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Caixas com livros aguardando para serem preparadas para empréstimo

Além disso, não existe um catálogo manual ou eletrônico disponível para recuperar o que existe disponível na biblioteca, ou seja, todo o processo de busca e recuperação do material, seja por título, autor, seja por assunto, fica submetido ao conhecimento tácito que bibliotecária Marcela adquiriu ao longo de seus anos de atuação naquela unidade.

Na ocasião da entrevista inicial com Marcela, levantamos uma questão para avaliarmos o acervo da biblioteca. A principal situação emergida está relacionada à falta de um sistema de automação em que o material possa ser registrado e assim atender às demandas de alunos e professores quanto ao acervo.

A falta de um sistema de automação que não está implantado ainda é um problema nessa questão do acervo, eu queria muito ter, porque às vezes vem um professor aqui e diz que queria fazer um trabalho sobre o assunto tal, aí eu já buscaria tudo que tem sobre aquele assunto, seria mais rápido de eu atender o professor, ou então eu poderia até sugerir outras coisas além do que ele pedisse. Hoje eles vêm aqui e perguntam se tem livro tal, às vezes eu respondo que eu não sei se tem, aí eu falo: Vamos procurar? Mas eles também não podem esperar e aí já era (MARCELA).

Apesar de Marcela nos informar que a SEME adquiriu o sistema de automação de bibliotecas Pergamum, ela nos explica que são muitas escolas a serem contempladas e isso está sendo feito gradativamente, por esse motivo ela ainda não tem esse recurso disponível. Além disso, a bibliotecária lembrou que seria muito difícil dar continuidade ao trabalho que ela já faz com alunos e professores e ter que se dedicar a inserir seus livros numa base de dados eletrônica, seria praticamente inviável a conciliação dessas duas atividades.

Diante desse impasse, recordei que, nos primeiros contatos de nossa pesquisa, Marcela relatou que havia uma possibilidade de a biblioteca da EMEF ABL ser incluída na próxima etapa do processo de automação das bibliotecas e, assim, ela tentou articular uma alternativa junto à escola para conseguir aderir a esse processo.

Marcela fez uma tentativa junto ao Conselho de Escola de fechar a biblioteca uma vez por semana para alunos e professores para que ela pudesse providenciar a organização do acervo e a possível inclusão da biblioteca da EMEF ABL no sistema de automação de bibliotecas da PMV. Mas sua solicitação não foi atendida pelo diretor e pelo Conselho Escolar (DIÁRIO DE PESQUISA, 25 DE SETEMBRO).

É incontestável que essa situação é um problema relevante, pois alguns dos fundamentos da função bibliotecária são a organização, recuperação e acesso à informação que subsidiam outras atividades, como as pedagógicas a serem realizadas na biblioteca escolar.

Seria ideal que houvesse uma equipe mais ampla nas escolas para que as duas atividades fossem realizadas sem que uma prejudicasse a outra, ou então que a SEME desenvolvesse alguma metodologia de trabalho que viabilizasse a implantação desse sistema de automação de maneira mais efetiva.

Ao analisarmos essa situação por outro viés, podemos inferir que a não autorização para que a biblioteca suspenda seu atendimento aos alunos e professores pode retratar a importância do trabalho pedagógico que Marcela realiza e, diante disso, a escola não abre mão de que ele seja realizado em detrimento de outras atividades de organização da informação.

Outra questão relacionada que trazemos nesta seção que trata dos usos do acervo, diz respeito à organização do material nas estantes. Em 25 de setembro, cheguei à biblioteca por volta de 13h e deparei Marcela fazendo uma arrumação dos livros infantis nas estantes, pois, como é o material mais utilizado pelos alunos, ele naturalmente é o que fica mais desorganizado.

Enquanto Marcela ia posicionando os livros, ela reclamava da falta de uma pessoa para ajudá- la, uma estagiária, um auxiliar, alguém que pudesse fazer esse tipo de atividade ou de empréstimos de livros, por exemplo, confessando que ela não gosta desse tipo de serviço mais “mecânico”.

Ai ai... se a gente pudesse só contar histórias ia ser tão melhor né? É companheiro, acho que você deve estar arrependido de ter vindo fazer sua pesquisa aqui comigo (MARCELA).

A dedicação à organização das estantes não se estendeu por mais de dez minutos, e Marcela foi abordada por um aluno que precisava pegar um livro didático que havia esquecido em casa e ela acabou abandonando a atividade e não retomou mais.

Ao contrário do que Marcela supôs, ainda que em tom de brincadeira, essa postura de não se dedicar constantemente ao zelo pela organização, a meu ver em nada deprecia seu trabalho. Pelo contrário, demonstra sua intencionalidade principal em lidar com os alunos, desenvolvendo atividades de incentivo à leitura, artes, música e outras (DIÁRIO DE PESQUISA, 25 DE SETEMBRO).

