• Nenhum resultado encontrado

4.1 – Breve referência às origens históricas 4.1.1 – O povoamento e o urbanismo

A ilha da Madeira foi um dos primeiros territórios ultramarinos a ser colonizado, sendo a sua experiência urbanística, um exemplo marcante da formação dos lugares e das culturas, numa «reinvenção da civilização»90. O processo de colonização teve início com a descoberta

do arquipélago em 1419 por João Gonçalves Zarco, Bartolomeu Perestrelo e Tristão Vaz Teixeira. O povoamento teve início em 1425, desenvolvendo-se velozmente nos anos seguintes, reforçado com o estabelecimento do regime de capitanias a partir de 1440. Este regime permitia distribuir casais de colonos pelo território para a prática agrícola ainda que dependentes do seu senhor. Os primeiros colonos passaram um árduo período de adaptação, precisavam construir abrigo, trabalhar as terras, sustentar as famílias e produzir o suficiente para pagar a renda.

Os primeiros conjuntos urbanos tinham como referência, o modelo medieval, à semelhança do que ocorria no continente, resultando em grandes semelhanças entre cidades, como sejam os casos do Funchal, Ponta Delgada (São Miguel) e Vila Praia (Terceira), construídas no final do século XV. Os sítios escolhidos para a localização destas cidades apresentam características idênticas, «amplas baías abrigadas viradas a sul, com óptimas condições de porto natural […] protegidas nos extremos por morros e promontórios ou ilhas que asseguravam a fácil defesa da entrada do porto e da cidade.»91 Outra característica

medieval é a hierarquia entre ruas bem definida, «alternando ruas de frente e ruas de

90Victor Mestre em “Arquitectura Popular da Madeira”, pg. 65

91Manuel C. Teixeira e Margarida Valla em “O urbanismo Português – séculos XIII-XVIII Portugal-Brasil”,

traseiras, cortadas por transversais; os quarteirões de forma alongada e constituídos por um número idêntico de lotes; os lotes urbanos paralelos uns aos outros, indo de um lado ao outro dos quarteirões, com uma frente para a rua principal e outra frente para uma rua secundária; a localização de um espaço com funções de praça, mais ou menos estruturado, adjacente à rua principal ou na periferia do primitivo núcleo constituído e que, com o tempo, virá a ser incorporado na malha urbana»92

A partir do século XVI, por ordenação de D. Manuel I, adoptaram-se princípios teóricos e conceitos renascentistas na construção dos aglomerados urbanos, com origens em cidades medievais planeadas portuguesas de padrão geométrico, cujo principal elemento estruturante da malha urbana era a rua central que a atravessava. A restante malha urbana era composta por ruas paralelas à principal e por ruas secundarias que se cruzavam perpendicularmente, numa estrutura urbana regular. De uma origem do povoamento, onde o desenvolvimento dos núcleos populacionais era da inteira responsabilidade dos colonos, é-lhes posteriormente dado apoio técnico na organização do território e na construção de arruamentos de acordo com o padrão geométrico. Conforme conclui Manuel C. Teixeira e Margarida Valla, numa primeira fase a estrutura de ocupação do território insular «era essencialmente condicionada pelas condições físicas do território: o núcleo de ocupação primitivo implantava-se num local com boas condições de defesa e boas condições como porto natural, e a primeira rua, que viria a tornar-se a principal, acompanhava a curvatura da baía. A estrutura de ocupação que daí resultava era essencialmente linear»93. Posteriormente, «desenvolviam-se uma ou duas outras

ruas, paralelas à primeira e a curta distância desta para o interior. Apoiando-se nestes eixos (…) construíam-se, perpendicularmente (…) ruas transversais de pequena dimensão que os

92Victor Mestre em “Arquitectura Popular da Madeira”, pg. 49-50 93Idem, pg. 49

ligavam. Estruturavam-se assim um pequeno número de quarteirões, de forma sensivelmente rectangular (…) idênticas às das cidades medievais planeadas de Portugal continental do século XIII.»94

A cidade do Funchal é um exemplo destas duas fases do urbanismo na Madeira. Desde um urbanismo de traça marcadamente medieval a um modelo moderno, de inspiração renascentista. A sua rápida evolução foi possibilitada pela disponibilidade de recursos económicos, como a produção e comércio de açúcar e vinho, que trouxeram riqueza e visibilidade à região. No final do século XVI95, era já uma cidade incluída nas rotas atlânticas,

tendo uma população de 10 000 habitantes (e Lisboa de 120 000 habitantes).

