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BURLE MARX E O SÍTIO: A VALORIZAÇÃO DO JARDINEIRO

4 RETRATO JARDINEIRO

4.2 BURLE MARX E O SÍTIO: A VALORIZAÇÃO DO JARDINEIRO

A especificidade do contexto de formação dos entrevistados está associada às particularidades do próprio sítio e, especialmente à convivência com Burle Marx. Lembrando que esses temas correspondem à 22, 1% das ideias centrais identificadas no conjunto de entrevistas, entendemos que os mesmos constituem campos de investigação que podem ser mais explorados em pesquisas futuras. Nesta pesquisa, e especificamente neste tópico, procuramos ressaltar a importância que eles tiveram na trajetória dos jardineiros.

Os relatos sobre o sítio reúnem informações sobre suas diferentes funções, dificuldades, dentre outras a partir das quais é possível vislumbrar um breve histórico do mesmo. Inicialmente adquirido para abrigar a coleção de plantas de Burle Marx, ele também foi viveiro de espécies para uso no paisagismo e se tornou um patrimônio nacional com objetivo de conservar a nossa flora. Como participantes ativos desta história, os jardineiros usufruíram de uma sólida infraestrutura para a sua formação e desenvolvimento profissional e, o que é mais importante, vivenciaram as múltiplas etapas de um projeto de paisagismo: desde o cultivo de plantas à execução de jardins e sua manutenção visando a conservação. Consideramos que essa vivência foi essencial para que eles pudessem desenvolver a consciência da amplitude de suas atitudes e, consequentemente, o amor à natureza que tanto mencionam.

Já os depoimentos sobre Burle Marx, revelam a admiração dos jardineiros pelo o que ele realizou bem como por sua personalidade forte e amigável. Dentre suas realizações mais mencionadas, figuram: projetos de paisagismo, as expedições para coleta de plantas, a coleção de plantas que reuniu no sítio, o próprio sítio, a pintura, e a formação dos jardineiros que trabalharam com ele. Além da orientação direta que transmitia, ele propiciava aos seus funcionários a oportunidade de fazer cursos, como explica Elias:

(...) no começo da fundação teve uns cursos aí que nós fizemos, eu também fiz, tenho o diploma lá em casa, de paisagismo que ele colocava para gente cada dia mais.” (...) Ele trazia as pessoas qualificadas para isso, para vir, falar, conversar, dar aulas, essas coisas, explicar. Às vezes até pessoas que trabalhavam, no escritório dele mesmo, já com isso há muito tempo, projeto e essas coisas, então ele fazia tudo isso. (Elias, nformação verbal, 2017)

Aliás, uma das intenções que Burle Marx manifestou, mas não chegou a concretizar, foi a de estruturar a escola de jardinagem que acontecia no Sítio para ampliá-la e continuar formando jardineiros, bem como para proporcionar um ambiente de pesquisa científica voltada à preservação da nossa flora. Segundo Carlos, algumas salas de aula até foram construídas, mas

precisaram ser utilizadas para abrigar o que hoje é a parte administrativa do sítio. Mesmo assim, ele lembra que no sítio chegaram a se formar alguns jardineiros:

Sei que ele queria muito a escola de jardinagem aqui, era o sonho dele. Porque na verdade a escola já existia, só que existia para os funcionários dele, que ele ensinou a todos, ninguém veio para cá já sabendo trabalhar, ninguém veio para cá jardineiro, todos se fizeram jardineiros aqui, trabalhando com ele.. (Carlos, nformação verbal, 2017)

Quanto a personalidade de Burle Marx, são recorrentes as menções ao rigor que ele exigia na execução das tarefas que solicitava, mas também ao seu “grande coração” e “simplicidade”. Ele mantinha uma grande aproximação com todos seus funcionários, exemplo disso são as festas que realizava no final de todo ano para confraternizar com todos, inclusive suas famílias.

