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Na lógica de efemeridade da internet, melhor exemplificada pelo Twitter (que se propõe a ser o veículo da notícia em tempo real), essa produção acaba soterrada ante o imenso fluxo de informações publicadas por minuto. Segundo levantamento feito pela Pingdom, em outubro de 2011 o Twitter alcançou a marca de 250 milhões de tweets postados por dia e, em agosto desse mesmo ano, registrou-se 8.868 tweets por segundo durante a cerimônia de premiação do MTV Video Music Awards17. Diante desse fluxo de mensagens, por mais que um post se dissemine através de retweets (comando para repassar mensagens de outros usuários), o que permanece, na prática, são os textos que fazem o caminho em direção ao papel, às editoras e à estante das livrarias; um ciclo que ainda detém o poder de legitimação na literatura. A exemplo dos blogs, a produção literária do Twitter também tem procurado uma sobrevida no impresso, alimentando páginas de livros como o de poesia

www.twitter.com/carpinejar de Fabrício Carpinejar e dos 15 títulos publicados em livretos

pela coleção Clássicos da Twitteratura Brasileira, lançada em janeiro de 2011 pela Suzano Papel e Celulose, que reúne desde autores marcadamente literários como Xico Sá e Fabrício Carpinejar ao empresário Eike Batista, o psiquiatra Flávio Gikovate e a cantora Pitty.

A força do Twitter tem se mostrado tão influente que até livros não originados na plataforma tem seguido a restrição dos 140 toques. Um dos casos mais relevantes é o livro

Estórias mínimas de José Rezende Jr. (vencedor do Prêmio Jabuti na categoria de contos, em

2010, com o título Eu perguntei pro velho se ele queria morrer), composto por uma seleção de 170 microcontos publicados inicialmente na revista eletrônica Terra Magazine. Se Júlio Cortázar comparava o romance a uma luta vencida por pontos e o conto a uma por nocaute, os microcontos de Rezende Jr. derrubam seus leitores logo no primeiro golpe. Com pleno domínio do formato, o autor usa a seu favor a restrição de espaço, tornando as entrelinhas parte essencial da narrativa, exigindo a participação do leitor para que ele complete com sua imaginação às indicações oferecidas pelas palavras.

Tematicamente, porém, apenas dois tweets remetem às singularidades do universo digital. Em O microconto do século, Rezende Jr. brinca com a brevidade do formato e ironiza as pretensões grandiosas que envolvem os desejos dos que o praticam: “Queria escrever o romance do século. Mas quando o avião começou a cair, só teve tempo para o microconto.” (2010, p. 18). E em Mentiras virtuais, ele explora a possibilidade de desprendimento do corpo, do anonimato da internet, onde o uso de nicknames foi prática recorrente na web anterior às redes sociais: “Ok, não tenho cabelos loiros nem olhos verdes. E também não sou mulher. Mas se eu tivesse contado a verdade, você me amaria como agora?” (2010, p. 27).

Além da qualidade do trabalho e esforço de autores como o de José Rezende Jr., Clarah Averbuck e do ineditismo de tantas obras comentadas neste capítulo, é preciso reconhecer que elas só estejam merecendo a nossa atenção aqui porque foram realocadas em livro. A questão da sobrevivência dessas obras não se resume à simples efemeridade de dados digitais, mas a toda uma estrutura que envolve a literatura, ou aquilo que o crítico Antonio Candido chama de sistema literário. Esse esquema, que é baseado no modelo do livro impresso, aponta para a dificuldade das obras digitais se inserirem nos meandros das resenhas jornalísticas e para os obstáculos de se obter remuneração na internet, onde o acesso ao conteúdo já se estabeleceu como gratuito, com a livre troca de arquivos.

Outra questão se confunde com a própria característica dos blogs, fruto da sua rapidez de atualização, fragmentação e convenções para a organização de dados, como compara o jornalista e escritor Homero Fonseca no prefácio do livro Blogosfera: “Se a blogosfera permite uma recepção quantitativamente sem comparação com o universo criado por Guttemberg, o formato livro – seja de papel ou eletrônico – ainda tem a capacidade de sistematizar as ideias com mais clareza e senso histórico.” (FONSECA, 2010, p. 12). A lógica dos blogs é semelhante a das colunas de crônicas dos jornais, que – mesmo já sendo consideradas locais de prestígio na literatura – geralmente só ganham relevância e ficam passíveis de análise quando reunidas em livro.

Até em obras acabadas, como Miséria e grandeza do amor de Benedita, vemos que os espaços legitimadores da literatura ainda apresentam resistência em se dedicar à análise de obras digitais. Numa das reportagens sobre o lançamento da versão impressa da obra, João Ubaldo Ribeiro sugere que o fraco desempenho comercial do e-book talvez tenha sido culpa da ausência de exemplares para serem enviados aos resenhistas dos jornais e revistas (JOÃO ..., 2000b). Mesmo nos espaços de crítica literária existentes na própria internet não há a preocupação de se analisar a produção virtual, as páginas virtuais de crítica se constituem como meras alternativas à redução dos espaços nos suplementos e cadernos culturais – o site

Copa de Literatura (possivelmente a mais famosa vitrine de crítica na internet) só aborda obras impressas e as redes sociais centradas no livro (casos do Skoob e O Livreiro) ignoram as vertentes digitais da literatura.

