• Nenhum resultado encontrado

Cadeira de Balanço/ Canção de Ninar

(Texto de Samuel Beckett. Tradução de Luis Roberto Benati e Rubens Rusche a partir do original “Berceuse”)

M – Mulher numa cadeira de balanço V – A voz da mulher no gravador.

(Aumentar gradativamente a iluminação na mulher, que se encontra de frente, no proscênio, um pouco desconcentrada. Cadeira de balanço imóvel)

(Longa pausa.)

M – Mais uma vez.

(Pausa. Voz e balanço conjugados.)

V - até o dia enfim ao fim de longa jornada no qual ela diga

diga a si mesma que tempo chegou de se decidir

tempo de se decidir a não mais errar de um lado para outro todo olhos

em toda parte

para cima e para baixo à espera de outro de outro como ela

de outro ser como ela um pouco como ela iludido como ela de um lado para outro todo olhos

em toda parte

para cima e para baixo à espera de outro até o dia enfim

ao fim de longa jornada no qual ela diga

que o tempo chegou de se decidir

tempo de se decidir a não mais errar de um lado para outro todo olhos

em toda parte

para cima e para baixo à espera de outro de outra alma vivente

de outra solitária alma vivente iludida como ela

de um lado para outro todo olhos como ela em toda parte

para cima e para baixo à espera de outro de outro como ela um pouco como ela iludido como ela de um lado para outro até o dia enfim

no qual ela se diga que o tempo chegou de se decidir

a não mais errar de um lado para outro tempo de se decidir é tempo de se decidir

(Conjugar a voz que ecoa “é tempo de se decidir” com a interrupção do balanço e a ligeira redução da luz.)

(Longa pausa.)

M – Mais uma vez.

(Pausa. Voz e balanço conjugados.)

V - de sorte que enfim ao fim de longa jornada ela voltou para casa retornou enfim dizendo a si mesma que o tempo chegou de se decidir

tempo de se decidir a não mais errar

para cima e para baixo tempo de retomar seu lugar junto à janela

tranquila à janela

à vista de outras janelas de sorte que enfim ao fim de longa jornada ela retomou seu lugar enfim

junto à janela

ergueu a persiana e sentou-se tranquila à janela

janela única

à vista de outras janelas de outras janelas únicas todo olhos

em toda parte

para cima e para baixo à espera de outro de um outro à janela de outro como ela um pouco como ela de outra alma vivente

de outra solitária alma vivente recolhida como ela

recolhida como ela enfim ao fim de longa jornada a dizer a si mesma que o tempo chegou de se decidir

tempo de se decidir a não mais errar de um lado para outro tempo de retomar seu lugar junto à janela

tranquila à janela janela única

à vista de outras janelas de outras janelas únicas todo olhos

em toda parte

para cima e para baixo à espera de outro

de outro como ela um pouco como ela de outra alma vivente

de outra solitária alma vivente

(Conjugar a voz que ecoa “alma vivente” com a interrupção do balanço e a ligeira redução de luz.”

(Longa pausa.)

M – Mais uma vez.

(Pausa. Voz e balanço conjugados.)

V - até o dia enfim ao fim de longa jornada sentada à janela

tranquila à janela janela única

à vista de outras janelas de outras janelas únicas

com todas as persianas baixadas nem uma só erguida

até o dia enfim

ao fim de longa jornada sentada à janela

todo olhos em toda parte

para cima e para baixo[à espera de outra de outra persiana erguida

de outra solitária persiana erguida nenhuma outra

nem um único rosto atrás da vidraça

aqueles olhos

famintos como os seus de ver

de ser vistos não

uma persiana erguida como a sua

um pouco como a sua de um solitário

um outro ser ali

ali ou em qualquer parte atrás da vidraça

uma outra alma vivente

uma outra solitária alma vivente até o dia enfim

ao fim de longa jornada no qual ela diga

diga a si mesma que o tempo chegou de se decidir

tempo de se decidir sentada à janela janela única

à vista de outras janelas de outras janelas únicas todo olhos

em toda parte

para cima e para baixo tempo de se decidir é tempo de se decidir

(Conjugar a voz que ecoa “é tempo de se decidir” com a interrupção do balanço e a ligeira redução da luz.)

