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CAPÍTULO I REVISÃO DA LITERATURA

1. Objectivos e hipóteses

Tendo em consideração os resultados encontrados na pesquisa bibliográfica efectuada, este trabalho aborda os conceitos de hardiness, do burnout e engagement dos enfermeiros, não descurando outros factores relacionados como a satisfação com o trabalho, que consideramos não terem sido ainda devidamente explorados. Não encontramos, até ao momento, nenhum outro estudo que avaliasse a existência e a inter- relação destas variáveis nesta amostra especifica de Profissionais de Saúde. Assim, colocamos como objectivos:

a) conhecer a prevalência de burnout nos Enfermeiros;

b) identificar os níveis de engagement, hardiness e satisfação com o trabalho; c) verificar se o burnout, engagement, hardiness e satisfação com o trabalho variam em função de variáveis sociodemográficas e laborais;

d) conhecer a relação entre burnout e engagement;

e) verificar se hardiness, engagement e satisfação com o trabalho são antecedentes preditores da síndrome de burnout nestes profissionais.

Tentaremos verificar desta forma se os traços de personalidade como o hardiness influeciam o burnout, ou se este depende mais de variáveis laborais como o engagement e a satisfação com o trabalho. Colocamos como hipótese que o burnout depende mais de características individuais como os traços de personalidade, pois depende da forma de como o trabalhador enfrenta o stress e exigências laborais. Consideramos que os resultados obtidos serão cruciais para auxiliar na implementação de estratégias de intervenção/prevenção do burnout que considerem mais as caracteristicas individuais protectoras ou então possibilitem aos enfermeiros enfrentar melhor o burnout em função de variáveis laborais, sabendo-se que as características individuais são mais fáceis de gerir do que propor modificações ao nível das

organizações. Estes objectivos serão concretizados nos diferentes estudos empíricos que apresentaremos, mais detalhadamente, nos capítulos seguintes.

2. Instrumentos

Em função dos resultados encontrados na literatura, dos objectivos deste estudo, da disponibilidade dos sujeitos em responder e da nossa experiência pessoal, decidimos recorrer a um questionário como instrumento de recolha de dados. Nesse sentido, durante o processo de tomada de decisão sobre a escolha dos instrumentos que iríamos utilizar, tivemos particular cuidado em obter garantias sobre a sua adequação e validade para avaliar os constructos que pretendíamos de facto mensurar, e da unanimidade que reuniam em torno de si em relação da sua apropriação para serem utilizados junto da população com as características dos participantes que constituíam a nossa amostra. Privilegiamos, assim, as medidas de avaliação que nos pareceram ter melhores características discriminantes, cuja utilização estivesse mais difundida na investigação e que estivessem adaptadas (ou em processo de validação) se possível, até ao momento, para a população portuguesa, com base numa consulta sistemática da literatura da especialidade. De acordo com Martins (2011), a construção de instrumentos não é uma prática recomendada se já se verificar a validação de um instrumento numa determinada língua. Assim, parece ser mais aconselhado a adaptação desse instrumento para a cultura e a língua onde se deseja estudar o fenómeno (Ferrer, Alonso, Prieto, Plaza, Monsó & Marrades, 1996). Este processo de adaptação, bem como a análise dos índices psicométricos assumem uma grande importância, uma vez que se a adaptação semântica e/ou tradução não foi adequada, podem colocar em causa a análise dos resultados de validade e de confiabilidade dos instrumentos. Assim, nesta investigação em particular, tivemos a preocupação em utilizar instrumentos já divulgados em outros estudos sobre o tema, estabelecer contactos via correio electrónico ou pessoais com os respectivos autores, tendo em simultâneo, a preocupação nas possíveis respostas sociais institucionalmente tradutoras de representações profissionais e desejabilidades pessoais. Nesse sentido, construímos a versão da “bateria” com os diferentes instrumentos que fomos testar com uma população de características idênticas (40 profissionais de enfermagem) no sentido de aferirmos a compreensão das questões e

do tempo de preenchimento utilizado, avaliando em simultâneo as qualidades psicométricas dos instrumentos do questionário nomeadamente para os instrumentos C.L.S. S20/23 (Cuestionario de Satisfacción Laboral S20/23) e P.V.S. (Personal Views Survey), uma vez que foi efectuada a tradução e adaptação a partir de originais de outra língua ou português do Brasil.

Após algumas sugestões e reformulações, o questionário, enquanto instrumento de recolha de dados, ficou pronto a ser aplicado, sendo constituído essencialmente por cinco grandes grupos de questões2, utilizando, sempre que possível, o mesmo grau de intensidade de resposta nas escalas de Likert, assim como uma formatação semelhante, tentando que o instrumento apresentasse um formato de fácil autopreenchimento e compreensão, indo ao encontro aos objectivos da investigação. Detenhamo-nos então sobre a descrição de cada instrumento utilizado.

