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3. MANIPULAÇÃO DE CABELO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS EM SANTA

3.2 CABELO E A BOA APARÊNCIA PARA O TRABALHO/ FESTAS/ MUSEU TREZE

3.2.3 Crespas “naturais”

Primeiramente cabe salientar que o conceito de crespa natural utilizado nesse trabalho inclui a utilização de colorações, por motivos que foram descritos no início deste capítulo. As mulheres crespas naturais descritas neste estudo possuem estilos e histórias distintos umas das outras.

Daniele é estudante de educação física e comparece com os cabelos presos ou soltos e sempre crespos em todos os ambientes que frequenta, seja academias, faculdade, Museu Treze de Maio e escolas de samba. Houve um tempo em que a Daniele realizava seguidamente escova - manipulação capilar que mostrava o real comprimento do seu cabelo -, porém faz tempo que não a realiza. Percebo que o cabelo natural e longo em uma negra causa fascínio nas pessoas, pois devido ao fator encolhimento, é difícil de encontrar uma mulher negra com o cabelo comprido, bem como a maioria do público feminino que deseja visualizar seus cabelos na cintura utiliza mega hair. No entanto, embora surpresas e encantadas com o comprimento do seu cabelo, as pessoas diziam a Daniele que ele fica mais bonito crespo. Acredito que o fato de Daniele participar da Companhia de Dança Euwá Dandaras e, por conseguinte, do Movimento Negro santa-mariense, motivo principal pelo qual essas pessoas prefiram este estilo de cabelo, não realizou mais manipulações de escova. No entanto, em uma foto recente que tirou para a sua formatura, ela aparece com os cabelos escovados e com cachos suaves nas pontas (Figura 57).

Figura 57 - Daniele nas fotos pra formatura

Fonte: Arquivo pessoal de Daniele

Mesmo que algumas mulheres utilizem o cabelo crespo em todos os ambientes que frequentam, em um evento formal, como é o caso de uma formatura, as mesmas preferem adotar um cabelo escovado - como a Paola em sua colação de grau (Figura 58) – ondulado, ou no máximo cachos suaves. Nos ambientes mais formais ainda se exige um cabelo sem volume com uma raiz lisa, e como relata Figueiredo:

[...] a relação do cabelo com a “boa aparência” ou a atitude de “tornar- se mais bonito” ocorre na medida em que o cabelo crespo é tido como duro, feio e requer de algum modo, uma interferência para melhorá-lo, para mudar a sua aparência.

Nesse sentido, existe a possibilidade de se modificar a aparência física, através da manipulação do cabelo. (FIGUEIREDO, 1994)

Prova disso é o capelo, chapéu de formatura que não valoriza o cabelo afro e a maioria de penteados utilizados em bailes, em que é necessário primeiramente escovar os cabelos para depois fazer um coque, babyliss ou algo similar. Além disso, o cabelo crespo natural, sobretudo o caso de Daniele que possui um cabelo com cachos definidos, embora seja considerado bonito, ainda não é julgado próprio para situações mais formais, o que corrobora a vigência de uma estética eurocêntrica. Há uma deficiência de penteados apropriados para cabelos crespos, que ressaltem a sua beleza sem a necessidade de escová-los e, no entanto, o mesmo é propício para o uso de diversos tipos de penteados como, coques e tranças.

Figura 58 - Paola de tranças quando Figura 59 - Geanine na formatura. fez as fotos para a formatura e de

cabelo liso na colação de grau.

Fonte: Arquivo pessoal de Paola. Fonte: Arquivo pessoal de Geanine.

Com base nisso, penso que o movimento negro, bem como os adeptos do cabelo crespo, tem muitas barreiras para enfrentar e avançar acerca da utilização do cabelo afro.

Devido ao fato citado suponho que muitas pessoas que possuem e gostam do cabelo crespo, optam por utilizar cabelos escovados na sua formatura. Porém ressalto o caso de Geanine que em sua colação de grau estava de tranças (Figura 59), uma vez que o capelo não prejudica a utilização destas. Todas as mulheres têm a possibilidade de utilizar tranças em sua formatura, porém Geanine é uma exceção, visto que a maioria opta escovar o cabelo. No entanto, cabe salientar que Geanine é uma que se diferencia da maioria da militância feminina

santa-mariense, pois suas posições e seus discursos, embora contundentes, são considerados desafiadores se formos compará-la com a sociedade negra santa-mariense em geral.

Luana Prates utiliza o cabelo crespo na maioria dos lugares que frequenta, como o Museu Treze de Maio, centro da cidade e o Co-Rap. De vez em quando prende o cabelo e faz um cola ou coque, além de também usar penteados ligados à moda das negras americanas dos clipes e cantoras de rap e hip hop, como, por exemplo, usar turbantes ou uma parte (geralmente a franja) do cabelo lisa, que segundo Luana, é feita com chapinha, pois ela diz não utilizar manipulações químicas no cabelo. Considero que a mesma não seja fascinada pelo cabelo liso, mas sim, uma seguidora das tendências e penteados das cantoras negras americanas, uma vez que observei um estilo diferente não só em seu cabelo, mas também em suas roupas.

Da mesma maneira que Daniele, Preta (Ariane Paz) vai à escola de samba e comparecia no Museu Treze de Maio com o cabelo preso ou solto e sempre crespo, porém nunca a vi com o cabelo escovado. Há alguns anos, fez um big chop nos seus cabelos e explicitou que o motivo pelo qual cortou o seu cabelo foi por ele estar danificado. Embora o fato de utilizar o seu cabelo crespo natural ou trançado seja uma propaganda para a sua profissão, em razão de Preta ser trançadeira e manipuladora do cabelo crespo e consequentemente conviver com este tipo de cabelo no seu meio social, a aceitação do seu próprio cabelo seja mais simples em relação a outras mulheres negras.

Eveline, Letícia Ignácio, Giane e Geanine usam o black power em todos os lugares que frequentam, mas cabe salientar que seus cabelos diferem do de Preta, Luana e Daniele, pois são mais crespos e volumosos e resultam no que é considerado como o legítimo black power. Por esse motivo são exceções, não nesta dissertação, a qual aborda ambientes de sociabilidade negra, mas onde se observa uma maior miscigenação. Com ressalva de Letícia Ignácio – que pertence a uma geração mais recente -, todas as mulheres citadas possuem ligação com o Movimento Negro, o que implica a utilização do cabelo natural.

No Museu Treze de Maio essas mulheres são consideradas autênticas e elogiadas pela atitude em utilizar o cabelo natural, e, por conseguinte, aceitar os seus traços negroides. Muitas vezes são ditas como exemplo por integrantes do movimento que anseiam que as mulheres recém inseridas neste espaço utilizem o cabelo natural. Nas escolas de samba são vistas com menos preconceito, pois embora que não estejam enquadradas no padrão capilar ideal das escolas de samba, estão em um ambiente de sociabilidade negra, onde sabe-se que os crespos são características da negritude.

Esse estilo capilar é o que sofre maior preconceito, visto que na universidade, locais de trabalho e até mesmo nas ruas, essas mulheres são vistas com estranhamento e vítimas de deboche. Por este motivo, muitas mulheres optam por manipular os seus cabelos com produtos químicos.

Percebo que o preconceito existe independente de classe social, uma vez que muitas pessoas não têm um entendimento acerca do cabelo afro mesmo nos ambientes de sociabilidade negra e por isso podem atuar com discriminação contra as pessoas que possuem este tipo de cabelo.

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