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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2. Funcionamento Familiar

5.2.2. Percepção sobre o pai

Os pais apresentaram dificuldade na relação os filhos; os pais ou demonstraram agressividade em relação aos filhos ou não participaram suficientemente da vida deles. Nas narrativas percebe-se o quanto a relação com os pais esteve sempre alterada. Na descrição dos casos, o pai dos Alice Azul e Valdemar e o pai dos Aderbal Azul e Lindinalva demonstraram alto grau de irritabilidade e de violência. Nos casos do pai dos Emília e Antonino Azul e do pai dos Adilson Azul e Reginaldo a interação era precária.

“[...] não é de palavras. Se ele estiver nervoso, ele vai, grita qualquer palavrão com as crianças presentes. É muito difícil…[..]”. “[...] Professor de um curso superior, muito inteligente, mas desequilibrado.” [..]

Embora o pai da dupla D1 mostre-se agressivos, a ação de violência foi declarada com o filho autista:

“[...] uma vez pegou o cachorro da filha e jogou contra parede”. (Mãe1 D1

sobre pai dos Alice Azul e Valdemar).

Já o pai da D4, é narrado como violento em relação ao autista, mas a agressividade se estende a todos: “O pai é violento com ele, quando bebe, chuta, não tem paciência; manda afastar quando chega junto. [...]”. (Mãe4 D4 sobre a relação do

pai 4 com Aderbal Azul).

“R. (pai 4 D4) está indo para São Paulo de novo [...] quero que ele vá logo. Aqui, ele está bebendo demais[...] aqui, a família toda dele bebe. Ele quer sair da bebedeira e os irmãos, que moram em São Paulo, são crentes[...] ele é muito agressivo com os meninos quando bebe [...] e se os meninos mexerem com ele[...]”

A expressão da pulsão de morte, mediante a suspensão do seu silêncio, dá- se de maneira aberta e em uma forma extremada de destruição, impactando no laço desses pais com seus filhos, acarretando o risco, na dinâmica da relação, o destroçamento do objeto. O pacto com a vida encontra-se, nessas vivências, diante da iminência de uma ruptura, graças à essa manifestação mortífera. A ambivalência entre Eros e Tanatos compõe um dos polos da dualidade no processo de constituição do sujeito e é suposto em toda a proposta freudiana de construção do sujeito. 140 Percebe-se aqui, nos casos narrados, uma iminente ruptura com os fundamentos da vida, diante da incomensurável manifestação da pulsão de morte. A forma de operar desta pulsão no aparelho psíquico é inexaurível e silenciosa. Nos casos narrados, houve uma suspensão do seu silêncio, fazendo-se revelar de maneira violenta, demonstrando como os objetos da relação foram destituídos em seu atributo de semelhante. A falência da Lei do Pai aponta para fragilização da vida social. Os filhos, em um momento inicial, foram marcados por uma relação violenta e abusiva. O que se observa nesses fragmentos de discursos são cenas distintas em que a dinâmica pai x filho, mãe x pai x filho se instauraram; os pais da dupla 1 e da dupla 4, apresentam um funcionamento psíquico abalizado por uma precariedade na relação com as questões relativas ao barramento da atividade pulsional (pulsão de morte). As narrativas evidenciam como houve a destituição do lugar dessas crianças em seu atributo de outro, de semelhante e, mais gravemente, de sua condição de filho. E é isso que aparece nos discursos sobre os pais das duplas 1 e 4. A carência de pacto das leis da cultura se instaura e apresenta-se como efeito do processo da desestruturação dos vínculos 139.

“[...] ele é nervoso e agressivo; acha que Aderbal Azul tem medo dele.” (Mãe

4 sobre pai 4 da dupla 4).

Se a violência marcou os laços dos pais das duplas 1 e 4, os pais das duplas 2 e 3 apresentam um distanciamento, que, ainda assim, tem seu conteúdo mortífero:

[...] “provedor da família. Nos dias em que Antonino Azul está mais agitado, o pai só vai para a roça à tarde. Mas pouco ele interfere na vida do filho. (Registro

psicológico da descrição de irmã cuidadora sobre pai de Emília e Antonino Azul).

[...] “o que você disser aí, é pra mãe ouvir porque eu saio de manhã e só chego de noite; ela que fica com eles.” (Pai de Adilson Azul e Reginaldo D3).

Apesar do seu afastamento, o pai 3 da D3 declara sua preferência por Reginaldo “[...] acho que porque é normalzinho [...]” (Pai de Adilson Azul e Reginaldo ao relatar as suas razões para a sua omissão na dinâmica familiar).

O distanciamento desse pai é permeado pela posição da mãe que se colocou em uma posição tal que não autorizou a um terceiro comparecer à dinâmica mãe x filho: [...] “se a mulher não permite que reclame com os filhos, também, não tem o que

fazer.” (Pai de Adilson Azul e Reginaldo ao relatar as suas razões para a sua omissão

na dinâmica familiar).

