• Nenhum resultado encontrado

Breves comentários sobre a descentralização de políticas públicas

2.2 Políticas públicas

2.2.3 Políticas públicas no Brasil

2.2.3.1 Breves comentários sobre a descentralização de políticas públicas

Ainda sob o governo do general Geisel e uma vez desencadeado o processo de transição democrática, os estados e municípios passaram a reivindicar maior participação no processo de concepção, execução, gestão e, sobretudo, de alocação de recursos (SANTOS e RIBEIRO, 2004). Com a democratização e a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passa a experimentar uma guinada em direção à descentralização, com profundas alterações na natureza das relações intergovernamentais, haja vista o caráter federativo que o país assumiu desde então (ARRETCHE, 1999). Por conta disso, os governos subnacionais, de modo especial os estaduais, aumentaram sobremaneira sua importância. Segundo Abrucio (2005), as pessoas têm nos poderes locais sua maior referência estatal, uma vez que boa parte das políticas sociais e funções básicas do Estado são desempenhadas por estados e/ou municípios, quando não formuladas e financiadas por eles.

Porém, do ponto de vista administrativo, de acordo com Santos e Ribeiro (2004), instalou-se o caos no país, pois, de um lado, não foram definidas as competências e, de outro, o governo federal se desobrigou de políticas públicas estruturantes. As maiores conseqüências desta desobrigação, ainda segundo os autores, são a redução do alcance e do nível de qualidade das políticas públicas no Brasil.

De outro norte, Abrucio (2005) destaca que existe pouca literatura sobre a modernização dos governos estaduais, e que a maioria parte da hipótese de que os governos subnacionais são estigmatizados por um atraso histórico neste processo. Ainda conforme o autor, mesmo com o advento da Reforma Burocrática de 1930 e com o Decreto-Lei n° 200/1967, não houve real preocupação em se criar ou melhorar as administrações públicas estaduais, mesmo porque não havia um projeto de repasse de funções aos estados e municípios naquela época.

Alguns trabalhos sobre participação política popular cresceram, com destaque para o orçamento participativo, “No entanto, não existe nenhum texto amplo sobre modificações na gestão pública estadual” (ABRUCIO, 2005, p. 406).

Com base nos dados do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal (PNAGE), Abrucio (2005) nota que ocorreram algumas mudanças na administração pública estadual nos últimos anos. Estas

mudanças são decorrentes das inovações de governos específicos ou a programas patrocinados pelo governo federal, dos quais destacam-se as áreas previdenciária e financeira. Todavia, esses avanços não contemplam a gestão pública e suas inter-relações com o orçamento, o planejamento, as políticas públicas e as avaliações de desempenho.

À luz da federalização, não obstante os parcos avanços modernizadores, os governos estaduais vêm procurando aprofundar suas estratégias de regionalização, com maior descentralização das políticas públicas, aumento das parcerias e criação de instrumentos que melhorem a ação em seus territórios (ABRUCIO, 2005).

Por outro lado, consoante Santos e Ribeiro (2004), com a ascensão neoliberal nos ditames político-administrativos do Brasil, mais fortemente a partir da década de 1990, uma força desestruturadora passa pelas políticas públicas. Fato marcante, conforme apontado em outro momento72, foi a criação de agências executivas e regulatórias para gestão de certas áreas73. Dentre as agências com maior visibilidade, citam-se a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional das Águas (ANA).

De qualquer modo, segundo Arretche (1999), com exceção da área de previdência, as demais áreas da política social vêm sendo passadas, paulatinamente e em conjunto com um número significativo de atribuições de gestão, para os níveis estaduais e municipais de governo. No Estado federativo pós-1988, os estados e municípios tornaram-se politicamente autônomos, o que não significa que, automaticamente, os governos subnacionais assumam para si todas as atribuições de gestão de políticas públicas.

(...) a redefinição de competências e atribuições da gestão das políticas sociais tem- se realizado sob as bases institucionais de um Estado federativo, o que significa dizer que o modo pelo qual os governos locais assumem funções de gestão de políticas públicas é inteiramente distinto daquele sob o qual elas foram assumidas no regime militar (ARRETCHE, 1999, p. 114).