(Longa pausa.)

M – Mais uma vez.

(Pausa. Voz e balanço conjugados.)

V - de sorte que enfim ao fim de longa jornada ela desceu

desceu enfim a escada íngreme

abaixou a persiana e desceu para o térreo

foi sentar-se na velha cadeira de balanço a cadeira de sua mãe

a cadeira em que sua mãe sentou-se a vida toda

sempre de negro vestida com a mais bela cor negra a balançar-se

a balançar-se até o dia enfim

impaciente como se diz um pouco impaciente inofensiva porém

de uma impaciência inofensiva morta um dia

não uma noite

morta uma noite

ao fim de longa jornada em sua cadeira de balanço em seu mais belo vestido negro a cabeça tombada

na cadeira a balançar-se sempre a balançá-la de sorte que enfim

ao fim de uma longa jornada ela desceu

desceu enfim a escada íngreme

abaixou a persiana e desceu para o térreo

foi sentar-se na velha cadeira de balanço de braços enfim

e balançou-se balançou-se os olhos fechados a fechar-se

por muito tempo todo olhos

olhos famintos em toda parte

para cima e para baixo de um lado para outro à janela

coisa de ser vista para ser vista até o dia enfim

ao fim de longa jornada na qual ela se diga que o tempo chegou de se decidir

tempo de se decidir

abaixe a persiana e decida-se é tempo de descer

a escada íngreme para o térreo

ser uma outra

uma outra alma vivente somente ela

de sorte que enfim ao fim de longa jornada ela desceu

a escada íngreme

abaixou as persianas e desceu para o térreo

foi sentar-se na velha cadeira de balanço e balançou-se

balançou-se

dizendo a si mesma não

isto nunca mais

na cadeira de balanço de braços enfim dizendo-lhe balance-a daqui zombemos da vida balance-a daqui balance-a daqui

(Conjugar a voz que ecoa “balance-a daqui com a interrupção de balanço e a extinção total da luz.)

Notas sobre a Cadeira de Balanço

Iluminação:

Fraca, a iluminar apenas a cadeira.

Da-se o mesmo com o spot no rosto. Constante. Independente dos sucessivos enfraquecimentos. De alcance suficientemente amplo para abranger os limites do suave balanço, tanto no caso do rosto em repouso quanto no jogo de vaivém.

Início – aumentar aos poucos a iluminação (spot único) sobre o rosto. Longa passa. A seguir, elevar a iluminação da cadeira.

Final – extinguir, primeiro, a iluminação da cadeira. Longa pausa com o rosto iluminado. A cabeça tomba, imobiliza-se. O spot se extingue aos poucos.

Mulher – precocemente envelhecida. Cabelos grisalhos em desalinho. Olhos grandes. Inexpressivo rosto branco. Mãos brancas segurando com vigor a extremidade dos braços da cadeira.

Olhos – ora fechados, ora bem abertos sem jamais pestanejar. Na primeira parte, abrem-se e se fecham igual número de vezes; na segunda e terceira partes, aparecem cada vez mais cerrados; e, em meio ao final, completamente cerrados.

Guarda-roupa – vestido de passeio de cor negra carregada. De mangas compridas. Rendas. Lantejoulas que o balanço da cadeira faz cintilar. Chapéu destoante, colocado fora de prumo, guarnecido de rendas (de crochê), de modo a suavizar a entrada de luz ocasionada pelo balanço.

Posição – inalterada até a lenta queda da cabeça, iluminada apenas pelo spot.

Balanço – Suave. Lento. Automaticamente regulado sem que haja impulso de M.

Cadeira de Balanço – de madeira clara e polida o bastante para refletir a luz com o movimento. Apoio para os pés. Espaldar reto. Braços arredondados, cujas torções parecem ter sido ocasionadas pela força da compressão.

Voz – baixa, abafada, monótona.

No instante da réplica, sublinhada, a voz de M, cada vez mais baixa, junta-se à de V.

O “mais uma vez” de M será repetido cada vez mais um pouco mais baixo. No final da quarta parte, a partir de “isto nunca mais”, tornar V cada vez mais baixa.

Documentos relacionados