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Busca a realização do sonhado

2 UM CAMINHO NOVO

2.5 Busca a realização do sonhado

Jesus desafiou o Império, Paulo se apropriou da estrutura do Império115 e em pouco tempo o Império sucumbiu ao cristianismo. O poder em disputa era um poder em oposição. As palavras poderiam ser iguais, mas o significado era diferente. Cristo derrota o Império para dar início a realização do sonho.

Na virada constantiniana, o cristianismo não teve outra alternativa senão assumir um desempenho histórico na forma do poder sagrado e político. Herdando o império teve a chance de tornar-se efetivamente ecumênico e universal.116 Ele perdeu a chance de encarnar uma maneira nova de relacionamento entre os homens pelos caminhos do poder como pura função de serviço ao bem de todos e não na gestação e alimentação das elites desfrutadoras e marginalizadoras.117

114 Ibid., p. 106.

115 Paulo era um homem bem preparado, além de conhecer bem a sua religião (o que pode ser

comprovado pelas muitas citações do Antigo Testamento), possuía boas noções de filosofia e das religiões gregas do seu tempo.

116 No mundo grego, ecumenismo tinha o sentido de "povo civilizado", de cultura aberta, tanto com uma

perspectiva geográfica, como de civilização. Com as conquistas do império romano, o termo ecumenismo ganha mais uma conotação política. Já no cristianismo, a palavra ecumenismo é utilizada numa perspectiva espiritual: a "terra habitada": passa a ser considerada obra de Deus, tornada habitável pela colaboração humana. Assim, ecumenismo assume a conotação de uma tarefa a realizar. Em 381, o Concílio de Constantinopla refere-se ao Concílio de Niceia como Concílio Ecumênico. A palavra ecumênico refere-se tanto à reunião de pessoas de distintos lugares, quanto à doutrina e costumes eclesiásticos aceitos como norma para toda a Igreja Católica. Após o império romano, o termo ecumenismo deixa de ter a conotação política e passa a ser utilizado na Igreja.

Como John Dominic Crossan118 indicou, a lógica romana assume que a ordem normal do mundo reside na sequencia de ‘piedade, guerra, vitória e paz’. Paulo por outro lado, segue uma lógica diferente de acordo com a qual a sequencia é ‘aliança, não violência, justiça e paz’.119

A ressureição de Cristo da morte lança ainda outro desafio para o Império, no qual confirma a derrota dos governadores e a promessa de vida além do Império:

Mas, na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados. Cada qual, porém, na sua própria categoria: como primícias, Cristo; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a seu Deus Pai, depois de destruir todo principado e toda autoridade e poder. Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés. Se foi por motivos humanos que, em Éfeso, lutei contra as feras, o que teria ganho com isso? Se os mortos não ressuscitam, “comamos e bebamos, pois amanhã morreremos.120 (1

Cor 15, 20-25;32)

A questão teológica mais profunda deveria agora ser clara: Deus em Cristo é um tipo diferente de Senhor, que não está em solidariedade com os poderosos, mas em solidariedade com os menores. Para ser mais preciso, o modo de Cristo ser solidário com os poderosos é sendo solidário com os menores; os poderosos não estão fora do alcance do senhorio de Cristo. Esta posição, no coração do novo mundo proclamado por Paulo, contradiz diretamente a lógica do Império Romano. Na lei romana, havia uma disposição não construída para respeitar e favorecer as classes proprietárias. Esta não difere da lógica contemporânea hoje, onde a responsabilidade principal de um executivo chefe de uma corporação centra-se mais nos acionistas do que nos trabalhadores. A conexão não construída entre autoridade e poder necessita ser observada também aqui; o poder de Cristo Senhor, que não flui de cima para baixo, é construído sobre um tipo diferente de autoridade.121

Há uma característica messiânica no senhorio de Cristo que recusa legitimar o status quo do senhorio e substituí-lo. Cristo o Senhor, difere dramaticamente do

118 Crossan e Reed, In Search of Paul. In RIEGER, Joerg. Cristo e Império de Paulo aos Tempos Pós-

coloniais. São Paulo, Paulus, 2009.

119 RIEGER, Joerg. Cristo e Império de Paulo aos Tempos Pós-coloniais, p. 12. 120 Bíblia da CNBB. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

imperador romano como senhor. O senhorio de Cristo é a contradição do senhorio do Imperador.122

A ganância pode ser um sintoma do império, mas aquilo contra o que nós colocamos não são falhas morais (como a ganância), mas uma lógica segundo a qual as estruturas do império são endossadas como as que são ontologicamente superiores e que trarão felicidade e paz para o mundo. O problema fundamental com impérios, incluindo o Império Romano, não é que eles aconteçam para endossar comportamentos moralmente repreensíveis, mas que percebem sua própria lógica de poder de cima para baixo e, desta forma, são construídos nas costas dos mais fracos; o que John Dominic Crossan e Jonathan Reed123 rejeitam como ganância, o império endossaria como senso comum econômico que leva o desenvolvimento para todos. Se isto está claro, a imagem de Crossan e Reed de um mundo partilhado nos empurra para uma realidade mais profunda e nos ajuda a revelar os esforços contemporâneos para promover o poder de cima para baixo e para construir impérios sobre as costas dos mais fracos; mesmo modelos aparentemente democráticos e não hierárquicos de senhorio, exercidos por oficiais eleitos que parecem refletir o desejo da maioria, tais como bispos, presidentes e executivos de corporações,124 necessitam ser vistos à nova luz do próprio senhorio de Cristo.125