Arretche (1999) observa que a descentralização das políticas sociais não é simplesmente um produto da descentralização fiscal, nem das disposições constantes na Carta de 1988, mas, sim, decorrente de ação política deliberada e conduzida de modo eficiente. Diante disso, a assunção de atribuições de gestão de políticas públicas passa por estratégias de indução do governo federal, ou seja, estados e municípios assumem essas funções ou por

72

Vide 2.1.2.3., sobre a Nova Administração Pública.

73 Sobre instituições, agências executivas e regulatórias, ver: Melo (2001), Moraes (2003), Marcelino (2003), Pacheco (2006), Pó e Abrucio (2006).

iniciativa própria, ou por adesão a algum programa proposto por outro nível mais abrangente de governo, ou ainda por expressa imposição constitucional.

Com a recuperação das bases federativas do Estado brasileiro, Arretche (1999) verifica que, sob a prerrogativa da adesão, estados e municípios precisam ser incentivados para assumir a gestão de políticas públicas. Percebe-se, portanto, que as dificuldades para que a União (ou um governo estadual) delegue funções a um nível de governo menos abrangente são maiores hoje do que sob o regime militar.

Isto posto, estabelecem-se verdadeiras barganhas federativas, pelas quais cada nível de governo pretende transferir a uma outra administração a maior parte dos custos políticos e financeiros da gestão das políticas, e reservar para si a maior parte dos benefícios dela decorrentes. No caso brasileiro, dada a ampla dimensão da pobreza e, logo, da população-alvo dos programas sociais, “a gestão de políticas sociais em nosso país tende a ser simultaneamente cara e inefetiva, na medida em que tende a consumir um elevado volume de recursos e apresentar baixos níveis de proteção efetiva” (ARRETCHE, 1999, p. 115, grifo da autora).

Nesta linha de argumentação, a descentralização de políticas sociais no Brasil só pode ser efetiva se as administrações locais avaliarem positivamente os ganhos obtidos a partir da assunção de atribuições de gestão, ou considerarem que os custos com os quais deveriam arcar poderiam ser diminuídos pela ação dos outros níveis de governo. Arretche (1999, p. 115, grifos da autora) assim descreve as condições brasileiras atuais:

(...) a adesão dos governos locais à transferência de atribuições depende diretamente de um cálculo no qual são considerados, de um lado, os custos e benefícios fiscais e políticos derivados da decisão de assumir a gestão de uma dada política e, de outro, os próprios recursos fiscais e administrativos com os quais cada administração conta para desempenhar tal tarefa.

Segue-se do exposto que a descentralização fiscal não é condição suficiente para que uma dada administração decida aplicar o acréscimo de receitas dela derivada na implementação de programas em uma dada área pública. O sucesso de um programa de descentralização está intimamente relacionado com a decisão pela implantação de regras que efetivamente incentivem a adesão do nível de governo ao qual se dirigem. Dentre alguns dos fatores, analisam-se: os custos financeiros envolvidos na execução das funções de gestão; os custos de instalação da infra-estrutura necessária ao exercício das funções a serem descentralizadas; o volume da receita disponível; a escala da transferência de recursos; as

condições adversas derivadas da natureza das políticas; do legado das políticas prévias; dos atributos estruturais de estados e municípios (ARRETCHE, 1999).

Outro ponto de fundamental importância reside na percepção de elevados custos políticos. Arretche (1999) exemplifica com o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual preza pela universalidade do acesso por força constitucional. Por conta disso, implicam-se às administrações municipais custos políticos de não oferecer serviços em uma dada quantidade e qualidade – este fato representa um poderoso incentivo à municipalização. Com efeito, em 1997 o SUS alcançou taxas de adesão em cerca de 60% dos municípios brasileiros, que, por sua vez, foram responsáveis por mais da metade das consultas médicas no Brasil.

Arretche (1999) conclui, por fim, que o sucesso de um programa amplo de reforma do Estado que implique o (re)desenho do modelo nacional de prestação de serviços depende, indispensavelmente, da implementação de estratégias deliberadas e adequadas de incentivo à adesão dos governos locais.

A existência de uma estratégia de indução eficientemente desenhada e implementada (...) é um elemento central desta estrutura de incentivos, na medida em que, associada a requisitos ou exigências postos pela engenharia operacional de cada política, pelas regras constitucionais que normatizam sua oferta e pelo legado das políticas prévias (...) constituem elementos importantes da decisão local pela assunção de competências de gestão de políticas públicas (ARRETCHE, 1999, p.

122, grifos da autora).