Assim, no Grupo I englobámos todas as informações caracterizadoras dos sujeitos que constituíram a amostra, bem como algumas questões com relevância nas variáveis em estudo. Incluímos como características sociodemográficas, a idade, o género, o estado civil, existência de filhos, as habilitações literárias e como características laborais a actividade profissional, o local de trabalho, o horário praticado, a carga horária semanal, o serviço onde desempenha as funções, os anos de serviço na instituição e no serviço actual, a existência de pluriemprego, a categoria profissional, o vínculo profissional e o desempenho de cargos. Incluímos ainda questões que pretendiam avaliar o grau de satisfação e de motivação para o trabalho, as razões desta insatisfação no trabalho (através de uma lista de escolha múltipla) e ainda, se existiam intenções de mudar de profissão, de instituição e de serviço na instituição onde desempenham funções no momento actual se tivessem, para isso, oportunidade, com base nas sugestões pertinentes facultadas pelos profissionais da área ao longo das conversas estabelecidas.

No Grupo II, apresentamos o instrumento destinado a avaliar o burnout, recorrendo para tal ao MBI-HSS (Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey, de Maslach & Jackson, 1996). Ao longo da nossa pesquisa bibliográfica, este instrumento foi o que mais se destacou nos estudos encontrados, tendo utilizado uma versão portuguesa adaptada da versão espanhola, população europeia com

características mais próxima da nossa, já utilizada em outros estudos com amostras portuguesas (Mendes, 2005; Vara, 2008), numa versão cedida por Marques-Pinto (2009). Por outro lado, este instrumento avalia a natureza e tipologias de conformidade na relação laboral, em especial o impacto de diversos tipos de desgaste provocados pelo trabalho, pelo que consideramos que seria o instrumento mais adequado a ser utilizado. O MBI-HSS é constituído por 22 itens, em que o participante tem que assinalar a frequência com que vive ou sente várias situações descritas, cujas opções de resposta se encontram formuladas numa escala de Likert de 7 pontos, que vão do zero (nunca) aos seis (todos os dias). Contêm na sua organização as três dimensões que medem a Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal. A dimensão de Exaustão Emocional é composta por 9 itens avaliando sentimentos do profissional se sentir esgotado pelo seu trabalho (por exemplo: "Sinto-me emocionalmente esgotado(a) pelo meu trabalho"). A exaustão emocional pode definir-se como o desgaste, perda de energia, esgotamento e fadiga e pode manifestar-se física e/ou psiquicamente. A dimensão de Despersonalização (5 itens) avalia os sentimentos e atitudes negativas para com os Utentes (por exemplo: "Sinto que trato alguns doentes como se fossem objectos impessoais”). Os itens desta subescala descrevem uma resposta interpessoal e fria face aos receptores dos serviços ou cuidados do profissional. A despersonalização revela uma interacção negativa nas atitudes e respostas em face de outras pessoas, especialmente face aos beneficiários do seu trabalho, acompanhado de um aumento de irritabilidade e perda de motivação. A dimensão de Realização pessoal (8 itens) avalia os sentimentos de eficácia e competência profissional (por exemplo: 'Sinto que estou a influenciar positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho"). Esta subescala contém elementos que descrevem sentimentos de competência e êxito no seu trabalho com pessoas. Supõe uma série de respostas negativas em relação si próprio e ao seu trabalho, típicas da depressão, como evitamento das relações interpessoais- profissionais, baixa produtividade, incapacidade para suportar a pressão e baixa auto- estima. A validade factorial deste instrumento tem sido amplamente estudada em diferentes amostras e países (Chayu & Kreitler, 2011; Kristensen, Borritz, Villadsen & Christensen, 2005; Schaufeli, Leiter & Maslach, 2009a), cujos resultados recomendam para a utilização de soluções com três factores, assumindo-se o burnout como um constructo tridimensional (exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização

pessoal), remetendo para o não uso do score total do MBI como uma única variável, de acordo com as recomendações do manual elaborado pelas autoras (Maslach, Jackson & Leiter, 1996). Estas autoras referem ainda que o burnout é conceptualizado como uma variável contínua, podendo ser classificado como algo que é experienciado num grau baixo, moderado ou elevado. Por isso, não pode ser encarado como uma variável dicotómica. Nesse sentido, um elevado grau de burnout é reflectido em elevados resultados nas dimensões de exaustão emocional e despersonalização e em baixos resultados na dimensão da realização pessoal.

