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3. MANIPULAÇÃO DE CABELO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM SANTA

3.5 CABELO E PENTEADOS EM DETERMINADOS ESPAÇOS: O MUSEU TREZE DE

“Vamos enegrecer!”, disse Nei D‟Ogum na abertura do pré-fesman em 2013. Nos eventos do Museu Treze de Maio é perceptível a vontade de africanizar dos negros santa- marienses, e a estética é uma das maneiras de enfatizar a negritude, pois como afirma Gilroy (2001), a estética negra está relacionada a uma resistência negra e a uma forma de unificação dos negros espalhados pelo Atlântico Negro. Os turbantes aparecem dos mais variados estilos, mas dessa vez são maiores e mais coloridos do que os utilizados no dia-a-dia. Observei batas coloridas, maquiagens carregadas, sendo que algumas destas fazem menções às pinturas africanas e, sobretudo, o volume capilar com grande destaque.

Nos dias de eventos do Museu Treze de Maio há um ritual de reafricanização estética das mulheres pesquisadas, pois elas comparecem ao Museu com uma aparência “africanizada”, ou seja, passaram por um ritual de preparação que envolve tempo e habilidade. Nestes eventos, os negros que moram - assim como os oriundos - em Santa Maria

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Coletivo Afronta: O Coletivo Afronta é um movimento estudantil em prol da afirmação da identidade negra formado por acadêmicos de diferentes cursos da UFSM desde 2010.

encontram-se e são tiradas muitas fotos, posteriormente postadas nas redes sociais com descrições, como: “sou negro sim!”.

Semelhante a Santos (2009), no grupo pesquisado também foi verificado uma identidade de performance, observada sobretudo na Companhia de Dança Euwá Dandaras. Na Companhia do Samba, isto foi visto apenas em raras coreografias, mas este fato ocorre devido ao samba estar ligado à brasilidade e miscigenação, como discorro posteriormente. Como a Companhia de Dança Afro Euwá Dandaras evoca a cultura afro-brasileira, é realizado um ritual semelhante ao da preparação para os eventos do Museu Treze de Maio, visto que antes da performance propriamente dita há também um ritual de reafricanização com pinturas no rosto, turbantes, batas e todos esses objetos que caracterizam a negritude e fazem referência a África.

Nos ensaios das escolas de samba não aparecem adereços capilares com evidência, visto que as pessoas comparecem como estão no dia-a-dia. Há uma melhor preparação quando há um evento, como a apresentação das rainhas da escola, e estas surgem com maquiagens brilhosas e roupas de carnaval; mas neste ambiente, o cabelo, e consequentemente os penteados, não tem grande proporção.

As mulheres pesquisadas vão a “balada” de cabelo solto independente do estilo, como Daniele e Lilian; porém nesses ambientes não é percebido um grande número de black powers.

Quanto às comemorações que exigem mais formalidade, como casamentos, formaturas e bailes, o cabelo crespo é visto raramente. Nos dias destas ocasiões também há um ritual de beleza, mas desta vez é a preparação das mulheres para ocasiões mais formais em que atenuam-se os traços negroides. Neste caso, as mulheres que não possuem condições para ir a um salão de beleza unem-se na casa de uma delas, fazem escova ou algum penteado umas nas outras, assim como a maquiagem. Geralmente, em cada grupo familiar ou de amigas existe uma “entendedora” que é a cabeleireira e maquiadora, bem como a dirigente do ritual.

Os rituais que descrevo neste estudo têm objetivos diferentes. Primeiramente citei o ritual da beleza, do sábado à tarde quando as mulheres se arrumam para apresentarem uma boa aparência durante a semana ou para aplicar produtos capilares químicos umas nas outras; ou seja, este primeiro ritual é apenas uma manutenção da beleza. Em um segundo momento, citei o ritual de africanização estética do Museu Treze de Maio, em que o propósito é ir a um evento no local com as características mais africanas possíveis; portanto, neste ritual o sentido é enegrecer e africanizar. Ao contrário, no último ritual citado, que tem o propósito que as mulheres se arrumem para comparecer a ocasiões que exijam mais formalidade, a função,

mesmo que involuntária - pois entendo que as mesmas queiram estar enquadradas nos padrões da sociedade -, é desafricanizar ou embranquecer.

A partir dos rituais descritos acima percebe-se que, longe de serem vistos como tarefas árduas ou desagradáveis, os cuidados com a aparência são lembrados como momentos prazerosos, gratificantes (GIACOMINI, 2006). Nesta dissertação, vinculei mais especificamente a boa aparência versus trabalho, mas cabe explicitar que o conceito de boa aparência também abrange, sobretudo, a posição social, visto que os acessórios, o calçado, o penteado, assim como as posturas corporais estão associados à mesma (GIACOMINI, 2006). Já que a aparência é passível de mudança, as pessoas podem realizar determinadas modificações com o intuito de estarem inseridas em determinados espaços, bem como de aparentarem possuir uma posição social.

O cabelo das mulheres negras sofre uma tentativa de embranquecimento à medida que os ambientes em que estas estão tornam-se espaços com menos negros. Quando o evento é voltado para a sociabilidade negra, como no caso do Museu Treze de Maio, há uma reafricanização. Porém, nas escolas de samba essa africanização já não é percebida visto que embora estes sejam ambientes frequentados por muitos negros, há um número maior de brancos, inclusive alguns com cargos de importância. A atenuação dos traços negroides, como o cabelo, inicia-se nas baladas e com os relacionamentos, os quais discorrerei posteriormente. Nas festividades mais importantes, as características da negritude sofrem a maior tentativa de atenuação.

Embora ambos sejam ambientes de sociabilidade negra, há diferença entre as escolas de samba e o Museu Treze de Maio, pois as escolas de samba sofrem uma influência do Rio de Janeiro e o Museu Treze de Maio, de Salvador. Sansone enfatiza essa africanização da Bahia:

[...] a Bahia funciona como o oposto do Rio. No Rio de Janeiro, a manipulação, numa multiplicidade de formas, é vista como aquilo que constitui a espinha dorsal da criatividade cultural negra: os desfiles carnavalescos, apesar de extremamente comercializados e hierarquizados, ainda comemoram a mistura (sincretismo), o empréstimo e até a miscelânea cultural como inteligentes e belos, podendo a combinação deles resultar na conquista do primeiro lugar. [..] Assim, de certo modo, os porta-vozes dos negros, no Rio de Janeiro, voltam os olhos para a Bahia como a principal fonte da pureza africana, enquanto os porta-vozes dos negros da Bahia voltam os olhos para a África como a principal fonte de inspiração e legitimação do papel da Bahia como a Roma Negra das Américas. No Rio, a cultura negra tem sido reificada e mercantilizada, sobretudo em torno do carnaval, enquanto, na Bahia, mais ou menos na mesma época, desde os anos vinte até os anos cinquenta, a cultura negra foi construída como uma cultura religiosa e mercantilizada sobretudo em torno do universo simbólico do sistema religioso afro-brasileiro e de seus “objetos” africanos (SANSONE, 2003, p.106).

A partir disso, entendo que no Rio de Janeiro prevaleça uma brasilidade e na Bahia uma africanidade. Nas escolas de samba de Santa Maria há uma perceptível miscigenação. Isto está relacionado ao fato de que o samba é um espaço brasileiro em que o negro se destaca e não um espaço negro, isto é, o samba congraça brasileiros de todas as matizes e não agrega somente os negros (GIACOMINI, 2006). Em contrapartida, no Museu Treze de Maio os brancos são, em grande parte, apenas apreciadores.

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