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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Busca diagnóstica

Nessa categoria, foram incluídos os fragmentos de narrativas de pais/cuidadores de indivíduos que, sem terem tido a oportunidade de realizarem a triagem para fenilcetonúria precocemente, permaneceram sem a oportunidade do diagnóstico e do tratamento adequado para a enfermidade em questão, sofrendo de equívocos diagnósticos. Foram identificadas variações nesses percursos, a depender da história vinculada a esse processo: a) Não foi feita triagem e b) Resultado falso negativo na triagem neonatal.

A não realização da TN foi uma realidade percebida em três dos quatro pacientes com PKU e quadro de autismo, que nasceram antes da implantação do PNTN. O sujeito com DI (Emília) também não realizou a TN, pelo mesmo motivo.

4.0 Dimensão psíquica 4.1 No início do acompanhamento psicológico

Perda do filho imaginado Revolta frente ao resultado

falso negativo da TN Descrição do paciente pelos

pais/cuidadores Desinvestimento nos filhos

autistas privados de linguagem 4.2 Durante a evolução do acompanhamento psicológico Ressignificação de histórias de vida Percepção sobre os avanços nas dimensões: físicas, instrumentais e estruturais Reinvestimentos nos pacients pelos pais

e pela cuidadora Reestruturação das trocas estabelecidas

entre mãe x filho e cuidadora x irmãos Discriminação de sintomas da PKU x sintomas secundários à PKU pelos pais e cuidadora Reconfiguração familiar.

Nesse caso, a idade dos pacientes não se mostrou como elemento importante no tipo de manifestação sintomática, pois Emília é 15 anos mais velha que o seu irmão com quadro de autismo e assim, a ingestão de proteínas e o consequente acúmulo de FAL no sangue transcorreu em um período bem maior. Ainda assim, o quadro de Antonino Azul foi mais grave que o de Emília. Dois dos pacientes com autismo (Adilson Azul e Aderbal Azul) só tiveram diagnóstico definitivo a partir do resultado positivo da TN dos seus irmãos (Reginaldo e Lindinalva).

“[...] Em 2000, lá onde eu morava, não tinha o teste do pezinho, não.” (Mãe Adilson Azul, dupla 3, casos transferidos).

A implantação do PNTN3, como dito anteriormente, aconteceu em 2001. Antes dessa data, a TN não se constituía como direito da criança e por conseguinte, não era obrigatória. Quando o Teste do Pezinho não é realizado e a criança possui PKU, os sinais clínicos por ela apresentados dificilmente direcionarão o médico para uma suspeita diagnóstica da PKU. A suspeição clínica desse erro de metabolismo não é simples, em primeiro lugar, por se tratar de uma doença rara e, em segundo, porque as manifestações clínicas da PKU podem ser confundidas com outras enfermidades – tanto nos casos de quadros que evoluem manifestação do autismo, da deficiência como nos que evoluem com déficit de atenção, irritabilidade e agitação. Resulta, dessa situação, um agravamento dos sintomas, já que a ausência do tratamento precoce leva a um aumento do acúmulo de FAL no sangue, acarretando a complexificação desse quadro de saúde. Por isso, a TN é o exame recomendado para esse diagnóstico.

Nas duplas 2 (D2) e 4 (D4), apesar do quadro sintomatológico dos indivíduos com diagnóstico tardio para PKU (Emília D2, Antonino Azul D2 e Aderbal Azul D4) e do percurso por profissionais de saúde, nenhum teve a suspeição clínica de fenilcetonúria. Sofreram equívocos diagnósticos ao longo de suas vidas, independentemente das manifestações serem correlatas ao autismo ou não. Assim tanto os pacientes com deficiência intelectual quanto os de autismo passaram pela mesma dificuldade.

“[...] Ela já teve umas crises de viver nua, viver jogada [...] Quando ela teve essas crises, ainda não existia o CAPS. A gente levava em um médico, no clínico geral. Aí com o tempo, no dia que meus pais se mudaram pra uma casa, ela começou a melhorar, começou a se vestir e a passear. Na roça que ela vivia, vivia nua. Isso já

tem uns 7 anos, que ela começou a se vestir e a melhorar e a dormir em cama. O clínico não passava nada, acabava que eles nem sabiam o que era. Quando ela aposentou, ninguém falava nada, só dava os laudos. Na época quem cuidava dela era pai mais mãe, eu nem morava em casa [...]” (Irmã cuidadora sobre Emília).

Os indivíduos da dupla 2 (Emília d2 e Antonino Azul d2) só tiveram diagnóstico após uma expedição multicêntrica de pesquisadores no município onde residiam, local de alta prevalência para PKU, através do Projeto Genética no Sertão: Estudo de Doenças Genéticas Monogênicas Frequentes no Município de Monte Santo - Bahia,139 do qual participaram, também, profissionais do SRTN / BA. Os dois indivíduos são irmãos germanos e primos de uma paciente (criança típica), acompanhada no SRTN/ BA, com diagnóstico e tratamento precoces para Fenilcetonúria.

“Ambos tiveram diagnóstico tardio e ambos possuem sequelas importantes.”

