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Século XX (1993) Júlio Resende

12. Cálice | Nº Inv OURICAL

Século XX

Autoria desconhecida Metal\ Prata; Prata| dourada Alt.19; Diâmetro 11,5 Afeto ao culto

Proveniência desconhecida

Diocese do Porto/ Paróquia de São Veríssimo de Valbom

A associação simbólica entre o vinho, fruto da videira e por sua vez do trabalho do homem e o sangue de Jesus é feita pelo próprio Cristo inúmeras vezes ao longo dos seus discursos. Na verdade, a videira é uma das plantas recorrentes em parábolas e sermões catequéticos, funcionando inclusive como elemento de comparação e metáfora entre Jesus e os seus discípulos, entre os crentes e a Igreja: “Eu sou a Videira; vós, os ramos” (Jo15, 5). O primeiro milagre elaborado por Cristo, a pedido de Maria, foi precisamente a transformação da água em vinho, nas bodas de Caná (Jo2,1-11). Antes da designada Última Ceia, o Messias já havia prefigurado: “«Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu

135 sangue, não tereis a vida em vós. Quem […] bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscita-lo no último dia […] o meu sangue uma verdadeira bebida» ” (Jo6, 53-55). Neste seguimento e dando provas desta primeira afirmação, Jesus institui a Eucaristia na sua Ceia Pascal com os discípulos. Aqui específica a utilização do cálice e intensifica a simbologia do vinho: “Enquanto comiam, Jesus […] tomou um cálice, deu graças e entregou-lho [aos seus discípulos], dizendo: «Bebei dele todos. Porque este é o meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados.»” (Mt 26, 26.27-28). “Depois da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» ” (Lc22, 17-18) – o mesmo consta em Mateus (14, 23-24). Desta forma, o cálice torna-se presença indispensável no rito eucarístico. Para além da consagração, o cálice é ainda utilizado, no momento da comunhão nas duas espécies – na qual a hóstia consagrada deve ser embebida no vinho do cálice e dada em comunhão reservada para especiais ocasiões. Pelo contacto com a espécie divina, os cálices devem ser executados em material precioso e se o interior da sua copa não puder ser em ouro deve ser, no minino, em prata dourada.

Ao longo dos séculos foram adotando tipologias e ornamentações distintas. Os presentes exemplos são bastante distintos entre si em ambos os níveis. A configuração apresentada no primeiro objeto (OURMCAL02) surge no século XVII: cálice austero, com haste em balaústre, copa estreita, duas pratas; desenvolvida continuamente nos séculos XVIII e XIX, sendo igualmente encontrada no século XX. Esta permanência temporal torna difícil a datação rigorosa da peça. Trata-se de um cálice com base circular alteada em dois registos, sem decoração. Haste em balaústre, com anéis salientes incisos por filetes horizontais e nó de forma periforme invertida. Tudo em prata branca, exceto a copa, campaniforme e sem ornamentação, que é realizada em metal dourado externa e internamente. O segundo exemplar (OURICAL06) é posterior e mais trabalhado. A base circular é composta por dois níveis decorativos: um rebordo em prata dourada, sem ornamentação e uma secção em prata branca, decorada com duas fileiras de pontilhado inciso e friso ritmado de cartelas – de interior liso, formadas pelo encadear de volutas em “C” – encimadas por folhagem estilizada e desenho de concheado estilizado, pontuado com cruz latina raiada e de extremidades trilobadas. Todos estes ornatos são delineados por pontilhado miúdo. Nó em forma de urna, com circunferências inscritas de diferentes dimensões. A copa desenvolve-se em dois níveis, com uma copa falsa, recortada e vazada, em prata branca, sobreposta à de prata dourada.

136 A banda, segmentada em módulos de folhagem estilizada, apontada e arcaria, enquadra instrumentos relacionados com a paixão e morte de Jesus Cristo, as designadas Arma Christi. Esta iconografia figura desde o século XVIII nos cálices eucarísticos, porém, o presente exemplo, escapa à produção campaniforme que predominou nos séculos XVIII e XIX e atingiu o XX e não apresenta a profusão do relevo decorativo preponderante das duas primeiras épocas.

Distingue-se a Cruz, os Cravos, os Dados, a Cana com esponja e a Lança. Todos objetos inumerados ao longo dos quatro Evangelhos Canónicos segundo o respetivo seguimento: “Jesus, levando a cruz às costas, saiu para o chamado Lugar da Caveira, que em hebraico se diz Gólgota […]” (Jo19, 17). “Depois de o terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte” (Mt27, 35). “Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber (…)” (Mc15, 36) “Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados abriu-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água” (Jo19,33-34).

A primeira peça abordada (OURMCAL02) encontra-se em exposição permanente, cultural e pedagógica no Museu de São Veríssimo de Valbom, juntamente com outros exemplares de objetos litúrgicos/eucarísticos. Encontra-se registada, através de fotografia, em uso na igreja matriz, durante as cerimónias, sobretudo festivas. O segundo objeto (OURICAL06) não é uma peça musealógica, pois encontra-se ao serviço litúrgico da Igreja Matriz.

Não se documentam intervenções de conservação ou restauro

Créditos Fotográficos Cândida Gonçalves, 2007; Rosa Marques (2012)

Bibliografia e fontes

-DICIONÁRIO Cultural do Cristianismo. Lisboa, Publicações Dom quixote, 1999, p.80, 86, 199 - MUSEU de Arte Sacra indo-portuguesa de Rachol: Museum of Christian Art. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p.119

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-TESOUROS de Prata: espólio da Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos.

Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos, 2007, pp. 54-57, 63

- THESAURUS: Vocabulário de objectos do culto católico. Vila Viçosa:Fundação Casa de

Bragança, 2004, p..124