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CAPITULO 2- AS FOLIAS DE REIS EM TRÊS LAGOAS-MS

2.6 Cânticos e toadas

As músicas cantadas nas Folias de Reis fazem parte de um universo ritual intensamente rico em significados sagrados e sociais.

Segundo Lima (1954), os cânticos são de duas espécies, as saudações (louva) e as profecias, sendo elas cânticos bíblicos em torno de episódios relacionados com a natividade.

Em Três Lagoas, entretanto, foi observado que as músicas costumam ser cantadas para o dono da casa que recebe a Bandeira; como pedido de proteção para os moradores daquele lar e agradecimento caso recebam ofertas e despedida46.

No dia da festa de Reis foram percebidas inúmeras músicas relacionadas a motivos bíblicos, como a concepção e nascimento de Cristo, e a visitação dos Reis Magos. Um exemplo de música de saudações está escrito abaixo:

Meu senhor dono da casa, Aqui estão os Santos Reis Veio trazer a paz de Cristo Pra família de vocês, E pedir uma oferta Pra festa no dia seis, Na visita a Deus-menino Que abençoa todos vocês. 47

Neste trecho que foi cantado na chegada a uma das casas que recebeu a bandeira, percebemos que os devotos tanto fazem pedido de benção aos Reis Magos para os moradores quanto estes pedem ajuda e convidam para a festa do dia de Reis.

Percebemos ainda na cidade que alguns integrantes (sobretudo os mestres) possuem músicas próprias, em que fazem homenagem a amigos devotos já falecidos e para outros motivos. É necessário atentarmos para o papel social da música dentro desse contexto religioso, ao servir como forma de enraizamento das crenças do grupo. Muitas vezes, quando um devoto relata a história dos Reis Magos ele apenas repete algumas estrofes musicais já internalizadas como verdades indiscutíveis. A esse respeito Bosi destaca que:

Observem como o retorno musical mantém viva a informação que é calor, e defende a mensagem da entropia que é resfriamento. Frases com alto teor de informação precisam se amparar no ritmo, na rima, na sonoridade, enfim numa bem-sucedida redundância oral que só o tempo e a tradição comprovam. (BOSI, 1992, p.32)

46 Foram observadas as festas dos anos de 2001, 2002, 2004, da Companhia “Estrela da Guia” e em 2006 novamente da Companhia “Estrela da Guia”, da Companhia “Grupo Especial de Folia de Reis - Os Castilhos” e Companhia “São Paulo”, que realizaram festas em datas diferentes, respectivamente: 06/01/06, 12/01/06 e 20/01/06.

Ainda Bosi salienta que a música tem um “encantatório”, principalmente sobre o catolicismo popular, uma vez que observa que muitos dos praticantes têm problemas de leitura como “vista cansada” (1992, p.33) e também incapacidade de ler, haja vista que entre os sujeitos que vivenciam esta prática religiosa, muitos são analfabetos.

Sua repetição, mais que causar o enraizamento, contribui de maneira significativa para a geração do sentimento de pertencimento do devoto com o mundo do sagrado, pois, na maioria das vezes, por meio dela que se sentem em sintonia com os poderes divinos do santo de sua devoção. “No culto, a música é o momento privilegiado, só superado pelo silêncio” (BOSI, 1992, p.37).

Conforme Moraes (2000), a música quando utilizada como fonte deve extrapolar a análise da letra, deve ser pensada e refletida em todos os seus aspectos, de maneira separada e conjunta, como letra, instrumentos, ritmo e musicalidade, e neste caso específico a hierarquia musical que é estabelecida. Para entendermos esse universo de enraizamento e pertencimento que ela ajuda a promover, cabe então penetrarmos mais nesta esfera musical contextualizando também o papel da melodia nesse contexto. Melodia que, para os devotos é conhecida por toada.

A toada é o ritmo que os instrumentos dão aos cânticos de Reis. Costumam ter inúmeras variações, provavelmente ocasionadas pela diversidade de instrumentos que podem ser utilizados. Em Três Lagoas foram observados três tipos de toadas: “Tem a toada baiana, toada paulista, toada mineira. Tudo vai conforme o batidão”.48

Tanto a toada mineira quanto a paulista, mais comuns na cidade de Três Lagoas, são bastante lentas, caracterizadas mais pelos sons dos instrumentos de cordas. Já a toada baiana utiliza largamente os instrumentos de percussão e sopro, tendo um ritmo mais rápido.

A hierarquia dos membros das Companhias é percebida pelos instrumentos que tocam ou vozes que cantam49. O mestre, como responsável pela Companhia, costuma ser a “primeira voz”.

Os instrumentistas, chamados de “contratos”, fazem também as demais vozes que acompanham o mestre. Normalmente repetem as últimas palavras da última estrofe cantada,

48 ENTREVISTA Jesus Marques, 2001

49 Grande parte das Companhias é organizada em torno da questão musical, ficando, normalmente apenas o palhaço sem a responsabilidade de cantar, pois cabe a ele as danças e” louvas”. Isso também não significa que

ou apenas repetem um “Ai!”. No entanto, observamos que nas Companhias de toada baiana, não há acompanhamento musical dos outros integrantes do grupo - quem faz coro à voz do mestre são os instrumentos de sopro. A esse respeito Castro e Couto observam:

Os músicos são também cantores. A maioria apenas acompanha, num resmungo fanhoso, os versos que o mestre canta ou improvisa, com o contramestre e um ou outro folião mais chegado. Outros apenas pronunciam a exclamação ai!, arrastada, langorosa, com que se inicia e termina cada verso dos cânticos e que serve como uma tomada de fôlego, uma inspiração profunda, depois da emissão de voz no canto. Penetrante, esganiçado, ora em falsete, ora em prolongados agudos, o coro dos cantores se completa com o timbre extraordinário feminil, da voz de sopranino de algum folião que eleva a um fio de som algumas escalas acima dos demais. O esforço exigido das cordas vocais dos foliões obriga-os a fechar os olhos, suspender a cabeça, fazer esgares e abrir desmesuradamente a boca, às vezes inclinando o busto para trás. (1977, p. 13)

Os instrumentos mais comuns das folias de Três Lagoas são: viola, violão, triângulo, caixa, pandeiro e bumbo. Existem ainda Companhias que utilizam a sanfona e o chocalho.

Na foto abaixo, podemos ver o mestre, juntamente com seu violão devidamente enfeitado, “puxando” as músicas, enquanto os demais integrantes acompanham com outros instrumentos e com a voz. Esta foto refere-se ao dia da “chegada”, quando a Companhia passa pelos arcos montados, posicionando-se frente ao presépio.

Figura 14:.Companhia “Estrela da Guia”. Produzida por Luciana Aparecida de Souza Mendes no dia 6 de janeiro de 2006.

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