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4 ANÁLISE DO PROCESSO REFERENCIAL NA INTERFACE

4.1 OCORRÊNCIAS ANAFÓRICAS NA LÍNGUA PORTUGUESA E NA

4.1.2 CA 2: Corpus Paralelo Português-Libras composto de anáfora direta por

Nesta subseção, apresentamos e analisamos o Corpus Paralelo Português- Libras composto, em LP, pela anáfora direta por repetição, ou conforme denominada por Haag e Othero (2003), anáfora correferencial cossignificativa, constituindo o segundo CA de análise. Há cossignificação porque ocorre a repetição lexical e o significado se mantém. Esse é um caso de correferência sem recategorização do referente, conforme discutimos no capítulo teórico. Seguindo a dinâmica anterior, faremos um paralelo entre a LP e a Libras. Organizamos, no quadro 6, os recortes textuais que compõem o segundo CA:

Quadro 6 - Corpus Paralelo Português-Libras: anáfora por repetição Recorte Textual em Língua

Portuguesa

(6a) Comprei várias revistas ontem. As revistas eram muito interessantes.

(6b) REVISTAS VÁRIAS COMPRAR+++

ONTEM. (IX)REVISTAS ESS@S

INTERESSANTES ef<admirado>.

(7a) Minhas camisetas estão amassadas. Preciso passar essas camisetas urgentes.

(7b) CAMISETAS MINHAS AMASSADAS. PRECISAR RÁPIDO (IX)ØPASSAR (CL- ob- ef<preocupad@>).

(8a) Eu encontrei um lápis e uma caneta. Infelizmente a caneta não escreve.

(8b) EU ENCONTRAR LÁPIS UM sf TAMBÉM CANETA ef <admirada>, MAS (IX)CANETA-od- ef<chateada> NÃO-ESCREVER ef <decepção> sf.

(9a) Um escritor chegou hoje. O escritor veio lançar seu mais recente livro.

(9b) HOMEM^ESCREVER= ESCRITOR LIVRO

CHEGAR HOJE. LIVRO (IX)EST@

(IX)ØESCREVER-enm<oe-sf-ml> NOVO.

(10a) Durante a conferência, o Professor Doutor José Mendonça pediu a palavra. O professor insinuou que o conferencista estava cometendo um sério engano.

(10b) CONFERÊNCIA PROFESSOR sf DOUTOR NOME sf <J-O-S-E M-E-N-D-O-N-Ç- A> ID IR DISCURSO. (IX)EL@ FALAR (IX)PROFESSOR FALAR sf ef <bravo> ENGANAR PESSOA.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Para melhor visualização, reapresentamos os integrantes do CA 2, (6a) e (6b), para então dar sequência ao processo analítico:

(6a) Comprei várias revistas ontem. As revistas eram muito interessantes.

(6b) REVISTAS VÁRIAS COMPRAR+++

ONTEM. (IX)REVISTAS ESS@S

Nesse quadro, no recorte textual (6a), em LP, localizamos o referente “revistas”, que é retomado, logo na sequência, por uma repetição lexical “as revistas”, ou seja, houve, nesse processo correferencial, a repetição do núcleo, atrelado a um determinante, sem recategorização. Na Libras, representada pela glosa-Libras, o referente REVISTAS é retomado pelo sujeito surdo por meio da repetição (IX)REVISTAS, junto a um pronome demonstrativo (IX)REVISTAS ESS@S, constituído pelo apontamento manual e visual, mediante à configuração de mão G, seguido da orientação da mão e da direção do olhar no espaço referencial previamente estabelecido, caracterizando então todo esse processo como dêitico- anafórico de classe padrão (PIZZUTO et al. 2006), sem recategorização. Acreditamos que isso reforça ou destaca a informação em questão, uma vez que chama a atenção do destinatário para o objeto do discurso que se encontra saliente. Nesse sentindo, os estudos sobre as relações anafóricas com demonstrativos dêiticos têm cada vez mais apontado para o entrelaçamento desses conceitos e para tênue relação que há entre eles (MORAIS, 2017). Diante disso, nesta pesquisa, denominamos esse processo referencial como dêitico-anafórico cossignificativo- pronominal.

Na figura 23, observamos a tela do programa Elan, com as trilhas Glosa- Libras, Processo Referencial e Língua Portuguesa:

Figura 23 – Tela do Elan com o vídeo 6b

Em sequência às análises, para efeito de ilustração, reapresentamos, em formato de quadro, os componentes do CA 2, (7a) e (7b):

(7a) Minhas camisetas estão amassadas. Preciso passar essas camisetas urgentes.

