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Relembrando o que foi discutido no tópico 2, durante a progressão de um tumor, as interações entre as células malignas e as células que fazem parte do estroma tumoral resultam na formação de um microambiente alterado e reativo – o TME - que tende a favorecer a progressão da doença. MSCs, principalmente originadas da medula óssea, dos nichos perivasculares e do tecido adiposo adjacente ao tumor, são frequentemente recrutadas a esses sítios e participam ativamente na construção desse microambiente [60, 111, 112]. Embora o conhecimento a respeito da interação das MSCs com as células que compõem o TME ainda seja limitado e muitas vezes controverso, algumas das possíveis consequências dessa interação tornam-se mais compreensíveis quando as correlacionamos com as funções que as MSCs exercem normalmente no organismo. Esse racional é discutido em maior detalhe nos parágrafos abaixo, com referências para tumores em geral e, especificamente, para gliomas.

Como já mencionado, as MSCs possuem capacidade de homing, ou seja, de migrar para sítios de injúria. Da mesma forma, os tumores funcionam como lesões crônicas e contêm em seu microambiente diversos fatores quimioatrativos para as MSCs. Por isso, essas células possuem um alto tropismo para sítios tumorais. Como mostrado em diversos trabalhos, MSCs são capazes de migrar para gliomas [113, 114]. Em modelo animal de gliomas humanos, MSCs de medula óssea migraram diretamente aos tumores tanto quando injetadas intravascularmente, quanto intracranialmente, mesmo que em hemisfério oposto ao qual os mesmos foram implantados [115]. As células-tronco do próprio tecido neural (NSCs) também podem migrar seletivamente para gliomas malignos in vivo e in vitro [116, 117]. Esse potencial também já foi descrito para outros tipos tumorais, tais como mama [118] e pâncreas [119].

39 Quando chegam ao TME, uma das principais funções exercidas pelas MSCs é a de modular a resposta imune, considerada como uma característica importante dessas células. As MSCs conseguem estimular as funções pró- e antitumorais da imunidade inata e adaptativa, respectivamente, contribuindo para um ambiente inflamatório e contra uma resposta citotóxica [46]. No caso da imunidade inata, MSCs situadas principalmente nas bordas do tumor, trabalham para recrutar alguns tipos celulares imunológicos específicos. Por meio da produção de quimiocinas como CCL2, CCL7 e CCL12, as MSCs recrutam ao TME, por exemplo, monócitos, macrófagos e MDSCs [46, 120, 121]. Além disso, essas células fazem com que os monócitos recrutados se tornem tolerogênicos, e também estimulam a conversão dos macrófagos ao seu perfil imunossupressor e pró-tumoral M2 [122–124]. Também já foi demonstrada a ação das MSCs sobre a resposta imune adaptativa, principalmente por meio da inibição linfócitos T CD8+ [125] e da estimulação de células T-regulatórias (T-regs), supressoras da resposta citotóxica [126, 127]. No caso de gliomas, por exemplo, foi mostrado que células mesenquimais perivasculares (CD90+) isoladas do tumor foram capazes de inibir a resposta de linfócitos T em cultura [128].

Outra ação relevante das MSCs, a qual também é característica clássica das mesmas, é a diferenciação a outros tipos celulares, normalmente a fim de suprir necessidades específicas dos tecidos ou de substituir células danificadas por injúria e células senis. No TME, essa capacidade faz com que as MSCs possam dar origem a células do próprio estroma tumoral, como fibroblastos (CAFs). Exemplos dessa diferenciação podem ser observados em diversos trabalhos, tendo sido mostrado inclusive que o meio condicionado de gliomas é capaz de estimular esse processo [66, 129]. A transdiferenciação de MSCs em células endoteliais [130] e pericitos [131], ambas observadas em glioma, também já foi descrita e contribui para potencializar a formação de novos vasos sanguíneos.

