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Figura 19 - Saudosa Procissão das Tainhas na Barra da Lagoa da Conceição da Ilha de Stª Catarina - 1980 - Grafite sobre papel - 60,1 x 65,9 cm.

Tabela 20 - Níveis de análise da Figura 19.

Descrição

Grafite sobre papel.

Modulações de tons: tons escuros para os desenhos de peixes e o andor; tons claros para as edificações, automóveis e personagens que caminham.

Esfumaçado a grafite nos desenhos de edifícios e personagens. Embarcações e outros elementos de pesca.

Identificação

Desenho alegórico de tainhas em procissão. Quatro peixes seguram o andor, outros quatro carregam luminárias, um peixe leva uma bandeira e outro peixe, representativo de uma santidade encontra-se em cima do andor. Quatro pessoas e um cachorro caminham em procissão, estão em primeiro plano com dois carros e dois edifícios. Há duas embarcações, elementos de pescaria e um rancho de pescador.

Interpretação

Encontramos também outras obras que fazem referência a perda da tradição, representado de forma figurativa: “a procissão do café sombreado de Ratones”; “procissão da mandioca no Campeche” e “procissão da Laranja na Trindade”, todos na cidade de Florianópolis Cidade e modernidade são temas determinantes e inseparáveis na obra de Franklin Joaquim Cascaes. O grafite sobre papel é o grande destaque na descrição pré iconográfica da figura 19. Os tons claros e escuros são marcantes para dar maior ou menor peso a determinada figuração. É uma representação alegórica de uma

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procissão de peixes, mais especificamente, tainhas.

Florianópolis é aqui caracterizada e compreendida por meio da obra de Cascaes sob o ponto de vista da modernidade e da alegoria. É através do seu olhar que a cidade é transfigurada alegoricamente. “Escritores e intelectuais sempre gravitaram ao redor das cidades” (MENEZES, 2006, p.03). Então, para o segundo nível de análise, descrevemos os elementos pertencentes a esta imagem da cidade de Florianópolis que é, na obra de Franklin Cascaes, fonte de produção inesgotável. Neste desenho intitulado “Saudosa Procissão das Tainhas na Barra da Lagoa da Conceição da Ilha de Stª Catarina 8-7-1975”, Cascaes escreve no lado direito inferior “A grande Fuga para o asfalto. Morreu a pesca artesanal”. Vemos, portanto, esta fuga em procissão, os peixes seguem em cortejo, saindo do mar, em direção as edificações que se apresentam no canto esquerdo inferior. Atrás dos peixes encontram-se elementos da pesca artesanal, como o leme, a tarrafa, os barcos, anzol, o rancho de pescador. O desenho acima mostra a cidade com seu silêncio e o surgimento dos edifícios. Em Cascaes nos aproximamos de um passado recente e transformado, reencontramos um presente que insiste em não se extinguir. Para Baudelaire, o passado é interessante “não somente pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem constituía o presente, mas igualmente como passado, por seu valor histórico”. (BAUDELAIRE, 1996, p.8).

Na interpretação iconológica, observamos “que ali fogem expulsos pela pesca comercial, pela especulação imobiliária e pelos imóveis agora verticais, a pesca artesanal, a festa tradicional e a população local” (KRÜGER, 2010, p.27). A verticalização das grandes metrópoles caracteriza o fenômeno moderno do final do século XIX e em Florianópolis isto se dá em meados do século XX. E Cascaes faz uso de sua sensibilidade e de seu imaginário, para registrar estas transformações tão impactantes para o morador da cidade de Florianópolis. Segundo Menezes, para Baudelaire, “o verdadeiro artista é inteiramente treinado pela observação e pela sensibilidade e não simplesmente pela técnica” (MENEZES, 2006, p.8).

O estudo sobre o tema alegoria é extenso e envolve diversos autores, mas adotaremos o que foi exposto por Walter Benjamin (2009). Por meio da alegoria presente no desenho da procissão, Cascaes lamenta as transformações impostas pelo tempo, tornando estas alegorias lembranças do contexto em que o artista viveu. Na representação da cidade vemos “alegoricamente uma manifestação de perda das manifestações tradicionais onde o crescimento urbano da cidade de Florianópolis afeta diretamente os hábitos arraigados e atividades produtivas locais” (KRÜGER, 2010, p.23). São alegorias de uma cidade que lamenta o que já se perdeu, que lamenta suas

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ruínas.

Franklin Joaquim Cascaes em seus desenhos transforma a cidade de Florianópolis em poesia, em cada momento figurado em seus desenhos, percebe-se como protagonista principal a cidade. Quando observamos esta imagem preservada no Museu, podemos “idealizar” o tempo exato em que as coisas se deram, ou seja, o momento em que a obra foi elaborada. O tempo, o espaço e as circunstancias são preservadas no Museu por meio de suas representações. Aqui está manifestada uma memória histórica, e é por meio dela, que este fato ocorrido, exterior a minha vida, vem assim mesmo deixar sua impressão. Para Halbwachs (2006, p.80) a impressão é feita por fora, “sem relação com a minha memória pessoal e minhas impressões de criança”, tal dia e tal hora vista dessa impressão me farão recordar o dia ou a hora da imagem produzida por Cascaes.

Há na mesma temática desenvolvida para esta obra, outras três com o mesmo viés alegórico e crítico, que manifesta a indignação do artista com a perda da tradição, com a modernização da cidade, com a vinda do asfalto, com a venda de terrenos de forma intensa e excessiva pelos moradores aos empresários e outros interessados, e com a nova denominação feita à festa religiosa da santíssima trindade, vindo a se chamar Festa da Laranja. Existe uma tensão entre o real e o imaginário em sua obra, mas ambas retratam a desesperança do artista perante a contradição do mundo, há uma preocupação social que atravessa a vida e a criação de Cascaes. Estas imagens alegóricas nos sugerem um novo modo de ver a cidade de Florianópolis, convidando- nos a reaprender a olhar.

Dando continuidade as imagens que refletem a preocupação do artista com a modernização da cidade de Florianópolis, com a especulação imobiliária e o crescimento desordenado, analisaremos o desenho abaixo.

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