Dessa forma, para uma melhor repercussão, as obras e autores publicados em sites e

blogs continuam dependentes da materialização em livro. Guardadas as devidas proporções,

essa migração para o suporte impresso ainda padece do mesmo princípio usado por Marcel Duchamp para elevar objetos do cotidiano à condição de arte. Quando, em 1917, a Society for Indenpendet Artists recusou a obra A Fonte (assinada sob o pseudônimo R. Mutt), Duchamp, ainda disfarçado, publicou sua defesa na revista The Blind Man e alçou o mictório ao status de arte, dando prosseguimento à técnica do ready-made (HOWARTH, 2000). A arte, contudo, não estava no mictório em si, mictórios não são obras de arte e dificilmente alguém se predisporia a problematizar um mictório além da sua funcionalidade no banheiro. Mas, exposto num museu, o mictório revelava a importante relação que existe entre a obra de arte e o local onde ela aparece ou é divulgada. Ninguém diria que o mictório seria uma obra de arte se ele não estivesse sendo discutido e tratado como tal. Longe das prateleiras, as obras digitais sofrem do mesmo mal.

2. Literatura ao vivo: o caso de Os anjos de Badaró

Enfileirado na estante, a lombada com o título Os anjos de Badaró e o nome do autor Mario Prata não se diferencia em nada às outras brochuras ao seu lado. Aberto, o interior da obra também não denuncia qualquer distinção dos outros volumes, apresenta o mesmo odor da mistura de cola, celulose e tinta offset que se convencionou chamar como “cheiro de livro”, páginas com folhas de papel branco impressas com fileiras de palavras na cor preta e os prolongamentos da capa que, dobradas para dentro, assumem a função de orelhas.

Figura 3: Capas das duas edições do romance Os anjos de Badaró, publicadas

pela editora Objetiva em 2000 e pela Planeta em 2012, respectivamente. Nenhuma delas remete à experiência inovadora de escrita on-line realizada por Mario Prata.

A exemplo de quase tudo na vida, é pelas orelhas, essas antenas de captação sonora, que penetram a discórdia e a curiosidade. Naquele cantinho estreito e escondido, a sedução começa, nas ditas e lambidas preliminares. Como não há quem resista a um cochicho, um fungado ou a um beijo na orelha, é por ali que a primeira edição da obra sussurra, em apenas 78 palavras, que Os anjos de Badaró representa um significativo ponto de transição na história do suporte livro, acrescentando à literatura brasileira um capítulo que mexe em questionamentos teóricos essenciais para a arte literária e provoca reflexões sobre o futuro nesses tempos incertos de premonições sobre o fim do livro impresso:

“Ávido e original, esse livro foi escrito ao longo de seis meses, pela Internet – através do site www.marioprataonline.com.br, conectado ao portal Terra. A cada dia, nosso autor

escrevia um capítulo – e lia sugestões on-line de leitores ávidos e virtuais.” (PRATA, 2000a, orelha). A partir do dia 24 de maio de 2000 em diante, ao longo de seis meses, foi possível acessar o site e encontrar Mario Prata, lá da sua casa, escrevendo, fazendo com que milhares de leitores, de diversas partes do mundo, acompanhassem ao vivo a gênese – “letra a letra, palavra a palavra, corte a corte, morte a morte” (PRATA, 2000a, orelha) – de Os anjos de

Badaró.

O romance se desenvolve através da investigação empreendida pelo jornalista Alcides Capella18 sobre o misterioso suicídio do amigo de infância Ozanan Badaró, um milionário dono de uma rede de prostituição de luxo que envolvia até consórcio para programas com jovens universitárias. A história conta com um ponto de partida antigo, já usado de maneira tímida pelo autor na primeira versão de James Lins, 51: o playboy que não deu certo (PRATA, 1994, p. 90). Esse mesmo mote reaparece numa das crônicas de Minhas mulheres e

meus homens (PRATA, 1999, pp. 34-35), onde Prata revela a origem da sua inspiração,

escrevendo sobre um amigo de infância chamado Badaró, que se torna degustador de puta. Aquilo que seria mais um romance tradicional, com publicação já acertada pela editora Objetiva, ganhou outro rumo quando a cunhada de Prata lhe fez um pedido: “Ela perguntou se podia passar um dia lá em casa para me ver escrever, porque ela tinha a curiosidade de ver como é um dia na vida de um escritor. Então eu tive a ideia: pô, será que dá pra eu escrever e todo mundo ver através da internet?” (informação verbal)19. A curiosidade – somada ao interesse de outros leitores por seu processo criativo, às possibilidades de um novo veículo de comunicação e às promessas de grandes negócios das empresas pontocom (PRATA, 2000b, p. 7) – logo empurrou o projeto Os anjos de Badaró para o ambiente on-line.

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