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3. Faça com que o interlocutor se

1.3.3 Brown e Levinson (1987)

O modelo de polidez de Brown e Levinson (1987) é uma das obras mais repercutidas nos estudos linguísticos, tanto por suas imensas contribuições à teoria da polidez quanto pelas controvérsias que o circundam. Nele, os autores retomam a noção goffmaniana de face e avançam ao postular que todos nós temos uma face negativa e uma face positiva. A face positiva é definida pelos autores como nossa autoimagem positiva - vinculada ao desejo de sermos aprovados e apreciados - e a face negativa está relacionada à necessidade de preservação do nosso território pessoal e ao desejo de não termos nossas ações restringidas pelos outros participantes da interação (BROWN; LEVINSON, 1987).

Embora façamos esforços cooperativos mútuos para a manutenção de nossas faces positivas (uma vez que todos os participantes da interação compartilham da vulnerabilidade de suas respectivas faces), é evidente que certos tipos de ações representam ameaças às faces dos interactantes (BROWN; LEVINSON, 1987). Esses atos ameaçadores à face ( face threatening act - FTA) podem ser direcionados tanto à face positiva quanto à face negativa. Os atos potencialmente ameaçadores da face positiva são:

(1) FTAs que ameaçam a face positiva do falante , como choro ou riso descontrolado, aceitação de elogios, confissão de culpa ou qualquer outro ato que coloque o falante em uma posição de desconforto.

(2) FTAs que ameaçam a face positiva do ouvinte - denotam falta de consideração do falante pelas necessidades e desejos da face do ouvinte, como:

(a) Atos que demonstram uma avaliação negativa do falante em relação à face positiva do ouvinte, como críticas, insultos, discordâncias, acusações, entre outros; e

(b) Atos que demonstram que o falante é indiferente à face positiva do ouvinte, como demonstração de descontrole emocional e menções a assuntos tabus ou polêmicos (como sexo, religião, política, entre outros).

Já os atos potencialmente ameaçadores à face negativa são:

(1) FTAs que ameaçam a face negativa do falante : são atos que ofendem a face negativa do falante, como demonstrações de gratidão, ofertas e promessas que ele não deseja cumprir, etc.

(2) FTAs que ameaçam a face negativa do ouvinte :

(a) Atos que pressupõem uma ação futura do ouvinte e que, portanto, o pressionam a agir (ou deixar de agir) de determinada maneira, como por exemplo quando o falante dá ordens, faz pedidos, sugere, aconselha, ameaça ou alerta o ouvinte;

(b) Atos que pressupõem ações futuras (positivas) do falante em relação ao ouvinte e que o pressionam a aceitar ou rejeitar a ação. Alguns exemplos desse tipo de ato são ofertas e promessas; e

(c) Atos que pressupõem desejo do falante em relação ao ouvinte ou aos bens do ouvinte e que fazem com que este sinta que precisa “agir para proteger ou dar o objeto de desejo” ao falante, como em casos de elogios e demonstração de inveja ou admiração por parte do falante (BROWN; LEVINSON, 1987, p. 66).

Conforme Brown e Levinson (1987, p. 67) advertem, é possível que algumas dessas classificações se sobreponham pois “alguns FTAs ameaçam intrinsecamente tanto a face positiva quanto a face negativa (como reclamações, interrupções, ameaças, fortes demonstrações de emoções, solicitações de informações pessoais)”. Os autores afirmam, ainda, que a racionalidade dos agentes envolvidos na interação os leva a evitar os FTAs ou a lançar mão de estratégias que possam minimizar seus efeitos (BROWN; LEVINSON, 1987). A figura a seguir representa as estratégias elencadas pelos autores para a realização dos FTAs:

Figura 1: Estratégias possíveis para a realização de FTAs

Fonte: Brown e Levinson (1987, p. 69, traduzido e adaptado por mim).

Conforme afirmam Brown e Levinson (1987, p. 69), as estratégias de FTAs indiretos “incluem metáfora e ironia, perguntas retóricas, eufemismos, tautologias e todo tipo de pista que indique o que o falante deseja comunicar sem que ele precise fazê-lo diretamente, de modo que o sentido seja negociável em alguma medida”. Dessa forma, o falante não se compromete e os riscos à face são de certa forma amenizados.

Ao optar por realizar um FTA de forma direta, os participantes devem optar ainda por realizá-lo com ou sem ações reparadoras. Ações de reparo são mitigadores que buscam compensar ou neutralizar o dano à face. Ao dispensar o uso de reparo, os participantes realizam o FTA da forma mais concisa e direta o quanto for possível, assumindo os riscos de provocarem danos às faces (BROWN; LEVINSON, 1987, p. 69). As circunstâncias nas quais FTAs sem ação de reparo ocorrem são:

[Q]uando o falante não teme retaliação por parte do interlocutor, como por exemplo em circunstâncias nas quais (a) S e H concordam tacitamente que a relevância das exigências da face pode ser suspensa em função da urgência ou da eficiência do ato; (b) quando o dano à face de H é muito pequena, como em ofertas, pedidos e

sugestões que são claramente do interesse de H e que não exigem grandes sacrifícios de S (como em ‘Venha aqui’ ou ‘Sente-se’); e quando S é muito superior a H em termos de poder ou pode engajar a audiência a ajudá-lo a destruir a face de H sem perder a sua própria (BROWN; LEVINSON, 1987, p. 69, destaque dos autores).

Como a Figura 1 demonstra, é na ocasião de realização de FTAs com ações de reparo que os conceitos de polidez positiva e polidez negativa surgem no modelo de Brown e Levinson (1987). Para os autores, a polidez positiva é direcionada à face positiva do interlocutor e, ao lançar mão dela, o falante utiliza estratégias de modo a demonstrar que, em algum nível, ele e o ouvinte possuem interesses em comum (BROWN; LEVINSON, 1987). Assim, as ameaças à face são drasticamente reduzidas pois todos os interactantes compartilham do desejo de serem socialmente aceitos e reconhecem esse desejo uns nos outros. A polidez negativa, por sua vez, é direcionada à preservação da face negativa do falante. Ao utilizá-la, o falante evita invadir a face do ouvinte e se impor. A seguir, apresento as estratégias de polidez positiva e polidez negativa conforme apresentadas por Brown e Levinson (1987):

Quadro 3: Estratégias de Polidez de acordo com Brown e Levinson (1987)