Por fim, reconhecidas como um dos fatores mais importantes das MSCs, estão as atividades do seu secretoma. Conforme discutido nos tópicos anteriores, as MSCs liberam diversas moléculas para o espaço extracelular, as quais no contexto do câncer acabam modulando não só as células do sistema imune, como acima descrito, mas diretamente as próprias células tumorais. Por meio da ação do seu secretoma, MSCs podem regular o crescimento e proliferação tumoral in vitro e in vivo [132, 133]. Em culturas de gliomas, MSCs coletadas da massa do tumor estimulam o crescimento de células-tronco tumorais (CSCs) - por liberação de IL6, que ativa STAT3 nas CSCs [111], e também via exosomos contendo miR-1587 [134]. O secretoma de MSCs também pode estimular os processos de migração [62] e transição

40 epitelial-mesenquimal (EMT) [64] em células de glioma humano e de rato; e de angiogênese em outros tipos tumorais [61, 135]. Karnoub e colaboradores observaram ainda que MSCs humanas de medula óssea foram capazes de induzir a formação de metástases pulmonares de câncer de mama quando co-injetadas com células tumorais em camundongos, efeito mediado pela quimiocina CCL5 liberada pelas MSCs. Finalmente, MSCs também podem auxiliar na resistência das células tumorais à terapia. Roodhart e colaboradores mostraram que, por meio da liberação de ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs), MSCs contribuíram para a resistência de células de tumores de cólon e mama ao tratamento com cisplatina [136]. Já Müerköster e colaboradores mostraram a ação do óxido nítrico liberado pelas MSCs na indução de resistência a etoposídeo em tumor de pâncreas [137]. A figura 7 resume algumas das principais ações já relatadas na literatura das MSCs sobre os diferentes hallmarks do câncer, mostrando que essas células participam ativamente no controle da progressão tumoral.

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FIGURA 7.CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS E OS HALLMARKS DO CÂNCER. AS MSCS CONTRIBUEM PARA A PROGRESSÃO TUMORAL, SENDO CAPAZES DE MODULAR A MAIOR PARTE DOS HALLMARKS DO CÂNCER.

No caso dos gliomas, alguns estudos mostram que MSCs podem atuar para frear o desenvolvimento tumoral. MSCs derivadas de pele humana migraram e impediram o desenvolvimento de gliomas por reduzir a angiogênese e a invasão em modelos animais de camundongo e embrião de galinha [138]. Ainda, MSCs humanas derivadas de medula óssea foram capazes de suprimir o crescimento de gliomas por meio da inibição da angiogênese [139]. Curiosamente, Akimoto e coladores mostraram que MSCs derivadas de cordão umbilical foram capazes de inibir o crescimento de tumores cerebrais malignos in vitro e in vivo, enquanto que MSCs de tecido adiposo promoveram o crescimento tumoral [84]. Outro estudo revelou ainda que o meio condicionado de hADSCs foi capaz de induzir apoptose em linhagens humanas de

42 GBM [140]. Em modelos animais de trabalhos mais recentes foi observado que o transplante de MSCs e concomitante administração de TMZ aumentou a sobrevida de ratos com GBM [141]; e que houve inibição do crescimento de gliomas quando esses foram injetados com MSCs de tecido adiposo [142]. Esses achados, somados às características favoráveis das MSCs para terapia gênica, levaram a proposta de sua utilização na clínica terapêutica desses tumores. Para este fim, a principal estratégia de ação seria modificar essas células geneticamente com o intuito de carrear algum gene ou fármaco tóxico diretamente ao sítio tumoral. Uma revisão das principais propostas terapêuticas antitumorais utilizando MSCs, bem como dos desafios encontrados, foi recentemente realizada por Stuckey e Shah [108].

Em 2008, o FDA aprovou que o City of Hope Medical Center (Dr. Aboody/Dr. Portnow, Duarte, CA) conduzisse o primeiro ensaio clínico com células-tronco neurais para pacientes com glioma recorrente de alto grau [143]. Todavia, o potencial de translação das NSCs é limitado pelas dificuldades práticas de coleta e expansão dessas células [144]. Além disso, mais do que na aplicação em doenças diversas, a aplicação de MSCs no câncer muito pouco evoluiu na clínica. Apenas dois estudos com NSCs chegaram a fase I, sendo que um deles apresenta resultados pendentes e o outro não foi terminado [145].

Diante desse cenário conflitante, pode-se concluir que as consequências da relação entre tumores e MSCs parecem ser altamente contexto-dependentes, ou microambiente-dependentes. Cabe ressaltar ainda que a heterogeneidade nas células-tronco adultas derivadas de diferentes fontes, as diferenças nos métodos de isolamento e as condições de cultura in vitro também contribuem para as variações de efeitos encontradas na literatura. Enfim, é possível se entender também que MSCs, por serem células extremamente plásticas, tendem a ser facilmente moduladas pelo tumor, adquirindo características diferentes das MSCs residentes de tecidos saudáveis. Por isso, quando essas células são reprogramadas pelo tumor passam a ser chamadas de células-tronco mesenquimais associadas ao tumor (TA-MSCs) [109].

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