“[...] eu dizia que, já que era eu sozinha pra cuidar deles, que eu sofria sozinha, eu também não deixava o pai se meter em nada; o pai brigava e eu não deixava. Aí ele calava.” (Mãe sobre pai de Adilson Azul e Reginaldo D3).

Além desse relato, percebe-se que a mãe da dupla 2 (ver tópico percepção sobre a mãe) nunca permitiu que ninguém interferisse na relação com Antonino Azul D2. Para Lacan71, é a possibilidade da mãe vetorizar o seu olhar para o lugar de um terceiro da relação, que a função paterna pode se estabelecer, fazendo uma mudança na dinâmica dual, então instalada. Sem essa condição, sem a possibilidade de se fazer um apelo a esse terceiro, a dinâmica está em risco de manutenção em uma posição de alienação.

A partir do comparecimento dos pais na vida dos filhos, promoveu-se uma mudança na dinâmica relacional mãe x filho, mãe x pai x filho:

“O pai chegou em casa falando grosso; você vai ficar aí; ele ficava. Ele dizia: eu não gosto de meu pai, não. Mas era preciso porque ele não me obedecia. Agora ele obedece; o pai foi botando limite e eu fui atrás”. (Mãe sobre pai de Adilson Azul e

Reginaldo, após entrevista psicológica).

“Pai tem se colocado mais, concordando [...] com necessidade de ensinar a ele as coisas. (Irmã cuidadora sobre relação do pai com Antonino Azul).

Três dos pais puderam se aproximar mais dos filhos, apontando para uma mudança na dinâmica até então apresentada. Essa nova posição foi reconhecida pela percepção das mães das crianças: [...] “às vezes o Adilson Azul corre e vai pro colo

do pai. Aí o pai fica mostrando: ‘ó, ó, ó’ [...] o pai gosta.” (Mãe sobre relação do pai

A situação de agressividade de P4 das D4 com o filho Aderbal Azul se estende até o momento em que pai presencia uma crise convulsiva do filho, e que nunca havia visto. Essa manifestação no Real do corpo da criança, aludindo à condição de fragilidade e de risco de morrer, atua como um apelo ao cuidado, conforme indica a mãe na sua narrativa sobre a mudança do pai do Aderbal Azul: “[...] O pai que nunca

tinha visto (a crise convulsiva) se desesperou. De lá para cá passou a tratar com mais cuidado e passou a dar mais carinho”. (Mãe sobre a relação do pai com Aderbal Azul).

O pai da dupla 4, depois de sua separação, tomou a responsabilidade da filha Lindinalva para ele. É, dentre os pais, o mais assíduo no serviço e o que mais se coloca em suas questões e na relação com os filhos e com a família.

No caso da dupla 4, há um enlace complexo entre os fantasmas que se imbricam na dinâmica da relação pai x filho, pai x mãe x filho, porque a história da mãe entrelaça-se com a dinâmica psíquica da figura paterna das crianças, órfão de pai desde os 10 anos de vida e com quadro de alcoolismo.

“[...] Meu pai faleceu [...] meu pai faleceu, eu tinha 10 pra 11 anos. Meu pai morreu do coração; foi infarto.” (Pai 4 D 4).

As marcas produzidas pela perda do pai, são narradas pelo pai 4, como o momento em que foi exposto ao desamparo.

No caso da dinâmica resultante da relação pai x filho x mãe, observa-se na mãe 3 e na mãe 4, uma fragilidade, de estabelecer um ponto de ordenamento à todo descontrole vivenciado. A lei da proibição do incesto e do assassinato do pai − pilares da história freudiana – se estabelece como Lei do desamparo, como uma ética da Lei. Quando essa Lei não pode ser operada, por intermédio de um terceiro, a onipotência comparece de maneira prevalente e, em consequência, emergem possíveis efeitos psíquicos e sociais; a não-sustentação da vida psíquica e mesmo a morte orgânica podem advir dessa condição.

A visão de fragilidade da saúde de Aderbal Azul e de referência a uma Lei, tanto quanto o acompanhamento psicológico possibilitaram ao pai da D4 apesentar uma nova possibilidade de estabelecer mudanças no laço com os seus filhos. A separação de sua mulher, e a escolha desta por uma nova figura amorosa, também favoreceu o estabelecimento de uma nova dinâmica na relação entre os familiares. O pai passou a ser o cuidador central de dois dos filhos Lindinalva e um irmão sem quadro de PKU.

“[...] ele levou os meninos; disse que ia ficar com ele (menos Aderbal Azul) [...] eu decidi que não queria mais”. (Mãe sobre pai de Aderbal Azul e Lindinalva).

O pai 1 da dupla 1 e o pai 2 da dupla 2 nunca compareceram ao serviço. Mas o pai da dupla 2 sofreu os efeitos das intervenções da cuidadora e pode mudar sua maneira de posicionar-se diante de Antonino Azul.