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Figura 20 - A Bruxa Grande - 1976 - Nanquim sobre papel - 65,0 x 43,1 cm. Tabela 21 - Níveis de análise da Figura 20.

Descrição

Predominância do nanquim. Linhas e hachuras bem marcadas. Figura feminina em plano maior. Casarios em pequeno plano. Identificação

Figura feminina identificada como uma bruxa. Sapatos estão desenhados como edifícios. Estes pisam em casas, árvores, pessoas e igrejas. Moedas caem da mão da bruxa.

Interpretação

A bruxa grande. A temática bruxólica é a mais conhecida na obra do artista e representa o atrativo turístico cultural da cidade de Florianópolis, também conhecida como Ilha da Magia, pela existência de bruxas.

Observamos aqui no nível primário de análise os desenhos em diferentes proporções de tamanho. Numa escala maior, em destaque da representação,

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observamos a figura feminina. Na parte inferior da obra, abaixo dos pés da grande figura, encontra-se desenhados casarios, árvores, pessoas e igrejas. O desenho é nanquim com hachuras retas e bem definidas.

A cidade de Florianópolis foi formada, através dos anos, por uma estética que a tipificou na mito magia; estética essa muito aceita pelo público mas que de certa forma deixou de lado muitas outras questões na obra de Cascaes, que podemos apreciar nesta tese. Identificamos aqui na análise iconográfica, como observado no título da obra, uma bruxa. De acordo com o crítico de arte Péricles Prade “a obra plástica e literária de Franklin Cascaes é abrangida, indiscutivelmente, pelo universo fantástico” (PRADE, 2009, p.9). Mas a crítica, ao não se debruçar com seriedade sobre o trabalho deste artista acabou por criar imagens que passaram a indicar a “própria personalidade do litoral catarinense” (ANDRADE FILHO, 2005, p.8). Descrevemos a bruxa com seus longos cabelos, adornados por uma vassoura; sua roupa apresenta- se com bastantes acessórios, inclusive uma ferradura, que no conhecimento popular é utilizado como amuleto para repelir bruxas. No pulso carrega uma pulseira em formato de figa. Estes acessórios demonstram que a bruxa em Florianópolis não é assombrada com tais talismãs, é uma bruxa moderna, como a cidade estava se tornando. As botas que calçam a bruxa apresentam-se em grandes edifícios, com roupas penduradas nos varais. E com suas botas a bruxa pisa nos antigos casarios existentes na cidade, na população local, no meio ambiente, representado por árvores e nas antigas igrejas. Estes prédios estão tomando o lugar do casario colonial. E de sua mão cai moedas, referenciando a compra das propriedades locais a baixo custo, frente à especulação imobiliária.

A interpretação iconológica da obra aqui se relaciona com o processo de urbanização e modernização da cidade de Florianópolis, por meio dos registros de cenas e representações das bruxas. Portanto, vimos que Cascaes reproduziu práticas cotidianas, explorou aspectos míticos e desenvolveu uma postura crítica em relação à crescente urbanização que descaracterizava as comunidades retratadas, embebendo- se “como uma esponja dessa onda que reflui de recordações e se dilata” (CALVINO, 1990, p.14). A bruxa é, na obra de Cascaes, sinônimo da Modernidade. Uma modernidade que vem atropelando os saberes e culturas tradicionais.

Cascaes ficava incomodado com as bruscas intervenções na paisagem do seu tempo, principalmente, com as “ausências” destas decorrentes. O espaço transformado ia paulatinamente modificando sob diferentes maneiras o cotidiano da população local. A obra de Cascaes foi desenvolvida ao longo de muitos anos de sua

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vida. Nos seus diários esboçava seus desejos, suas preocupações com a preservação cultural e ambiental. Com destaque, ele nos mostra que as transformações urbanas estavam ocupando um espaço desordenado nas tradições, na cultura local e no meio ambiente. Estas transformações, este ambiente de crescimento decorrente da modernidade, são para Flores “ao mesmo tempo, ameaça constante, destruição, envelhecimento rápido” (FLORES, In: FLORES, 2006, p.26). Cascaes transformou sua experiência e sua vivência em memória. A memória – individual, coletiva, social ou cultural – aparece como uma forma de contato entre tempos e sujeitos, de forma afetiva. Em seu território está o trauma, a lembrança, o esquecimento, a melancolia. A permanência e divulgação desta obra no museu na cidade de Florianópolis faz que com os moradores e visitantes estrangeiros possam rememorar uma Florianópolis que já não existe mais, possam nostalgicamente reviver um passado que se encontra presente neste desenho. E mais, a partir deste reconhecimento, valorar a história, o meio ambiente e o outro, que ainda existem na cidade.

De acordo com Reader (1978, p.22), o pintor geralmente se exprime pela representação do mundo visível, ou seja, “a arte não é a expressão em forma plástica de qualquer ideal particular, é a expressão de qualquer ideal realizável pelo artista em forma plástica”. No entanto, sem o estudo, classificação e aplicação do significado correto das imagens, a obra de arte torna-se uma cópia do exterior desprovida de conteúdos e ideias. Aqui também está embutida o processo de patrimonialização, como o processo pelo qual se gera o vínculo patrimonial entre a representação da obra e o indivíduo. Ao concedermos valores à obra, o indivíduo se identifica com a obra de arte, que então passa a fazer parte dele na condição de ser social. Identificamos, na “Bruxa Grande”, um patrimônio com fator social politizado na memória e no tecido cultural.

E despontando a também preocupação política de Cascaes frente aos problemas nacionais, analisaremos uma obra que reflete um momento político e histórico nacional, mas bastante relacionado com a alegoria que Cascaes faz as bruxas na cidade de Florianópolis.

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