Em síntese, os primórdios do povoamento e do urbanismo na Madeira ficam marcados pela criação de cidades, construídas com o intuito de «povoar, colonizar e defender o novo território»96, que adoptavam como referência e modelo urbanístico as cidades medievais

planeadas de Portugal, transparecendo assim, «a existência de princípios urbanísticos e de uma experiência urbanizadora que vinham de trás e que eram as referências imediatas para as fases iniciais de construção destas cidades atlânticas»97. No caso do Funchal, apresenta

uma forma relativamente simplificada do modelo que lhes dá origem, no último estado do urbanismo medieval europeu. Nas fases seguintes, esta cidade caracteriza-se pela construção de ruas paralelas à rua principal e à linha da costa, sendo a distância entre ruas cada vez

94Manuel C. Teixeira e Margarida Valla em “O urbanismo Português – séculos XIII-XVIII Portugal-Brasil”,

pg. 49

95Victor Mestre em “Arquitectura Popular da Madeira”, pg. 50 96Idem

97Idem, pg. 50

maior (as ruas perpendiculares ao mar eram cada vez mais longas).

Em termos arquitectónicos, os contributos do processo de colonização da ilha têm como imagem base o cunho da ‘Arquitectura Portuguesa’, entendida como «a maneira de a fazer portuguesa»98, num processo lento de reinvenção e de adaptação às condições

especificas do território e às necessidades reais das populações. Por um lado e de acordo com este autor, não existe na origem do seu povoamento, uma separação vincada entre a arquitectura urbana (das vilas) e a arquitectura rural madeirense. Idênticas tipologias habitacionais foram erigidas quer nos aglomerados urbanos quer nas zonas rurais, pela mão dos mesmos mestres construtores. Por outro lado, considerando a região nas suas condições geográficas, físicas e humanas únicas, emergiu uma “arquitectura inerente”99 de

características e materiais construtivos específicos, emergiram várias tipologias habitacionais (como se analisará no Capítulo 5) com diferentes razões e complexidades ainda que baseadas no cunho da arquitectura popular e da casa portuguesa (do continente). Procurava-se estabelecer relações vantajosas entre a habitação e os elementos característicos do espaço rural, como os canais de rega e as veredas. As construções são de pequena dimensão e fazem uso de materiais locais como a pedra basáltica e as madeiras autóctones.

Em geral, as formas dos edifícios, os espaços e os processos construtivos, foram herdados de geração em geração, evoluindo lentamente ao longo do tempo por influência de diversos factores, nomeadamente locais, culminando numa certa homogeneização e individualidade da identidade da arquitectura popular madeirense (como se analisará no capítulo seguinte). Como salienta Victor Mestre100, a identidade arquitectónica não se refere a um estilo ou

modelo da casa portuguesa, mas sim a uma imagem colectiva de aspectos formais das tipologias habitacionais ligadas ao cultivo da terra (em termos de escala, proporções, processos construtivos e harmonia) que estão presentes na arquitectura, apesar da variedade dos materiais disponíveis (granito, xisto, calcário, taipa, tijolo ou basalto), em análise mais detalhada no Capítulo 5. Este

autor, realiza uma vasta investigação por todo o território do arquipélago acerca do património edificado, em especial de cariz rural, na sequência do Inquérito lançado pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos na década de 1950 “Inquérito da Arquitectura Popular em Portugal” (em

98 Victor Mestre em “Arquitectura Popular da Madeira”, pg. 50 99Idem pg. 66

100Idem

breve análise no ponto 5.1).

Poder-se-á referir que quer em termos de povoamento, de urbanismo ou de tipologias arquitectónicas, adaptaram-se as tradições e os costumes enraizados nas diversas regiões do território continental de onde provinham os colonos, à Madeira.

Após a Segunda Guerra Mundial, a separação entre a casa e a prática da agricultura, alteram o território e acentuam a dispersão. Exemplo, é a encosta da cidade do Funchal, onde prolifera a construção de habitações dispersas, pequenos aglomerados urbanos que surgem sem qualquer tipo de planeamento ou controlo urbanístico. O gabinete de urbanismo da Câmara Municipal do Funchal foi criado pela mão do arquitecto José Rafael Botelho, autor do “Plano Director da Cidade do Funchal” de 1969 (ver figura seguinte).

Na década de 1970 o problema da construção dispersa tomou dimensões incontroláveis. Os edifícios foram sendo erigidos nos locais onde os proprietários assim o entendiam, a volumetria das edificações alterou-se e quase duplicou, os materiais de construção deixaram de ser locais, contribuindo para a descaracterização arquitectónica através de elementos dissonantes. Esta realidade assola até hoje todo o território insular, quer os aglomerados urbanos, quer os territórios rurais, históricos ou mais recentes, e até as zonas naturais endémicas (actualmente já protegidas, numa resposta tardia).

Actualmente o arquipélago caracteriza-se por um povoamento acentuadamente disperso, no qual os edifícios se encontram espalhados pelo território e pela paisagem sem procurar estabelecer aparentes ligações entre si ou uma organização confinada ao aglomerado urbano. Poder-se-á referir que a densidade construtiva e de infra-estruturas que caracteriza as cidades, também se encontra fora delas, ainda que desligadas da agricultura ou de outras actividades que caracterizam os espaços rurais como as descritas no ponto 3.1.2.