(Observação do psicólogo sobre Emília D2 e Antonino Azul D2).

O sujeito 3 (Emília D2), nesse primeiro contato com profissionais de SRTN, durante a referida expedição, apresentava deficiência intelectual e o sujeito 4 (Antonino Azul D2), agitação, agressividade e sintomas de autismo. “Irmã cuidadora

refere que desde criança o rapaz apresenta ‘retardo mental’. Hoje com quadro de atraso global no desenvolvimento, é agressivo e de difícil controle.” (Observação do

psicólogo sobre Antonino Azul D2). “Ela chegou a fazer tratamento há 03 anos atrás

(para controle de irritação) com clínicos do município de MS, com melhora do comportamento.” (Irmã cuidadora sobre Emília D2). Vale ressaltar nesse estudo, que

esses dois pacientes, após diagnóstico tardio da PKU, realizaram estudo de DNA para investigação do tipo de mutação desse erro de metabolismo e que apresentaram a mutação R252W em homozigose, citados no estudo de Amorim 2010,43 mas com sintomas muito distintos: um com quadro de autismo e outro com DI. Esses dados apontam para a importância de uma maior investigação a respeito da sintomatologia da PKU, seja com outras mutações, distintas da descrita no estudo de Steiner42, seja com outros elementos que possam interferir na manifestação fenotípica desses casos, seja ainda pelo agravo advindo da estruturação psíquica.

O Adilson Azul D3 teve o diagnóstico para PKU confirmado a partir do resultado da TN, realizada depois que o seu irmão, sujeito 6 (Reginaldo D3), teve resultado positivado no Teste do Pezinho. Antes desse fato, foi levado a várias consultas com médicos e, após anos de peregrinação, teve a suspeição de

fenilcetonúria. Mas, na época, foi orientado a buscar tratamento em São Paulo, o que não ocorreu, graças à condição econômica da família. Assim, o paciente não pode realizar o diagnóstico diferencial para PKU e nem tampouco o tratamento, nesse período, de maneira que o agravo dos sintomas não pode ser evitado: “Através do

Reginaldo que ele começou a entrar em tratamento[...] ele já tinha 8 anos, já teve sequela. Não teve mais como tratar. Ele já nasceu com problema, quando ele nasceu, ele era molinho. Eu chegava com ele no posto de saúde o povo perguntava ‘ele é molinho, o pescoço é molinho’. Caminhou com 4 anos. Procurei tratamento por um ano, dois anos. Aí, disseram que se eu fosse pra São Paulo, que tinha tratamento em São Paulo. [...] Eu morava em Alagoas, em São José da Tapera. Eu nem dei ouvido porque eu não tinha condições. (Mãe 3 D3 sobre paciente Adilson Azul com quadro

de autismo). Apesar de à data da suspeição da PKU no caso de Adilson Azul realizada pelos médicos, o PNTN3 já haver preconizado a implantação de SRTN’s, em cada estado brasileiro, bem como postos de coletas nas diversas localidades de cada estado, a recomendação da equipe de saúde, à qual o paciente teve acesso, não considerou a orientação do programa e encaminhou a criança para tratamento em outro estado (São Paulo), o que inviabilizou a sua terapêutica, como dito anteriormente. O paciente só teve diagnóstico diferencial para PKU após o irmão ter o seu resultado da TN positivado para esse erro de metabolismo: “Depois de muito

tempo, fui pro Mato Grosso do Sul. Aí, foi lá que o outro nasceu e quando começou o tratamento. Aí, foi feito o Teste do Pezinho do Reginaldo e deu fenilcetonúria. Aí pediu o do Adilson Azul pra confirmar e, aí, deu também. Se ele tivesse nascido em Mato Grosso que nem o outro nasceu, ele não estava assim; ele ia estar que nem o outro [...] porque ele nasceu em um lugar atrasado.” (Mãe3 sobre Adilson Azul D3).

Ademais, a mãe narra que o exame realizado com o paciente, que levou o médico à suspeição da PKU, foi o eletroencefalograma – exame esse que não pode ser utilizado no diagnóstico diferencial para esse erro de metabolismo, já que esta doença só pode ser confirmada através de exame de sangue específico para esse fim. “Eu fiz o eletro

de cabeça e deu que era fenilcetonúria e disse que era pra eu ir pra São Paulo” (Mãe3

sobre orientação médica à Adilson Azul D3).

A partir do que foi descrito pela mãe verifica-se que os ditos médicos são reorganizados no discurso dos pais e ganham conotações a partir da ressignificação que cada um imprime às informações recebidas. As repercussões do efeito deste

processo para o funcionamento psíquico e desenvolvimento do paciente em questão e, ainda, para o próprio tratamento, são inúmeros e algumas vezes são decisivos para a determinação dos rumos dos cuidados necessários à saúde do paciente.

O diagnóstico de PKU para o sujeito 7 (Aderbal Azul D4) adveio, apenas, a partir do resultado da TN da irmã, sujeito 8 (Lindinalva D4), positivado no Teste do Pezinho. Aderbal (D4), na primeira consulta no SRTN, apresentava hipotonia grave, deficiência intelectual severa e sintomas de autismo. O sujeito 8 (Lindinalva D4) é uma criança típica, com diagnóstico e tratamento precoces. Essas duplas, D3 e D4 pertencem a uma camada social de menor acesso à rede de saúde e com menores condições socioeconômicas.

