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3 A AÇÃO FRATERNAL PARA A PAZ

3.2 Que une os iguais

A falta de unidade entre os cristãos é certamente uma ferida para a Igreja; não no sentido de estar privada da sua unidade, mas porque a divisão é um obstáculo à plena realização da sua universalidade na história.

250 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, p. XIV.

251 HORSLEY, Richard A. Jesus e o Império: O Reino de Deus e a nova desordem mundial, p. 111. 252 ULLMANN, Reinholdo Aloysio. O Solidarismo, p. 175.

Tendo em conta os valores que essas tradições testemunham e oferecem à humanidade, com uma atitude aberta e positiva, a Declaração Conciliar253 sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs afirma:

A Igreja Católica não rejeita absolutamente nada daquilo que há de verdadeiro e santo nessas religiões. Considera com sincero respeito esses modos de agir e de viver, esses preceitos e doutrinas que, embora em muitos pontos estejam em discordância com aquilo que ela afirma e ensina, muitas vezes reflectem um raio daquela Verdade que ilumina todos os homens.254

Prosseguindo na mesma linha, o empenho eclesial de anunciar Jesus Cristo, caminho, verdade e vida (Jo 14,6), hoje também encontra ajuda na prática do diálogo inter- religioso, que certamente não substitui, mas acompanha a missio ad gentes,255 graças àquele mistério de unidade, de que resulta que todos os homens e mulheres que foram salvos participam, embora de maneira diferente, no mesmo mistério de salvação em Jesus Cristo por meio do seu Espírito. Este diálogo, que faz parte da missão evangelizadora da Igreja, comporta uma atitude de compreensão e uma relação de recíproco conhecimento e de mútuo enriquecimento, na obediência à verdade e no respeito da liberdade.256

Este espírito de abertura a outras comunidades religiosas está também presente no decreto Unitatis redintegratio, que foi aprovado no dia 21 de Novembro de 1964. Este documento é sobre o ecumenismo e fundamenta-se em duas ideias principais: todo aquele que acredita em Cristo, mesmo que não pertença à Igreja Católica, encontra-se em algum tipo de comunhão com a verdadeira Igreja de Cristo (que subsiste na Igreja Católica); e não existe ecumenismo verdadeiro sem uma conversão interior que se aplica a todos, inclusive à Igreja Católica. Atualmente, a Igreja Católica ensina que os cristãos não católicos são, apesar de um modo imperfeito, membros inseparáveis do Corpo Místico de Cristo (ou seja, da Igreja Católica), através do Batismo. Eles

253 As declarações tratam de questões novas, dirigidas ao exterior, falando a pessoas para além da

distinção entre cristãos e não cristãos, fiéis ou não.

254 Declaração "Dominus Iesus" sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja. 255 A Igreja, enviada por Deus a todas as gentes para ser sacramento universal de salvação.

dispõem também de muitos, mas não da totalidade, dos elementos de santificação e de verdade necessárias à salvação.257

A solicitude na restauração da união vale para toda a Igreja, tanto para os fiéis como para os pastores. Afeta a cada um em particular, de acordo com sua capacidade, quer na vida cristã quotidiana, quer nas investigações teológicas e históricas. Essa preocupação já manifesta de certo modo a união fraterna existente entre todos os cristãos, e conduz à unidade plena e perfeita, segundo a benevolência de Deus.258

Da mesma forma o documento afirma que todos os cristãos professam diante do mundo inteiro a fé em Deus uno e trino, no Filho de Deus, nosso Redentor e Salvador. Todos num esforço comum e em irmandade dão testemunho da nossa esperança, que não confunde, mas soma, não divide, mas clareia. A solidariedade e a fraternidade na atualidade se estabelecem com a cooperação no campo social, todos os homens são chamados a uma obra comum, mas com maior razão os que creem em Deus, sobretudo todos os cristãos assinalados com o nome de Cristo. A cooperação de todos os cristãos exprime vivamente as relações pelas quais já estão unidos entre si e apresenta o rosto de Cristo numa luz mais radiante. Esta cooperação, que já se realiza em muitos lugares, deve ser aperfeiçoada sempre mais, principalmente nas regiões onde se verifica a evolução social, onde os homens estão se predispondo a ações de unidade. “Vai ela contribuir para apreciar devidamente a dignidade da pessoa humana, promover o bem da paz, aplicar ainda mais o Evangelho na vida social, incentivar o espírito cristão nas ciências e nas artes e aplicar toda a espécie de remédios aos males da nossa época, tais como a fome e as calamidades, o analfabetismo e a pobreza, a falta de habitações e a inadequada distribuição dos bens. Por essa cooperação, todos os que creem em Cristo podem mais facilmente aprender como devem entender-se melhor e estimar-se mais uns aos outros, e assim se abre o caminho que leva à unidade dos cristãos”.259

Assim inicia a encíclica:

Ut unum sint! O apelo à unidade dos cristãos, que o Concílio Ecuménico

Vaticano II repropôs com tão ardoroso empenho, ressoa com vigor cada vez maior no coração dos crentes, especialmente agora que estamos vivendo um novo milênio, que será para todos os cristãos um tempo de

257 http://pt.wikipedia.org/wiki/Conc%C3%ADlio_Vaticano_II. Acessado no dia 8 de novembro de 2011. 258 Decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo. nº 5.

jubileu sagrado, um momento de comemoração da Encarnação do Filho de Deus, que Se fez homem para salvar o homem. Cristo chama todos os seus discípulos à unidade.260

A ninguém passa despercebido o desafio que tudo isso coloca aos crentes. E estes não podem deixar de enfrentá-lo. Poderão eles, portanto, recusar-se a fazer todo o possível para, com a ajuda de Deus, abater muros de divisão e desconfiança, superar obstáculos e preconceitos que impedem o anúncio do Evangelho da Salvação através da Cruz de Jesus, único Redentor do homem, de todo o homem?

Num mundo que passou por uma grande transformação nos anos que nos separam do Concílio Ecuménico Vaticano II, a abordagem católica ao restabelecimento da unidade está impregnada de um novo realismo. Resulta mais claro do que nunca que o ecumenismo só pode ser promovido a partir de uma sólida base doutrinal, e de um diálogo rigoroso entre os cristãos divididos.261

Assim a Igreja, a única grei de Deus, como um sinal levantado entre as nações, oferecendo o Evangelho da paz a todo o gênero humano, peregrina em esperança, rumo à meta da pátria celeste. Este é o sagrado mistério da unidade da Igreja, em Cristo e por Cristo, realizando o Espírito Santo a variedade dos ministérios. Deste mistério o supremo modelo e princípio é a unidade dum só Deus, o Pai e o Filho no Espírito Santo, na Trindade de pessoas.262