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2.2 – C ARACTERÍSTICAS GERAIS NA EVOLUÇÃO DO COMPORTAMENTO VERBAL

Skinner (1981) defende que o principal fator que deve ter possibilitado a evolução dos ambientes sociais foi a evolução do comportamento verbal, o que provavelmente foi possível quando a musculatura vocal na espécie humana tornou-se também sensível ao controle operante. O papel do comportamento verbal para a evolução da cultura é de importância crucial, uma vez que, através desse comportamento os indivíduos da espécie humana puderam desenvolver padrões comportamentais de cooperação, formação de regras e aconselhamento, aprendizagem

por instrução, desenvolvimento de práticas éticas, técnicas de auto-gestão e, além disso, permitiu o desenvolvimento do autoconhecimento ou da consciência.

Skinner (1987) levanta algumas hipóteses de como o comportamento verbal na espécie humana deve ter evoluído. Poucas evidências são encontradas para explicar a evolução de qualquer tipo de comportamento, uma vez que o comportamento não está ‘congelado’ para ser pesquisado. Apenas alguns de seus produtos ou algumas das características do ambiente no qual o comportamento se desenvolveu permanecem.

Como descrito no capítulo anterior, as teorias da deriva continental e do esparramar do solo do mar fornecem algumas evidências de mudanças geológicas que auxiliam na explicação da evolução de alguns comportamentos filogenéticos complexos (Skinner, 1975/1978). O comportamento verbal, entretanto, parece ser uma aquisição tardia na espécie humana e as primeiras evidências estariam relacionadas à aquisição da escrita. Mesmo assim, inferências com base no conhecimento dos processos pelos quais o comportamento se desenvolve podem ser realizadas (Skinner, 1987). A ciência do comportamento pode, portanto, fazer especulações sobre a evolução dos ambientes sociais ou das culturas, que são para Skinner (1987) os ambientes verbais.

Como na evolução de qualquer tipo de comportamento complexo, também para o comportamento verbal é bem provável que sua evolução tenha ocorrido através de pequenos estágios. Deve-se especular, portanto, quais seriam as variações que, sob certas contingências de seleção, permitiram a evolução desse comportamento.

Tratando-se do comportamento verbal vocal, Skinner (1987) argumenta que alguns dos órgãos relacionados com os sons da fala já estavam sob o controle operante. A evolução desses órgãos foi importante para a sobrevivência da

espécie, uma vez que estão relacionados com funções essenciais para a sobrevivência, como a respiração e a digestão. Sendo assim, o diafragma foi importante para a respiração, a língua e o maxilar para a mastigação, o maxilar e os dentes para dilacerar os alimentos, e os lábios para beber e sugar. Todos esses órgãos evoluíram através da seleção natural, entretanto as ações por eles produzidas são também sensíveis ao controle operante. Um cão, por exemplo, possui todos esses órgãos e, sendo assim, herdou a capacidade de mastigar; mas todos sabemos que essa ação pode ser modificada através das contingências de reforço. Se ensinado (ou seja, arranjando-se contingências de reforço), o cão pode utilizar-se dos mesmos órgãos para ‘brincar’ com uma bola.

Outros dois órgãos são as cordas vocais e a faringe que, segundo Skinner (1987), parecem ter evoluído sem nenhuma função operante primeiramente. Provavelmente esses órgãos contribuíram com os gritos e o choro de origem filogenética. O autor defende que deve ter ocorrido uma mudança genética na espécie humana que possibilitou a coordenação de todos esses sistemas os quais tornaram-se sensíveis ao controle operante. Um ‘salto’ evolucionário que não ocorreu em outras espécies.

Exemplos de comportamento vocal (não-verbal) em outras espécies são observados, entretanto esses comportamentos são fruto da evolução natural. Ou seja, novamente a diferença está nas conseqüências do comportamento. Comportamento vocal filogenético deve ter sido selecionado por ter aumentado as chances de sobrevivência da espécie. Porém, esses comportamentos modificam-se muito pouco durante a vida do organismo e dificilmente eles são modificados por condicionamento operante (Skinner, 1987).

As vantagens filogenéticas do comportamento verbal vocal, característico da espécie humana, também podem ser inferidas. Produzir sons pode possibilitar ao indivíduo que outras pessoas o encontrem se estiver em um local escuro, ou se as pessoas não o estiverem visualizando. Essas vantagens foram provavelmente ‘efetivas’ para a evolução do comportamento verbal porque associadas a elas a espécie humana já possuía um amplo repertório operante, o que pôde contribuir para o desenvolvimento de operantes verbais. Ou seja, a evolução do comportamento verbal vocal foi possível porque a espécie humana apresenta, como conseqüência da evolução natural, uma ampla variação de respostas, sem valor de sobrevivência, das quais os operantes podem ser selecionados. O bebê humano apresenta uma enorme variedade de sons dos quais os operantes verbais são selecionados (Skinner, 1984; 1987).

O comportamento verbal produto das contingências descritas não poderia, portanto, ser explicado da mesma forma que os comportamentos vocais de origem filogenética; o primeiro estaria relacionado às contingências de reforço mantidas por um grupo, e o segundo, às contingências filogenéticas. O que a espécie humana ‘adquiriu’, através da evolução natural, foi um ‘sistema que produz sons’ e sensível ao controle operante. Sendo assim, Skinner (1987) defende que o que evoluiu não foi o comportamento verbal em si, mas a possibilidade de apresentar comportamentos verbais. Ou seja, todo o ‘sistema’ necessário para a produção de sons evoluiu de maneira que passou a ser sensível ao controle operante. Assim, Skinner salienta (1971/1972, p. 123): Um homem que, desde seu nascimento, esteve só, não apresentará

nenhum comportamento verbal, não terá consciência de si mesmo como uma pessoa,

não terá técnicas de auto-controle... Portanto, o desenvolvimento do comportamento

verbal (no nível ontogenético) e o ambiente verbal é, na obra de Skinner, o que se entende como cultura.11

Passando a palavra a Skinner (1987, p. 89-90):

... nós deveríamos tentar dizer quando o comportamento tornou-se verbal pela primeira vez... quando ele foi modelado e mantido por um ambiente verbal transmitido de uma geração para outra. ...comportamento verbal é comportamento que é reforçado através da mediação de outras pessoas, mas somente quando as outras pessoas estão se comportando de maneira que tenham sido modeladas e mantidas por um ambiente verbal evoluído... (Meus grifos)

Dito isso, percorreremos agora a análise de Skinner sobre a evolução da cultura, ou seja, de um ambiente verbal.