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Capítulo IV – Refletir sobre a ação e inovação na educação para a Ciber-Cidadania

4.1.1. Caixa das Queixinhas

Reaproveitando um instrumento já presente na sala de aula, foi tomada a iniciativa de o reformular. A “Caixa das Queixinhas” servia o propósito de as crianças poderem expressar-se quanto aos seus colegas ou desabafar algum assunto pendente que tenha afetado a criança. O problema com o conceito original era que a caixa era simplesmente uma caixa para a qual as crianças sussurravam os seus problemas.

Como primeira abordagem na área da Formação Pessoal e Social, tornou-se pertinente a existência de um registo escrito dessas mesmas “queixas”. Assim sendo, a reformulação da “Caixa das Queixinhas” passou a permitir entender se as queixas eram graves, se não eram, etc., assim como possibilitou que estas fossem abordadas ou desenvolvidas dentro da sala de aula. Bastaria a criança escrever o seu nome e o nome da pessoa a que se referia a queixa, se soubesse, senão pediria ajuda a um educador.

Este instrumento era alvo de análise todas as sextas-feiras num espaço denominado de “Assembleia das Queixinhas”, posteriormente renomeado para simplesmente “Reunião”. As crianças ao longo da semana eram relembradas da existência da caixa para remeterem as suas queixas, pois era constante o esquecimento de tal. Exemplo disso era o facto de, por vezes, ocorrerem altercações no recreio que depois acabavam esquecidas e sem serem endereçadas como forma de resolver os problemas através do diálogo.

O moderador destas reuniões é o Chefe da sala, cabe ao mesmo um papel comunicativo entre o grupo, assim como um papel ativo na moderação do debate a decorrer. A ele e a toda a turma ainda é reservado o direito de análise e de opinião sobre o comportamento de cada uma das crianças e sobre o conteúdo das queixas em si. As queixas, assim chamadas, não eram

educadores e o Chefe procuravam analisar as queixas referentes às crianças que estavam presentes, tentando explorar o que tinha acontecido, o porquê e o que se deveria fazer para isso não voltar a acontecer.

As queixas, na generalidade, faziam referência a conflitos relacionais, mas que não eram graves. Estas situações comuns entre as crianças podem ser aproveitadas pedagogicamente na reabilitação das ditas relações, assim como para potenciar o desenvolvimento do raciocínio moral autónomo das crianças e desenvolver condições para o seu crescimento enquanto cidadãos ativos, críticos e reflexivos. O desfecho apaziguado de muitas destas reuniões resultava sempre num pedido de desculpa e num abraço, cujo ocorria sistematicamente e de forma voluntária pelas próprias crianças como gesto de amizade. Durante estes momentos foi possível observar o desenvolvimento do sentido de justiça entre as crianças ao facilmente deliberarem o que determinavam como errado ou como adequado. A inexperiência das crianças fazia-se notar perante tal situação, sendo que seria necessário desenvolver este tipo de rotina durante o tempo necessário até que este seja natural às próprias crianças.

Numa primeira tentativa, a Assembleia resultou num bom esforço, no entanto esta seria uma atividade que voltaria a ser repetida até tornar-se intrínseca à criança, pois é necessário um espaço dedicado à Cidadania. Esse espaço está contemplado nas Orientações Curriculares (Ministério da Educação, 1997) quando estas defendem que é a educação pré-escolar que deve favorecer a formação da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário (p. 51). E sendo esta reformulação uma novidade, o entusiasmo das crianças pautava-se pela ânsia de saber o que tinha sido registado na caixa, ânimo esse que tinha que ser acalmado de modo a poder haver um diálogo calmo e organizado.

Durante todo o período de estágio as crianças registaram imensas queixas, sendo que algumas por vezes envolviam crianças ou alunos de outras salas, nomeadamente das salas do 1.º Ciclo do Ensino Básico daquela escola. Uma delas surgiu através de uma menina que afirmou que uma rapariga de outra sala não queria mais ser amiga dela. Esta queixa foi escrita sob lágrimas e com o apoio da educadora cooperante. Há aqui o grande fator emocional das crianças quanto às amizades e ao quanto estas primeiras a valorizam. É importante explorar esse sentido de pessoa e de relação com os outros nas crianças, tanto na Educação Pré-Escolar como no 1.º CEB.

O foco dado a esta “Caixa das Queixinhas” tinha como objetivo fazer as crianças pensarem, em grupo, de forma construtivista, tentando que estas refletissem sobre o conteúdo das queixas e procedessem a uma reversibilidade de papéis, ou seja, se gostariam ser as “vítimas” das situações descritas na Caixa. Na verdade, pretendia-se que as crianças fossem progressivamente desenvolvendo a sua capacidade de inferir moralmente de forma cada vez mais autónoma.

Sob o nosso ponto de vista, a estratégia da caixa revelou-se muito importante para o desenvolvimento moral da criança, pois para além das queixas e registos escritos que favoreciam a clarificação das suas atitudes e dos seus valores, o papel de intervenção dos educadores, como mediadores do processo de reflexão, revelou-se crucial para o despertar da consciência moral dos alunos. Os educadores, normalmente acrescentavam outros episódios que não estavam documentados na caixa, isto é, complexificavam o nível de conflito sociocognitivo, o que permitia às crianças a construção ativa das noções de certo e de errado. Inicialmente estava prevista a transição desta “Caixa das Queixinhas” para uma versão digital, mas, infelizmente, tal não foi possível. Na base desta impossibilidade esteve a dificuldade de algumas crianças em manusear o computador da sala de aula. Com o intuito de promover uma integração global da sala e das crianças, optou-se por continuar os registos na forma escrita, tornando-os mais palpáveis e acessíveis às crianças daquela sala. Esta atividade, para além de potenciar o desenvolvimento moral, também potenciou de forma integrada o desenvolvimento da linguagem e do raciocínio lógico, quer através da escrita, quer através das situações de discussão em que as crianças, para além de desenvolverem a linguagem oral, também desenvolviam a sua capacidade de argumentar de forma logicamente correta.

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