(...) ele fazia festa para a gente aqui, de final de ano, e as festas não eram só para a gente, era para a família. Então, ele familiarizava com a nossa família, vinha esposa, vinha filho, ele dava presente para a esposa, dava presente para os filhos, ele viajava ele trazia… nas festas ele fazia sorteio de coisas boas, eletrodoméstico, coisas boas, era uma festa! (Delci, informação verbal, 2017)

Outra ocasião em que o paisagista demonstrava essa aproximação com os jardineiros era durante as expedições para coleta de plantas. Segundo os entrevistados, ele tratava todos funcionários como amigos, sem distinção. Sinval compartilha um exemplo disto:

(...) pessoas influentes, pessoas de dinheiro que viajavam com ele, ia para o restaurante, mandavam o garçom separar a mesa, para sentar junto com ele, ele [dizia] - ‘não, quero todo mundo aqui com meus amigos’. Mandava juntar aquele monte de mesa, sentava todo mundo junto, ele, a ‘peãozada’, pessoal que caía no mato, não tinha, não fazia distinção. (Sinval, nformação verbal, 2017)

Para Paulo, a forma como era tratado por Burle Marx era inclusive uma motivação para ele desenvolver melhor seu trabalho:

(...) fomos para Bahia, uma porção de canto aí para coletar planta na época do Burle Marx, era muito bom, ele era alegre, fazia as brincadeiras dele, ele tratou a gente legal, bem, é o que dava força a gente tratar melhor até do jardim, a vida dele era isso aqui, na verdade. (Paulo, nformação verbal, 2017)

Diante disto, entendemos que a importância maior da convivência dos entrevistados com Burle Marx foi a de se sentirem valorizados enquanto jardineiros. Ao encontrar no paisagista tanto exemplo, incentivo e subsídios para aprenderem a jardinagem, quanto reconhecimento pelo aprendizado e trabalho desenvolvidos, eles puderam descobrir a beleza da própria profissão e motivações para realizá-la com cada vez mais dedicação e esmero, e

como dizem, com amor. Carlos menciona um exemplo de como Burle Marx valorizava os jardineiros e os resultados “impressionantes” dessa atitude que formou ótimos profissionais.

Quer dizer, ele ensinava direto para as pessoas, ninguém nenhum jardineiro fez curso de agronomia aqui no sítio e todos são bons agrônomos, na prática, são excelentes. Diferente do profissional formado que não tem a técnica que muitos aqui tem, isso aí é assim uma coisa impressionante. Ele reconhecia isso, tanto é que quando ele fez a doação do sítio, ele fez a doação com uma condição, que alguns funcionários dele ficassem como servidor, para continuar cuidando da coleção, essa foi a condição dele. Eu sou um deles e tem vários outros. Desses profissionais, cinco eram encarregados, eles foram enquadrados como servidores de nível superior no entanto, todos tinham nível fundamental de escolaridade, quer dizer, semianalfabetos mas com conhecimento de 20 e poucos anos com ele, então eram verdadeiros agrônomos e ele reconheceu isso. Então eu acho isso muito bonito, ele ensinava mas ele valorizava, não era - ‘eu ensino porque quero que façam e tudo bem’, não é assim. Ele ensinava e valorizava a pessoa, então você sentia prazer em aprender. (Carlos, nformação verbal, 2017)

Em vista do que foi apresentado, concluímos que o trabalho desenvolvido por Burle Marx, tendo o sítio como principal legado material, também deixou um patrimônio imaterial de inestimável valor: os jardineiros formados em sua escola prática. Eles são essenciais para a conservação do sítio e, se adotados como exemplos, podem contribuir significativamente para a conservação de jardins no Brasil de forma geral. Seu reconhecimento e valorização talvez sejam os primeiros passos na direção da construção de uma escola de jardinagem brasileira sólida e capaz de formar profissionais capacitados para atender as demandas atuais do paisagismo, dentre as quais, a conservação de jardins históricos, como os do próprio Burle Marx em recife.