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Breve recapitulação

No documento Entre a comunicação e a arte: (páginas 61-64)

Deslocamento e ação

2.5. Breve recapitulação

Ao reinvindicarmos as dimensões processual e experiencial para a comunicação, vimos que os enfoques que privilegiam sua dimensão estritamente informativa dão lugar a outras perspectivas que elegem a incompletude, o metafórico, o afetivo que estão presentes nas relações e na vida cotidiana, além de pensarem os dispositivos técnicos dependentes e em diálogo com esses elementos. Complementarmente, no campo das artes, olhamos para aquelas práticas que procuraram expandir-se para os contextos imediatos da cotidianidade, através de uma “estética da participação” ou, ainda, voltando-se para os quadros da realidade social e política. Através desses dois percursos iniciais, procuramos construir um movimento que fosse de algum modo convergente: entre a maneira como o campo da comunicação pode guardar uma dimensão estética e a forma como as vanguardas tardias propuseram uma arte processual e relacional.

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Artivismo é o nome que tem sido dado às diversas manifestações contemporâneas não apenas das artes visuais cujas características são: questionamento da noção de autoria e dos direitos autorais, trabalho conjunto de artistas (no lugar da produção individual), ações marcadas por intervenções no espaço público, de inspiração Situacionista, questionamento da chamada “Sociedade do Espetáculo”, à maneira de Guy Debord.

Por meio desses recortes conceituais e desse breve panorama, buscamos trazer obras, artistas, movimentos e tendências que pudessem explicar procedimentos que estão, de certo modo, presentes nas obras dos artistas que ora pesquisamos. A problemática da aproximação entre vida e arte é uma das premissas para se compreender a arte conceitual e influenciou sobremaneira a arte contemporânea, através dos seguintes pontos: o questionamento da autoria (a arte deixa de ser centrada na figura do artista); a abertura em relação ao entendimento do que podemos considerar como objeto da arte; o pensamento acerca das práticas que delimitam esse campo, que o tomam como próprio objeto de questionamento e, sobretudo, possibilitam o diálogo com outros campos de ação. Além dessas questões, a discussão sobre a linguagem e o estatuto da arte como campo de reflexão, mais do que da fruição visual, oferece importantes argumentos para situar o trabalho de Calle, Dias e Riedweg nas práticas conceitualistas. Suas obras promovem uma interessante mistura entre sensibilidade e inteligibilidade dos processos que nos dão a experimentar, seja através dos relatos orais ou escritos – em detrimento de uma visualidade a ser contemplada que, se não deixa de existir, é secundária –, seja através das mediações técnicas e comunicativas proporcionadas pelos dispositivos da fotografia e do vídeo.

Se a principal motivação das obras apresentadas aqui é a de resgatar a experiência dos sujeitos, é possível identificar, através dessas relações, a forte presença de um elemento comunicativo, conectado intimamente aos procedimentos artísticos. Visto que buscamos uma zona de fronteira, onde possam coincidir a dimensão estética da comunicação e a dimensão comunicativa da arte (quando vistas através de uma perspectiva relacional), nomeamos algumas figuras que pudessem responder por essa interseção. A interação, a mediação, a experiência e o processo não poderiam ser pensados a partir daqui, por seu caráter dialógico, como matrizes comuns de um acontecimento estético-comunicativo?

A partir dessas “figuras comunicativas”, estabelecemos algumas relações entre as práticas comunicativas e as práticas artísticas. A “estética da participação” dita a prioridade dada ao processo em detrimento do produto artístico, assim como é determinante dos dois momentos em que as obras se constituem: uma vivência inicial com os sujeitos (ou aparentemente solitária, no caso de Sophie) e, em determinados casos, a experiência estética recriada pelos espectadores no contato com a obra. Na obra desses artistas, os encontros com os sujeitos escolhidos para compartilhar o processo servem de matéria-prima, estão na base mesmo dos procedimentos estéticos

por eles utilizados. Mais do que uma participação, interação ou manipulação do objeto artístico, ocorre um verdadeiro entrelaçamento entre obra e sujeito, um é atravessado pelo outro.

Diretamente ligada a essas questões, está a maneira como podemos pensar o conceito de mediação nas práticas desses três artistas. No campo da arte, poderíamos entender a mediação como um tipo de envolvimento entre a obra e o sujeito, que pode se dar não apenas através da interatividade ou de uma manipulação que o espectador possa realizar na obra ou na criação do artista. Seu caráter dialógico pressupõe algo que vai além dos procedimentos interativos formais, já que a experiência dos sujeitos – com quem esses artistas buscam, num primeiro momento, interagir – é um a priori que desencadeia as demais relações e só depois dá origem à obra. Não se trata da forma ou do suporte com os quais esses artistas colocam em jogo a experiência, mas dos deslocamentos (mediações e interações) que são capazes de

promover. A mediação permite pensar os meios técnicos ou

informacionais para além da materialidade com que essas obras se nos apresentam. Podemos vê-las ainda como dispositivos, cujas práticas que tornam possíveis os encontros entre os sujeitos (tanto entre os participantes das oficinas ou ações, quanto com os espectadores) são mais complexas do que as simples denominações que costumamos atribuir às obras de arte. A vídeo-arte, as instalações, os happenings, performances, projeções, arte interativa e todos esse rótulos que queremos atribuir às materialidades artísticas e discursivas, mais do que suportes na obra desses artistas, são constelações de sentidos e subjetividades35.

A discussão perene sobre a inter-relação entre arte e vida, enfim, fez-se extremamente necessária aqui, já que as obras de Calle e Mau-Wal, por fazerem apelo à experiência, estão impregnadas da vitalidade dos que participam dos processos. Tampouco podem ser separadas dos contextos sociais específicos aos quais pertencem – como apontamos no item 2.3 – já que ambos abordam aspectos da vida íntima e

35Dedicaremos uma das partes do capítulo 4 (item 4.1) para nos aprofundar no conceito de dispositivo e perceber como ele atua nas obras de Calle e Mau-Wal.

social, ao trabalhar com individualidades e/ou coletividades marginais. Essas obras refletem, por fim, a aproximação com a vida cotidiana tão cara aos projetos das vanguardas tardias, pois sua matéria-prima é justamente a experiência ordinária.

Na contemporaneidade, apesar de assistirmos a um recuo das pretensões utópicas de que a arte pudesse de fato misturar-se à vida, permaneceu um interesse pelo sujeito e a experiência. Trabalhos como os de Mau-Wal e Sophie Calle exigem tanto a compreensão destas perspectivas teóricas que se ocupam em estabelecer o tipo de ligação que a arte cria com a realidade quanto daquelas que investem no entendimento da natureza da própria experiência comum, independente dos frames da arte. Tendo visualisado historicamente a preocupação com o diálogo entre arte e vida, é o momento de compreender a estratégia de que a arte hoje se utiliza para refletir sobre a vida e os comentários que é capaz de tecer sobre ela.

No documento Entre a comunicação e a arte: (páginas 61-64)