No Grupo III, apresentamos o instrumento que pretende avaliar o hardiness, através do P.V.S. (Personal Views Survey, de Kobasa, Maddi & Puccetti, 1982). Este questionário pertence à terceira geração de instrumentos para a medida de personalidade resistente, que surgiu como consequência das críticas referidas à utilização de indicadores negativos para avaliar a saúde. Utilizamos nesta investigação a versão adaptada de Mallar e Capitão (2004), que teve como base a versão espanhola de Moreno-Jiménez e colaboradores. (2000). Este instrumento, também utilizado em diversos estudos na literatura, é composto por 50 itens e integra três dimensões: controle, compromisso e desafio. A frequência com que o participante experimenta sentimentos relativos a cada questão é avaliada numa escala de quatro pontos tipo escala de Likert que varia de zero (“Discordo totalmente”) a três (“Concordo plenamente”). A dimensão do compromisso (16 itens) é caracterizada por tendência a pessoa se envolver e identificar com o significado do seu próprio trabalho (por exemplo: "Realmente preocupo-me com o trabalho"). A dimensão do controle (17 itens) consiste na capacidade da pessoa pensar e agir segundo as suas próprias convicções, mesmo em situações geradoras de stress (por exemplo: "Sinto frequentemente que através do que faço hoje posso mudar o que ocorre amanhã”). A dimensão do desafio (17 itens), em que pode ser compreendida como todas as situações geradoras de oportunidades e incentivos ao crescimento pessoal (como exemplo: “Eu gosto que exista uma grande variedade no meu trabalho”). Valores mais elevados em cada uma das dimensões indicam maior hardiness, podendo ser encontrado o score total deste constructo, que corresponde ao somatório do valor médio ponderado das suas dimensões.

Satisfacción Laboral S20/23 de Meliá & Peiró, 1989), que adaptamos a partir das

traduções cedidas, por Pocinho e Garcia (2008) e Carlotto (2008). Este instrumento, que é constituído por 23 itens, engloba cinco dimensões: a satisfação com a supervisão, a satisfação com o ambiente físico de trabalho, a satisfação com os benefícios e políticas da organização, a satisfação intrínseca do trabalho e a satisfação com a participação. Mais especificamente, em relação a cada dimensão, verificamos que a satisfação com a supervisão é composta por 6 itens (por exemplo: “As relações pessoais com os seus Supervisores”); a satisfação com o ambiente físico do trabalho apresenta 5 itens (por exemplo: “A limpeza, a higiene e a salubridade do local de trabalho”); a satisfação com os benefícios e políticas da organização é composta por 5 itens (por exemplo: “O salário que recebe”); a satisfação intrínseca no trabalho engloba 4 itens (por exemplo: “O seu trabalho enquanto factor de realização”) e a satisfação com a participação é constituída por 3 itens (por exemplo: “A sua participação nas decisões relativas à instituição”). Cada participante pode avaliar cada item numa escala de sete pontos numa escala tipo Likert que varia de um (“Extremamente insatisfeito”) a sete (“Totalmente satisfeito”). Valores mais elevados em cada dimensão revelam maior satisfação com o trabalho, podendo ser encarada como uma única variável, cuja pontuação final resulta do somatório do valor médio ponderado das suas dimensões3.

No Grupo V pretendíamos avaliar o bem-estar relativamente ao trabalho, ou seja, o engagement, através do UWES (Utrecht Work Engagement Scale, de Schaufeli & Bakker, 2003) com base na versão traduzida cedida por Marques-Pinto (2009b). Este instrumento incluiu 17 itens que medem três dimensões: o vigor, a dedicação e a absorção. Especificamente, seis itens avaliam o vigor (por exemplo: “Sinto-me com muita energia”), cinco itens avaliam a dedicação (por exemplo: “O meu trabalho inspira- me”) e seis itens avaliam a absorção (por exemplo: “Quando estou a trabalhar esqueço tudo o que se passa à minha roda”). As respostas dos participantes foram obtidas através de uma escala tipo Likert de 7 pontos, de zero (“nunca”) a seis (“todos os dias”). Valores

3Salvaguarda-se, que nos estudos empíricos apresentados posteriormente nesta investigação, seguiram-se as recomendações originais preconizadas pelos autores, com base nos referenciais teóricos e de acordo com as hipóteses de estudo. No entanto, e sempre que possível, pretendeu-se explorar as relações entre as dimensões que compõem os constructos, recorrendo-se por isso, somente no último estudo, ao score total dos instrumentos.

mais elevados em cada dimensão revelam um maior bem-estar no trabalho, ou seja, maior engagement.

Efectuamos assim, num primeiro momento e por termos utilizado traduções/adaptações de instrumentos em língua estrangeira já divulgadas em outros estudos, análises das qualidades psicométricas dos instrumentos, que se revelaram satisfatórias, de acordo com os critérios propostos por Bryman e Cramer (2003) e Field (2009). Tendo em consideração que nesta investigação as nossas as variáveis são constructos psicológicos, quando comparamos o Alpha de Cronbach obtido com os dados originais dos estudos disponíveis para cada subescala de cada instrumento acima mencionados, verificamos que nesta amostra os alfas são bons, consistentes e muito aproximados aos alfas originais (Tabela 1).

Tabela 1. Medidas de dispersão e confiabilidade dos instrumentos

Subescala Mín Máx alfa 1* alfa 2**

MBI