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O objetivo da ciência é produzir um conhecimento sobre o mundo que seja universal, que valha para todos os lugares, pessoas e condições. Não é por acaso que o centro mais importante de produção e ensino de conhecimento se chama “universidade”, nessa instituição se pretende construir um conhecimento único sobre o mundo.

Por isso, a possibilidade de repetir um fenômeno, do modo como Galileu fez com o plano inclinado, é um dos procedimentos centrais na produção da ciência. Ao reproduzir um fenômeno em diferentes momentos e lugares pode-se observá-lo muitas vezes, diferentes pessoas podem testá-lo e descrevê-lo e assim os cientistas pensam ser possível atingir um saber universal.

Assim, os cientistas criam regras e protocolos para realizar suas experiências, que devem ser seguidos com rigor, para poderem ser repetidas na China, no Brasil, na Alemanha e em qualquer lugar do mundo e dessa maneira chegar a uma explicação só sobre o fenômeno quer estudar.

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Sonhos das origens

Davi Kopenawa Yanomami

Os espíritos xapiripë dançam para os xamãs desde o primeiro tempo e assim continuam até hoje.

Eles parecem seres humanos mas são tão minúsculos quanto partículas de poeira cintilantes. Para poder vê-los deve-se inalar o pó da árvore yãkõanahi muitas e muitas vezes. Leva tanto tempo quanto para os brancos aprender o desenho de suas palavras. O pó do yãkõanahi é a comida dos espíritos. Quem não o "bebe" assim fica com olhos de fantasma e não vê nada.

Os xapiripë dançam juntos sobre grandes espelhos que descem do céu. Nunca são

cinzentos como os humanos. São sempre magníficos: o corpo pintado de urucum e percorrido de desenhos pretos, suas cabeças cobertas de plumas brancas de urubu rei, suas braçadeiras de miçangas repletas de plumas de papagaios, de cujubim e de arara vermelha, a cintura envolta de rabos de tucanos.

Milhares deles chegam para dançar juntos, agitando folhas de palmeiras novas, soltando

gritos de alegria e cantando sem parar. Seus caminhos parecem fios de aranhas brilhando como a luz do luar e seus ornamentos de plumas mexem lentamente ao ritmo de seus passos. Da alegria de ver quanto são bonitos!

Os espíritos são tão numerosos porque eles são as imagens dos animais da floresta. Todos

na floresta têm uma imagem utupë: quem anda no chão, quem anda nas árvores, quem tem asas, quem mora na água. São estas imagens que os xamãs chamam e fazem descer para virar espíritos xapiripë. Esta imagens são o verdadeiro centro, o verdadeiro interior dos seres da floresta. As pessoas comuns não pode vê-los, só os xamãs. Mas não são imagens dos animais que conhecemos agora. São imagens dos pais destes animais, são imagens dos nossos antepassados.

No primeiro tempo, quando a floresta estava ainda jovem, nossos antepassados eram

humanos com nomes de animais e acabaram virando caça. São eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram e são elas que agora dançam para nós como espíritos xapiripë. Estes antepassados são verdadeiros antigos. Viraram caça há muito tempo mas seus fantasmas permanecem aqui. Têm nomes de animais mas são seres invisíveis que nunca morrem. A epidemia dos brancos pode tentar queimá-los e devorá-los, nunca desaparecerão. Seus espelhos brotam sempre de novo.

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Os brancos desenham suas palavras porque seu pensamento é cheio de esquecimento.

Nós guardamos as palavras dos nossos antepassados dentro de nós há muito tempo e continuamos passando-as para os nossos filhos. As crianças, que não sabem nada dos espíritos, escutam os cantos do xamãs e depois querem ver os espíritos por sua vez. É assim que, apesar de muito antigas, as palavras dos xapiripë sempre voltam a ser novas. São elas que aumentam nossos pensamentos. São elas que nos fazem ver e conhecer as coisas de longe, as coisas dos antigos. É o nosso estudo, o que nos ensina a sonhar. Deste modo, quem não bebe o sopro dos espíritos tem o pensamento curto e enfumaçado; quem não é olhado pelos xapiripë não sonha, só dorme como um machado no chão.

Maloca Watoriki, setembro/ 1998 - depoimento de Davi Kopenawa recolhido e traduzido por Bruce Albert.

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Todos os Wajãpi têm a Mesma Origem?

Wajãpi não é tudo igual!

Todos os Wajãpi não têm sua origem no mesmo grupo. E cada grupo é diferente dos outros grupos. Cada grupo é um wanã. Wanã kõ são os diferentes grupos. Desde antigamente, existiram grupos diferentes que moravam em diferentes regiões. Na origem, os grupos vieram todos separados e depois acharam seu lugar para morar, em regiões que ocupam até hoje. Cada

wanã conhece muito bem sua região e seus caminhos.

Wanã não é a mesma coisa que aldeia (taa). Wanã é a origem das pessoas de um mesmo grupo, que não moram todas na mesma aldeia. A gente pode casar com uma pessoa de outro grupo, mas a gente sempre sabe de que grupo a gente é. Quando alguém morre cedo e deixa filho pequeno, as pessoas vão ensinar para ele: “seu pai era de outro grupo, de outro wanã”. Quando a gente tem filho com uma pessoa de outro grupo, esse grupo vai sempre dizer que a gente é de outro wanã.

Cada grupo wajãpi tem seus conhecimentos

Cada wanã tem seu jeito de falar, tem sotaque diferente. A gente reconhece até hoje esses sotaques. Por exemplo, Kamopi wanã kõ fala bem rápido. Outros grupos que vivem na TI Wajãpi também falam de jeitos diferentes. Há também outras diferenças: em alguns grupos as pessoas são mais altas, em outros são mais baixinhas.

Cada wanã tem suas histórias e suas festas, que transmite do jeito de seus antepassados. Tem jeito diferente de contar histórias para a família e jeitos diferentes de ensinar, de fazer artesanato, etc.

Trocas de Festas

Nós Wajãpi não temos só uma festa. Nós fazemos várias festas. Cada wanã tem seus conhecimentos de festa e por isso sempre tem troca de festa com caxiri.

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Existem 57 tipos de festa. Não fazemos todas as festas num mesmo ano. Fazemos festas quando as mulheres podem oferecer caxiri para quem sabe bem fazer um tipo de festa.

Não podemos fazer festa sem a participação das mulheres. Não fazemos festa sem beber. As mulheres fazem primeiro a preparação do caxiri. Mas, antes de terminar de preparar o caxiri, o dono do caxiri conversa com quem sabe bem fazer a festa e convida.

Tem festa à noite, como a festa do milho, a festa da borboleta, as festas de pássaro. Também tem festas de dia, como a festa dos peixes que nós chamamos pakuwasu. Os chefes fazem festa para ensinar os jovens. Nós temos vários tipos de instrumento que usamos em vários tipos de festas. Cada instrumento tem música e canto.

Texto feito pelos Pesquisadores Wajãpi. In: “Jane reko mokasia. Fortalecendo a Organização Social Wajãpi”.

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