(7b) CAMISETAS MINHAS AMASSADAS. PRECISAR RÁPIDO (IX)ØPASSAR (CL- ob- ef<preocupad@>).

No sétimo recorte textual representativo, em LP, o objeto do discurso ativado, “minhas camisetas”, é retomado por meio do elemento referencial “essas camisetas”. Assim sendo, podemos classificar que em (7a) há uma anáfora direta por repetição parcial do núcleo “camisetas”. Já em (7b), na glosa-Libras, ocorre outro processo referencial: primeiramente, o referente é invertido “CAMISETAS MINHAS”, ordem disponível na Libras. Depois, quanto ao elemento referencial, esse sim sofreu mudança, pois o que antes era caracterizado como uma anáfora direta por repetição, na Libras transformou-se em um dêitico-anafórico, mediante o uso de uma estrutura altamente icônica/Transferência: (IX)ØPASSAR (CL- ob-ef<preocupad@>). Ou seja, o próprio ato de passar a roupa – marcado pelo verbo PASSAR (verbo classificador de instrumento, o qual apresenta a configuração de mão que representa a forma de segurar o instrumento para produzir a ação) -, atrelado ao olhar para baixo e à expressão facial, incorpora a retomada do referente. Conforme vimos, segundo Pizzuto et al. (2006), esse processo referencial exibe características que são marcadas por padrões específicos do olhar, por formas manuais que codificam atributos perceptíveis salientes das relações entre o referente e o elemento referencial, e por expressões faciais marcadas. Dessa forma, quando o sujeito surdo utiliza esse dêitico-anafórico, ele não o faz aleatoriamente, ao contrário, ele tem a intenção de descrever a situação, em uma perspectiva tridimensional. Há em sua escolha finalidades comunicativas, as quais podem ser reveladas a partir de conhecimentos culturalmente compartilhados pelos usuários da Língua de Sinais. Nessa perspectiva, de modo geral, temos em (7b) a mesma situação que ocorre em (1a), um dêitico-anafórico por EAI/Transferência.

Na figura a seguir, podemos ver a tela do programa Elan com o vídeo (7b) e seus constituintes:

Figura 24 – Tela do Elan com o vídeo (7b)

Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

A seguir, vejamos como sucede o processo referencial em (8a) e (8b), integrantes do CA 2:

(8a) Eu encontrei um lápis e uma caneta. Infelizmente a caneta não escreve.

(8b) EU ENCONTRAR LÁPIS UM sf TAMBÉM CANETA ef <admirada>, MAS (IX)CANETA-od- ef<chateada> NÃO-ESCREVER ef <decepção> sf.

O recorte textual (8a), em LP, é composto pelo referente “uma caneta”. O enunciador opta por retomar esse referente por meio de uma anáfora correferencial por repetição: “a caneta”. Vale destacar que houve apenas a mudança do determinante, mediante o uso do artigo definido “o”, uma vez que o objeto do discurso em questão já havia sido apresentado no cotexto. Em Libras, o tradutor constrói um processo referencial semelhante ao da LP, com algumas especificidades, devido à modalidade da LS. Assim sendo, na glosa-Libras (8b), o referente é CANETA, o qual é retomado com o mesmo sinal, porém, com acréscimo do apontamento visual e da expressão facial no espaço de sinalização: (IX)CANETA-od-ef<chateada>. Pesquisadores que são referências no estudo desse tema, mormente os pesquisadores da ASL, apresentam esse mecanismo no

processo de constituição de retomada do referente: Direcionar a cabeça e os olhos em sentindo à localização que o referente foi construído, fazendo novamente o sinal desse referente ou apontando para ele no espaço discursivo o qual foi produzido. Considerando esses fatores, na glosa-Libras em análise encontramos um dêitico- anafórico de classe padrão (PIZZUTO et al. 2006), quando da retomada do referente CANETA. Por isso, nesta pesquisa, nominamos esse processo referencial em (8b) como dêitico-anafórico cossignificativo.

A figura 25 apresenta a tela do programa Elan com o vídeo (8b), na qual se visualiza o momento da retomada:

Figura 25 – Tela do Elan com o vídeo 8b

Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

Dando sequência às análises, reapresentamos os integrantes do CA 2, (9a) e (9b):

(9a) Um escritor chegou hoje. O escritor veio lançar seu mais recente livro.

(9b) HOMEM^ESCREVER= ESCRITOR LIVRO

CHEGAR HOJE. LIVRO (IX)EST@

(IX)ØESCREVER-enm<oe-sf-ml> NOVO.

