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Burnout e variáveis de personalidade

CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA

4. Burnout e variáveis de personalidade

A actividade profissional, com todas as suas contrariedades e constrangimentos, revela-se desde logo, como um factor que contribui para a construção e desenvolvimento da personalidade, quer pelas experiências que proporciona, quer pelas tarefas, quer pelo ambiente social. No trabalho, o indivíduo confronta-se com uma diversidade de tarefas que tem de desempenhar, sejam elas rotineiras ou excepcionais, simples ou complexas, rápidas ou demoradas. Essas tarefas constituem desafios de várias ordens e, nesse sentido, também constituem oportunidades de superação para o indivíduo. A forma como o indivíduo supera tais dificuldades, como executa essas tarefas e os resultados que obtém, fornecem-lhe informações sobre as suas capacidades, competências e potenciais. Esta informação reforça, ou reformula a imagem de si

mesmo, sendo assim, integrada na personalidade (Ramos, 2001). Nesse sentido, podemos considerar que o trabalho se assume como um elemento crucial na estruturação da personalidade. Curiosamente, este permite a expressão e a realização de uma personalidade em construção e, em simultâneo, fornece-lhe matéria para a sua própria reinvenção. Assim, o trabalho tanto pode proporcionar bem-estar, equilíbrio, realização pessoal e saúde, como mal-estar, desequilíbrio, stress, frustração e doença, assumindo-se como uma das dimensões fundamentais da existência humana.

Nesse sentido, na articulação entre a actividade profissional e as características individuais, o trabalho estimula e proporciona a expressão e a realização das tendências profundas da personalidade. Assim, o trabalho assume-se como um meio de expressão individual e de desenvolvimento, em que a personalidade do indivíduo condiciona a forma como este percebe e interpreta as diferentes situações do seu quotidiano. Por outro lado, parece ser aceite pela comunidade científica que a personalidade sofre alterações ao longo da vida, recriando-se e transformando-se em função das relações e transacções nas diferentes dimensões da vida do sujeito. Por isso, a personalidade não pode ser concebida somente como um simples produto de elementos biológicos ou sociais, mas contemplando também a interacção dos factores inatos (hereditariedade, temperamento, carácter, entre outros) e dos factores adquiridos. Nesta linha de pensamento, é muito importante que a personalidade seja considerada como um fenómeno em constante mudança, salvaguardando, no entanto, que existem elementos estáveis ou estruturais que se sobrepõem ao tempo e tornam decisivos para a compreensão do comportamento (Hall & Lindzei, 1993).

A investigação realizada nas áreas da personalidade e da psicologia social documenta que a vulnerabilidade aos agentes e fontes de stress difere de pessoa para pessoa, de acordo com as suas características individuais. Os traços de personalidade surgem na literatura como preditores significativos do burnout. Alguns estudos destacam para a atenção do papel da afectividade negativa ou neuroticíssimo no burnout (Iacovides, Fountoulakis & St. Kaprinis, 2003; Kim, Shin & Swanger, 2009), outros para a relação entre o burnout e a personalidade do tipo A (Ganster, 1986; Kirmeyer, 1988), para o papel do hardiness (Rush, Schoel & Barnard, 1995) e no papel da afectividade positiva ou extroversão (Kahn, Schneider, Jenkins-Henkelman & Moyle,

Segundo Kim e colaboradores (2009), o modelo de personalidade Big Five é o mais citado na investigação relacionada com o burnout (Allen & Mellor, 2002; Goddard, Patton & Creed, 2004; Hudek-Knežević, Maglica & Krapić, 2011), embora as conclusões tecidas nem sempre são convergentes e consistentes. Contudo, a literatura realça o neuroticíssimo como a característica individual mais fortemente relacionado com o burnout das dimensões dos cinco factores (Hudek-Knezevié et al., 2011). Alguns estudos revelam que a extroversão está relacionada negativamente com a exaustão emocional; a agradabilidade está relacionada negativamente com a despersonalização; a consciência e a agradabilidade estão positivamente relacionadas com a realização profissional enquanto o neuroticíssimo está relacionado positivamente a exaustão emocional e a despersonalização (Bakker et al., 2000; Hudek-Knezevié et al., 2011; Kim et al., 2007).

Na perspectiva das características de personalidade, encontramos o conceito de resiliência. Muitas vezes comparado a um escudo protector que alguns indivíduos teriam, segundo Ralha-Simões (2001, p.70) assume-se como uma possibilidade de flexibilidade interna que lhes tornaria possível agir com sucesso, adaptando-se perante as adversidades, e como tal, o “indivíduo resiliente parece apresentar uma estrutura de

personalidade precoce e adequadamente diferenciada, a par com uma grande capacidade de abertura a novas experiências, novos valores e a factores de transformação dessa mesma estrutura, que apesar de ser bem estabelecida, é flexível e não apresenta resistência à mudança”. De acordo com as investigações e as tentativas

de aplicação no terreno encontradas até ao momento, a resiliência pode ser abordada tanto como um conceito ou traço de personalidade, como o resultado de um processo, o próprio processo ou um modo específico de funcionamento. Ainda, noutros estudos, é feita a referência ao conceito de hardiness, que diz respeito ao constructo de personalidade resistente (Mallar & Capitão, 2004; Kobasa, Maddi & Kahn, 1982).

O constructo de personalidade resistente, doravante designada por hardiness, advém de conceitos teóricos do existencialismo, para o qual o indivíduo, ao longo de sua vida, das suas acções, de uma forma contínua, vai construindo sua personalidade, com inevitáveis mudanças associadas a situações stressantes (Peñacoba & Moreno, 1998). Este conceito não pode ser entendido como um traço inerente e estático, mas como o resultado da relação entre indivíduo-meio, no qual o hardiness traduz a

capacidade de o indivíduo resistir às adversidades. Durante os últimos 20 anos, a concepção de hardiness emergiu como disposição de personalidade que aumenta o desempenho, a conduta, a moral, a força e a saúde, actuando assim como um preditor negativo do stress e consequentemente do burnout. Alguns estudos mostram que os mecanismos desta variável de personalidade podem preservar a saúde, aumentar o desempenho e promover mudanças na vida, tornando-a menos stressante (Moreno- Jimenez et al., 2000). O conceito de hardiness foi desenvolvido por Kobasa, Maddi e Kahn, em 1982, no sentido de protecção em face de estímulos que causam grande stress. Surge como uma constelação de características de personalidade que funcionam como uma fonte de resistência em relação a acontecimentos de vida stressantes. Salton (2002) compara essa resistência ao stress a um “colete à prova de bala”, composto por características de personalidade como a ousadia, ausência de sentimentos de desamparo e estilo activo e não-passivo de viver, podendo ser resumidas, em três dimensões: compromisso, controle e desafio. As pessoas com estas características, podem beneficiar tanto da sua autonomia como da sua intencionalidade, sentindo-se com capacidade de actuar de forma efectiva e por conta própria. A capacidade de controlo permite ao indivíduo perceber muitos dos acontecimentos geradores de stress, as consequências previsíveis em função das suas próprias acções e, consequentemente manipulá-los de acordo com os estímulos em benefício próprio.

Terminado o enquadramento geral do tema, apresentamos seguidamente a metodologia dos estudos empíricos realizados.

CAPÍTULO II METODOLOGIA

Neste capítulo descreveremos a metodologia que suportou a realização dos estudos empíricos, apresentando as hipóteses formuladas e os instrumentos aplicados, bem como os procedimentos de recolha dos dados, terminando com uma breve caracterização da amostra.