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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE TEATRO

2 O CAMPO LITERÁRIO

2.4 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE TEATRO

Na busca de compreender aspectos abordados em temas a serem apresentados em teatro, sentimos a necessidade de enfatizar breves considerações presentes em obras e artigos sobre o assunto que, basicamente, deverão nos encaminhar para a direção de uma percepção crítica capaz de nos fornecer aportes para a análise de trabalhos escritos por autores e adaptadores de peças teatrais.

Ao tratar “A essência do teatro”, em Prismas do Teatro, Anatol Rosenfeld apresenta sua compreensão sobre a função do teatro:

O teatro, longe de ser apenas veículo da peça, instrumento a serviço do autor e da literatura, é uma arte de próprio direito, em função da qual é escrita a peça. Esta, em vez de servir-se do teatro, é ao contrário material dele. O teatro a incorpora como um dos seus elementos. O teatro, portanto, não é literatura, nem veículo dela. É uma arte diversa da literatura. O texto, a peça, literatura enquanto meramente declamados, tornam-se teatro no momento em que são representados, no momento, portanto, em que os declamadores, através da metamorfose, se transformam em personagens. (ROSENFELD, 2000, p.21).

De acordo com Anatol Rosenfeld, o texto literário, no formato teatral, somente pode ser considerado Literatura no momento em que é encenado. Ao contrário do que se pensava, esta forma de encarar o assunto pode contribuir como elemento modificador na compreensão de leitores e estudiosos sobre o assunto.

Acompanhando o pensamento de Rosenfeld, Yan Michalski aborda a questão, em artigo Literatura e Teatro: o conturbado, mas indissolúvel casamento (1984).

o código expressivo da encenação, da qual o texto é apenas uma matéria- prima, difere radicalmente do da obra literária, e por conseguinte exige, para ser decifrado, um outro mecanismo de leitura; mas também porque a leitura da obra literária é um ato individual e solitário, enquanto o contato com a realização teatral se dá, para cada espectador, no meio de uma coletividade, circunstância por si só suficiente para alterar o fundo, a natureza e o mecanismo da leitura. (MICHALSKI,1984,p.52).

Yan Michalski, para provar a lógica de sua compreensão sobre a relação da obra literária e a encenação, faz a seguinte assertiva: “se quisermos levar o

raciocínio às últimas conseqüências, poderemos constatar que em alguns casos é a rigor possível fazer teatro, e do melhor, dispensando por completo a linguagem verbal”. (1984, p.52). Yan Michalski vê a possibilidade de fazer-se teatro, também, sem o uso da palavra. Este é um recurso que o autor pode dispensar e não comprometer o espetáculo, passando a personagem a executar outro tipo de ação em sua performance. Ele cita como exemplo um espetáculo apresentado no Brasil que ele considerou um dos mais importantes nesta categoria – Tempo de Espera – “onde nenhuma palavra era pronunciada pelos personagens, sendo, portanto praticamente eliminado o elemento literário, sem que tal eliminação resultasse em qualquer empobrecimento do resultado teatral”. (MICHALSKI, 1984, p.52).

Por conseguinte, apreende-se que a “essência do teatro” é a transformação que o ator/atriz é capaz de exercer em uma personagem, tendo como base suas reminiscências ou a força da imaginação. Ao adaptar os modos de falar de suas personagens, Tatiana procurava enriquecer o sentido que o texto poderia exercer, mesmo em caso de personagens conhecidos como a boneca Emília, criação de Monteiro Lobato.

Cândida Vilares Gancho em Como Analisar Narrativas (2010), atribui às personagens a vivência dos fatos em uma história:

A personagem é um ser fictício responsável pelo desempenho do enredo; em outras palavras, é quem faz a ação. Por mais real que pareça, a personagem é sempre invenção, mesmo quando se constata que determinadas personagens são baseadas em pessoas reais ou em elementos da personalidade de determinado indivíduo. (GANCHO, 2010, p.17).

Embora, muitas vezes, as personagens de uma história pareçam tiradas da realidade, elas pertencem à história, e, portanto, podem ser encontradas nos enredos dos contos e das fábulas. Informa-nos Cândida Vilares Gancho que o caráter de ser personagem é atribuído somente ao ser presente na história, mesmo que seja direta ou indiretamente mencionado na narrativa.

Para dar ênfase à discussão acerca do caráter da personagem, Jean- Philippe Miraux, em Persona, Personaje e Verossimilitud (2005, p.15), aborda a compreensão de concepção do universo ficcional por Mallarmé e por Maurice Blanchot. Mallarmé sugere a existência de dois mundos: “o dos funcionários e dos

negócios, do intercâmbio, o mundo da linguagem grotesca e o universo da essência da criação e da estética”. Assim, entende Jean-Philippe Miraux que, ao olhar o mundo, o escritor o representa e esta sua relação com o mundo real e o universo ficcional é dialética e, portanto, recíproca. A compreensão de Maurice Blanchot em

L’espace littéraire (p.19) expressa “a ideia de personagem, como a forma tradicional

do romance, não é somente um dos compromissos pelos quais o escritor, observando de fora a essência da literatura tenta salvar suas relações com o mundo e consigo mesmo” (p.15). Jean-Philippe Miraux entende que esta reciprocidade, faz supor, que não há, pelo menos de inicio, uma pequena diferença entre a ficção e seu referente.

Jean-Philippe Miraux, ao se referir à compreensão de universo ficcional em Mallarmé, o faz no sentido de contribuir para esclarecer e aprofundar as várias interpretações estéticas em torno das concepções do poeta e escritor. Dentre estas, a forma de ver o mundo de dois modos: o mundo da ficção, que poucos são capazes de penetrá-lo e o mundo dos negócios, este, visto sob a representação do que é comum, menos complexo que o primeiro. Já Maurice Blanchot defende a ideia de que a ficção, sob o aspecto da personagem, implica em maior compromisso do escritor ao utilizar a literatura como meio de busca de uma essência e, desta forma, salvar suas relações com o mundo.

Essa discussão em torno da “personagem” nos faz resgatar o sentido do termo verossimilhança, criado pelo filósofo grego Aristóteles quando estudava as grandes obras teatrais, as tragédias. Para ele, o que proporcionava a simpatia do público com a peça era o efeito causado pela ilusão de verdade transmitida através da narrativa, mais do que a veracidade do que estava sendo narrado:

verossimilhança, é, pois, a essência do texto de ficção...Assim, os fatos de uma história não precisam ser verdadeiros (no sentido de corresponderem exatamente a fatos ocorridos no universo exterior ao texto), mas devem ser verossímeis; isto quer dizer que, mesmo sendo inventados, o leitor deve acreditar no que lê. (GANCHO, 2010, p. 12).

A verossimilhança, mesmo representada sob o aspecto ficcional, permite que o público tenha a sensação de que a apresentação de uma peça teatral pareça verdadeira, pois, o que a torna assim é a essência da fantasia.