Podemos perceber, na fala de Marcela, que sua preocupação com a melhor qualidade na organização do acervo se dá em função não do acervo, e sim principalmente dos usos que poderiam ser potencializados e mais bem aproveitados se houvesse melhor organicidade.

Eu to aqui numa escola pública, não é um acervo muito grande, a gente atende as crianças de um bairro carente, e que às vezes sofrem muito, e eu to de alguma forma ligando essas crianças a esse mundo todo da leitura, e não consigo disponibilizar para eles o acervo que tenho aqui da forma que eu gostaria (MARCELA).

Em 7 de outubro, no momento em que a turma do 3.º ano matutino da Professora G foi à biblioteca, enquanto era realizado o desafio da leitura silenciosa, no decorrer da atividade um aluno, à medida que foi fazendo a leitura do livro que estava com ele, foi-se colocando mais à vontade com o material e, em certo momento, dobrou a capa do livro para traz, para lhe dar

talvez mais conforto no manuseio. Ao perceber a situação, Marcela imediatamente solicitou que o aluno desdobrasse a capa do livro, pois isso iria estragá-lo.

Nesses pequenos gestos podemos perceber que Marcela, apesar da liberdade que dá aos alunos e também por toda a diversidade de atividades que desenvolve na biblioteca, ainda mantém um grande cuidado com o acervo da biblioteca. Isso me faz refletir que não é necessário que se deixe de lado o zelo com o material da biblioteca ou que se inviabilize a realização de uma diversidade de atividades neste espaço em função do zelo com o acervo (DIÁRIO DE PESQUISA, 7 DE OUTUBRO).

Ao levarmos em conta esse conjunto de observações, consideramos que Marcela tem uma preocupação importante com a qualidade do acervo disponível na biblioteca e com a sua organização, recuperação e preservação. Mas percebemos que seu foco principal não é o acervo em si, mas as possibilidades de uso que ele pode proporcionar ao seu trabalho.

No estado da arte produzido por Campello e outros (2013), uma das categorias temáticas estabelecidas pelos autores foi o acervo. Entre os seis estudos analisados, observamos que quatro se detiveram em analisar as condições em que se encontrava o material, apenas dois buscaram compreender os aspectos que influenciaram na formação dessas coleções e nenhum deles se debruçou com mais ênfase nos seus usos.

Nos trabalhos da categoria acervo do estado do conhecimento que produzimos, encontramos sete textos e nenhum deles se deteve em investigar os tipos de atividades que esse material proporciona às bibliotecas, e sim em questões relacionadas à sua organização, classificação, informatização e políticas formação de coleções. Tais temáticas são extremamente relevantes para área, mas não foram ao encontro da perspectiva de uso que detectamos nas práticas de Marcela.

4.3.6 Os usos e as impressões do espaço da biblioteca

Apresentamos aqui algumas reflexões sobre os usos do espaço da biblioteca, tanto aqueles que entendemos como potencializadores quanto aqueles que reduzem a biblioteca a um lugar, por exemplo, quando ela é utilizada como depósito de livros didáticos, folhetos, enciclopédias, revistas e jornais velhos e uma série de outros materiais que não têm mais utilidade para a escola.

Acreditamos que, em razão de como os usos se dão, os fazeres pedagógicos passam a ter sentido no cotidiano. Por isso absorvemos os fazeres dos sujeitos praticantes da EMEF ABL, principalmente aqueles relacionados à sua biblioteca, como fundamentais para nos posicionarmos sobre o que lá identificamos.

Em 3 de outubro, por volta das 8h20min, uma coordenadora adentrou a biblioteca e disse com todo cuidado:

Marcela, não tem ninguém pra ficar com os meninos do 8º ano. Você pode ficar com eles no 4º horário? (COORDENADORA).

Marcela não se recusou em receber os alunos, porém disse: “Pode deixar eles aí sim”. Ou seja, sutilmente ela permitiu que os alunos pudessem ficar na biblioteca, principalmente pelo fato de que, no horário solicitado pela coordenadora, não havia nenhuma atividade agendada. Perguntamos a Marcela se essa situação é contínua, e ela afirmou:

Já foi muito mais no começo, quando eu vim trabalhar aqui, mas agora nem posso reclamar, porque eles só pedem mesmo quando precisa, mas se eu tiver alguma turma agendada aí eu falo que não posso ficar com os alunos por isso. Nesse caso aqui, eu acho que não poderia negar porque a biblioteca não é minha, é da escola (MARCELA).

No horário combinado, os alunos chegaram à biblioteca. Como não havia nada programado, Marcela optou por deixá-los à vontade para ler, usar o telefone celular, conversar moderadamente, enfim, deixou que eles ficassem à vontade na biblioteca utilizando o espaço da maneira que preferissem, desde que não ultrapassassem os limites de um comportamento adequado ao ambiente escolar (Foto 16).