No recorte textual (9a), em LP, temos como referente “um escritor”, que é retomado logo em seguida mediante uma anáfora direta por repetição, sem

recategorização. Na glosa-Libras (9b), o sujeito surdo no momento tradutório usa como referente um sinal composto: HOMEM^ESCREVER= ESCRITOR. Para retomá-lo, em seguida, o faz por meio de um verbo: (IX)ØESCREVER-enm<oe-sf- ml>. Houve nesse caso a elipse do sujeito, pois, ao considerar todo período construído, pôde-se perceber que está implícito no verbo em evidência o agente da ação, ou seja, (IX)ØESCREVER-enm<oe-sf-ml> indica a terceira pessoa do singular e se refere ao HOMEM^ESCREVER= ESCRITOR.

A elipse é um fenômeno linguístico fundamental para que os textos não apresentem uma extensão exagerada no nível da repetição. Ela evidencia um cuidado estilístico e maduro do enunciador (KOCH, 2009). Ademais, há de se destacar nesse processo referencial as marcações não manuais responsáveis por colaborar com a reconstrução do objeto do discurso, entre elas citamos em (9b) o olhar direcionado para o local no qual o referente foi construído, a sobrancelha e a testa franzidas, e o movimento com os lábios. Todos esses fatores juntos colaboram para a constituição do dêitico-anafórico de classe padrão, uma vez que permite ao sinalizante mostrar e retomar o referente, simultaneamente. Há na glosa-Libras (9b) o processo referencial caracterizado, nesta tese, como dêitico-anafórico por elipse.

Antes de prosseguir com outras análises, para efeito de visualização, apresentamos a figura 26, com a tela do programa Elan referente ao vídeo (9b):

Figura 26 – Tela do Elan com o vídeo 9b

Outros integrantes do CA 2 são (5a) e (5b), reapresentados, a seguir, em formato de quadro para efeito de ilustração:

(10a) Durante a conferência, o Professor Doutor José Mendonça pediu a palavra. O professor insinuou que o conferencista estava cometendo um sério engano.

(10b) CONFERÊNCIA PROFESSOR sf DOUTOR NOME sf <J-O-S-E M-E-N-D-O-N-Ç- A> ID IR DISCURSO. (IX)EL@ FALAR (IX)PROFESSOR FALAR sf ef <bravo> ENGANAR PESSOA.

O recorte textual (10a) é constituído pelo objeto do discurso “o Professor Doutor José Mendonça”, e retomado logo em seguida pela anáfora correferencial por repetição parcial “o professor”. Na Libras, o sinalizante constrói o referente da seguinte maneira: PROFESSOR sf DOUTOR NOME sf <J-O-S-E-M-E-N-D-O-N-Ç- A>. Com esse referente em evidência, o próximo passo foiretomá-lo. Houve na glosa-Libras (10b) dois processos de retomada direta: (IX)EL@ FALAR (IX)PROFESSOR FALAR. No primeiro momento, o tradutor usou uma anáfora pronominal (IX)EL@, atrelada ao apontamento manual e visual, mediante a configuração de mão G, seguido da orientação da mão e da direção do olhar no espaço referencial previamente estabelecido, o que nos permite dizer que temos, nesse caso, a constituição de um dêitico-anafórico pronominal singular. No segundo momento, o surdo retomou o referente por meio de uma repetição parcial (IX)PROFESSOR, juntamente com o apontamento visual para o espaço de sinalização em que o referente foi construído, formando então um dêitico-anafórico cossignificativo. Vale destacar que a construção linguística seguida dos elementos referenciais, com o mesmo verbo acoplado, tem a intenção, a nosso ver, de reforçar ou destacar a informação em questão: (IX)EL@ FALAR (IX)PROFESSOR FALAR. Em outras palavras, considerando todo o contexto de produção, não bastou ao tradutor usar o (IX)EL@ FALAR, o que o levou a lançar logo em seguida a repetição parcial do referente (IX)PROFESSOR FALAR. Nesse sentido, é relevante enfatizar que as escolhas das estratégias referenciais não são aleatórias até mesmo nos casos das pronominalizações e das repetições (SANTOS; CAVALCANTE, 2014).

Vejamos a figura 27, que apresenta a tela do programa Elan referente ao (10b), considerando as trilhas criadas:

Figura 27 – Tela do Elan com o vídeo 10b

Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

Finalizadas as análises do CA 2, prosseguimos para o subtópico seguinte em que será analisado o CA 3. Nesse conjunto, a anáfora direta sinonímica é o foco de partida na LP; o objetivo então é verificar como essa anáfora se comporta no processo de tradução do Português para a Libras.

4.1.3 CA 3: Corpus Paralelo Português-Libras composto de anáfora direta