Os pacientes que tiveram resultado falso negativo para PKU nasceram em hospital da rede privada, em um estado da união onde é praticada a coleta de sangue para a realização do Teste do Pezinho, ainda na maternidade, antes das 48 horas (infringindo o período preconizado pelo PNTN). Os dois permaneceram por longo período com quadro sintomático, mas sem a suspeição clínica adequada. A hipótese de PKU no caso do paciente com diagnóstico de autismo (Alice Azul D1) deu-se aos 10 anos de idade e após longa peregrinação por profissionais. O sujeito 2 da dupla 1 (Valdemar D1), nunca foi alvo de nenhuma suspeita diagnóstica, e os seus sintomas de irritabilidade e de agitação nunca chamaram a atenção de médicos, de professores e nem de familiares. Durante a consulta do paciente no serviço, um profissional da equipe percebeu a agitação do garoto, o que lhe chamou a atenção. Solicitou, então, o exame para PKU, que foi positivado. Esses pacientes são de origem social correspondente a uma parcela da população com melhores condições financeiras e educacionais e com acesso à rede de saúde privada. Assim, a mãe narra a confusão de hipóteses diagnósticas da filha, sem contudo haver tido acesso ao encaminhamento adequado por muito tempo: “Muitos tiques, traços autísticos; sacudir

as mãos (SP). [...] outro neuro [...] hiperativa (SP) [...] Inquieta, não descobriu a fonte. Ela tem um temperamento difícil. Os psicólogos falavam que era a educação em casa. Diziam que ela estava precisando de limite, não me ajudava em nada. [...] Faz acompanhamento psicopedagógico. [...]” (Mãe1 sobre Alice Azul – diagnóstico

Hiperatividade/ autismo).

Os fragmentos dos discursos expostos reforçam a importância do diagnóstico e do tratamento precoces da PKU, já que os profissionais, dificilmente, relacionam as

manifestações clínicas à PKU.9 Foram necessários 10 anos de peregrinação para que uma neurologista suspeitasse que se tratava de um erro de metabolismo e a encaminhasse para o SRTN do estudo. Os efeitos do atraso diagnóstico ganham proporções físicas e psíquicas,3 acometendo toda família.92, 94 Os relatos dos pais muitas vezes estão fixados nas dificuldades dos filhos.

“Eu sempre soube que ela tinha alguma coisa, mas não sabia o quê. Sempre foi diferente. Eu sabia disso [...] (Mãe sobre Alice Azul – diagnóstico Hiperatividade/

autismo).

“A gente descobriu o que ele tinha, quando ele começou a andar pra Arapiraca; eu não sei o que diziam, porque eu ficava mais em casa e na roça [...] quando veio descobrir, ele tinha já três anos ou era mais”. (Pai sobre Adilson Azul –

diagnóstico autismo).

No caso de Valdemar a suspeição nunca chegou a acontecer antes da consulta de sua irmã no SRTN. Só então, em função de problemas comportamentais exteriorizantes (hiperatividade e agitação), é que o diagnóstico foi suspeitado. Assim, o exemplo da criança Valdemar D1 aponta par ao fato de que a hipótese clinica sobre seu quadro de saúde veio apenas da equipe especializada (o que sugere necessidade de mais informação sobre PKU para os técnicos em saúde).

O diagnóstico, advindo da triagem neonatal (Reginaldo, Lindinalva), e de diagnóstico tardio, mas concebido até então como saudável (Valdemar), foi acompanhado, em todos os casos estudados, de sofrimento psíquico por parte deles:

“Quando eu peguei o resultado, em Mato Grosso do Sul, do Teste do Pezinho, disseram que o resultado da fenil dele estava pior do que o de Adilson Azul. Aí, eu pensei que por isso ele estava assim (referindo-se à taxa elevada da PKU no sangue). Eu pensei que ele não ia se desenvolver, que ele ia ser pior do que o Adilson Azul”

(Mãe3 D3 sobre Reginaldo).

“Não sei o que vai ser agora com dois filhos doentes” (M1 D1, diante do

resultado de Valdemar).

Na interlocução estabelecida entre psicólogos do SRTN e os demais membros da equipe de saúde no tratamento da PKU, o estudo do impacto da notícia é importante, pois, a observação dos psicólogos do serviço aponta para efeitos importantes no imaginário dos pais, como no relato acima. Foram necessários alguns meses para que a Mãe 3 da D3 pudesse se convencer que o seu filho poderia se

desenvolver normalmente. E os primeiros meses do laço dos pais com seus filhos são preciosos do ponto de vista da estruturação psíquica.

É nesse sentido que a elaboração do manual do PNTN (2002)3, realizado pela equipe de atendimento do SRTN referido no presente estudo, contempla, na dimensão psicológica, o cuidado com o impacto da notícia e com os efeitos na tela simbólica na qual o bebê será constituído.