos do seminário:

[...] de um lado, o sentido de complementação entre a economia europeia, aquelas economias que estarão mais presentes no Seminário, em termos de que o Brasil é um país de recursos naturais a serem desenvolvidos, disponibilidades de recursos minerais e assim por diante; estamos apenas começando a arranhar as disponibilidades de recursos naturais do Brasil.168 Esta foi a justificativa dada por Reis Velloso em seu pronunciamento na Confederação Nacional da Indústria, onde expôs aos empresários industriais a “preocupação do governo Geisel de ativar a economia do país e acelerar a taxa de crescimento sem recorrer, impulsivamente, às exportações”.169

[...] o Brasil aguentou razoavelmente bem até hoje no meio dessa crise mundial. Nós tivemos um duro ano de 1974, um duro começo de 75. Na hora exatamente em que há indícios de que a situação mundial começa a melhorar é extremamente importante que nós mantenhamos a calma, o espírito de cooperação, objetividade suficientes para preservar esse dinamismo que a economia brasileira tem apresentado, mesmo em situações de crise internacional.170

Reportando-se à crise do petróleo, questionava:

[...] qual era a essência do problema com que o Brasil se defrontava, quando houve a crise do petróleo? Nós tivemos que enfrentar simultaneamente quatro obstáculos: o problema do preço do petróleo em si, um aumento de 700 a 800 milhões para 3 bilhões de dólares, de um ano para o outro nas importações; um aumento de preços de matérias-primas importantes para nós; o aumento de quantidade que nós importamos dessas matérias-primas, devido ao fato de que nós estávamos com a economia superaquecida e havíamos alcançado praticamente a plena utilização de capacidade de todos os ramos industriais e a aceleração da inflação devido a razões de ordem interna e ordem externa.171

167

PLANEJAMENTO P&D DESENVOLVIMENTO. Pronunciamento do ministro João Paulo dos Reis Velloso na Confederação Nacional da Indústria. Rio de Janeiro, ano 3, n. 25, p. 15, 1975. Arquivo CNPq/Acervo MAST (CNPq.I.275). 168 Ibid., p. 15. 169 Ibid., p. 15. 170 Ibid., p. 15. 171 Ibid., p. 15.

Velloso finalizou seu pronunciamento ressaltando o lugar dos países em desenvolvimento naquele período conturbado, que estavam passando por um

[...] importante teste: o de saber se, num mundo caracterizado por implacável competição econômica e tecnológica dos países já industrializados, se há lugar para nações emergentes [...] o que os países subdesenvolvidos temem, acima de tudo, é a falta de oportunidade, resultante das reações dos países desenvolvidos, de protegerem seus mercados, mesmo em setores já desprovidos de poder de competição, sempre que qualquer nuvem se forma, no panorama nacional ou internacional.172

O desenvolvimento econômico, sob essa visão, implicava abrir o país ao capital internacional e ao uso dos recursos minerais, cabendo ao Estado apenas o papel de agenciador nas negociações, causando uma sensação de dèjá vu, porém, com nova roupagem.

Todas as instituições de fomento estavam subordinadas à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, sob a direção do ministro Reis Velloso, onde era traçado o planejamento para o Brasil, mediante estudos realizados, seguidos de propostas a serem aplicadas nas áreas analisadas. Essas ações conjuntas permitiram mapear áreas nos setores público e privado que necessitavam de investimento para crescimento, mas também serviram para esvaziar o poder que os cientistas detinham no CNPq:

Numa época em que jornais trazem diariamente listas de candidatos a ministros do governo Figueiredo, pode parecer pouco importante lembrar que o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, atualmente rebatizado, [...] também deverá ter um novo presidente, caso o atual não seja reconduzido no cargo. Este Conselho foi diretamente subordinado à Presidência da República desde 1951 [...] até o início do Governo Geisel, quando passou à esfera da Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral da Presidência da República, perdendo o seu titular status nesta passagem. Isto foi acompanhado pela escolha de um presidente que não pertencia às fileiras dos cientistas nacionais. É realmente discutível se um cientista (ou ex-cientista) é a pessoa melhor indicada para ocupar tal cargo. E, o posto já foi ocupado no passado com sucesso por um almirante e por um general [...] O que ocorreu, aliás, com o CNPq em 1975, foi realmente peculiar, o órgão teve, em princípio, suas atribuições ampliadas [...].

[...] 172

PLANEJAMENTO P&D DESENVOLVIMENTO. Pronunciamento do ministro João Paulo dos Reis Velloso na Confederação Nacional da Indústria. Rio de Janeiro, ano 3, n. 25, p. 15, 1975. Arquivo CNPq/Acervo MAST (CNPq.I.275).

[...] o sucesso do CNPq, nestas novas áreas, acabou por prejudicar a tarefa mais modesta, porém, fundamental de fomento à ciência e tecnologia [...] o fato de que o Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de recursos para as pesquisas científicas e tecnológicas, não está sob a administração do Conselho Nacional de Pesquisas, mas de um outro órgão do Ministro do Planejamento denominado Finep – Financiadora de Estudos e Projetos – bastante semelhante ao BNDE na sua operação e que não dispõe da assessoria científica que o CNPq possui. [...] esperamos que o Presidente Figueiredo enfrente o problema pela base resolvendo primeiro o problema institucional e depois os das pessoas. Levar o Conselho Nacional de Pesquisas de volta à Presidência da República, restituindo-lhe o status que merece e dando a ele o poder de dispor das verbas destinadas à ciência e à tecnologia do país [...].173 A ciência e a tecnologia, apesar de veiculadas como carros-chefe do Governo Militar, têm seu prestígio ameaçado quando o CNPq passou para a estrutura da Secretaria de Planejamento, tendo de dividir prestígio com outras agências do governo. Segundo Ana Fernandes, a participação da área de Humanas na SBPC começou a desconstruir a hegemonia de neutralidade da ciência e movimentou essa categoria para garantir a participação dos cientistas no processo de mudança que já estava sendo arranjada para o fim da ditadura militar.174 No momento de distensão do regime autoritário, o Governo Militar passou a contemplar, em seu projeto, a integração das ações de suas agências, de forma a permitir um sistema integrado que se tornaria modelo a ser seguido pelos estados e municípios da União, mapeando a cultura, para poder conhecer e dominar.

173

GOLDEMBERG, José. O CNPq e o novo governo. Estado de São Paulo, São Paulo, 7 de jan. 1979. Arquivo MAST (012.03.249).

174

FERNANDES, Ana Maria. A construção da ciência no Brasil e a SBPC. Brasília: EDUnB; Brasília: ANPOCS: CNPq, 1990.