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4 RESTRINGINDO O ACESSO À JUSTIÇA COM BASE NA SEGURANÇA

4.2 SEGURANÇA JURÍDICA: PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES

4.2.3 Calculabilidade

Por fim, juntamente com a cognoscibilidade e com a confiabilidade, para Humberto Ávila (2006, p. 287), haverá segurança jurídica quando estiver presente a calculabilidade, isto é, quando o indivíduo for capaz de “antecipar as consequências futuras de atos por ele praticados no presente”. O autor ressalta que utiliza o termo calculabilidade ao invés de previsibilidade em função da própria natureza indeterminada do Direito, que depende de processos interpretativos e argumentativos para a construção de significados, de modo que nunca haverá capacidade de se antecipar conteúdos normativos de forma absoluta (2012, p. 258).

Assim, a calculabilidade é compartimentada pelo autor em dois espectros: (i) o espectro de tempo, e (ii) o espectro de consequências.

4.2.3.1 Calculabilidade: espectro do tempo e espectro de consequências

Explica Ávila (2006, p. 288) que o espectro do tempo diz respeito à possibilidade de o indivíduo antecipar, com um tempo razoável antes da mudança legislativa, a norma que lhe será aplicada. Já o espectro das consequências dispõe que quanto menos consequências jurídicas futuras forem aplicadas aos atos realizados no presente, maior será a segurança jurídica.

Para melhor compreensão, veja-se:

Para que o contribuinte esteja em condições de antecipar o número reduzido de consequências compreensíveis, dentro de um período razoável, atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos, comissivos ou omissos, próprios ou alheios, de modo que a consequência efetivamente aplicada no futuro se situe dentro daquelas alternativas reduzidas e previstas, é preciso que as mudanças sejam antecipáveis, que não sejam bruscas e que se situem dentro de parâmetros dos quais os Poderes não podem se afastar (ÁVILA, 2012, p. 597).

Ou seja, para que o indivíduo seja capaz de antecipar as consequências atribuíveis pelo Direito, a fatos ou a atos, é necessário que as alterações sejam realizadas dentro limites dos quais o Estado não pode se afastar.

4.2.3.2 Calculabilidade: vinculatividade normativa

É também indicador de calculabilidade e, portanto, também de segurança jurídica, a característica da vinculatividade normativa. A vinculatividade normativa é garantida “por meio de limitações normativas, de tempestividade e da proibição de arbitrariedade” (2006, p. 288).

4.2.3.2.1 Limitações normativas

Segundo o autor as limitações normativas se dividem em (i) limitações normativas estruturais e (ii) limitações normativas materiais. As limitações estruturais estarão presentes no ordenamento jurídico quando ele for baseado em:

regras capazes de guiar a média dos comportamentos e controlar o exercício do poder estatal; bem como se for baseado em princípios com

funções interpretativa e unificadora, havendo um controle estruturado da ponderação de princípios (ÁVILA, 2006, p. 288).

As limitações normativas formais e materiais, por outro lado, têm o objetivo de limitar eventuais alterações no Direito, de modo que a atuação modificadora dos três Poderes fique sempre vinculada interna e externamente (ÁVILA, 2006, p. 288). Assim, o autor explica que o Poder Legislativo deve estar vinculado, de forma externa, à ordem constitucional e, de forma interna, ao dever de coerência, à sua própria atuação. Da mesma forma, o Poder Executivo deve estar vinculado, de forma externa, à lei e, de forma interna, à sua própria atuação. Por fim, o Poder Judiciário deve estar vinculado, externamente, às disposições normativas, como ponto de partida à sua atuação e, internamente, aos seus precedentes (ÁVILA, 2006, p. 289).

Assim, congregando o espectro das consequências com as limitações normativas, o autor assim explica a calculabilidade:

As decisões judiciais, em um sistema de separação de poderes, não são proferidas senão a respeito de textos normativos preexistentes, a respeito dos quais se possam ser reconstruídos sentidos normativos mínimos. Em outras palavras, as decisões judiciais fazem referência a normas abstratas anteriores. Sendo assim tanto se pode afirmar que o objeto da calculabilidade são as normas - cujo conteúdo final, a ser destacado pelo Poder Judiciário, o cidadão deve ser capaz de prever como sendo um daqueles situados dentro das alternativas interpretativas da norma - quanto se pode dizer que o objeto da calculabilidade são as decisões judiciais, cujo conteúdo deve corresponder às possibilidades hermenêuticas previstas na norma jurídica (ÁVILA, 2012, 598).

Isto é, quando Humberto se refere às consequências futuras, que deverão ser de número restrito para que haja maior segurança jurídica, ele se refere às consequências jurídicas existentes - sejam elas normas ou decisões judiciais. Em outras palavras, ele explica que deve haver o menor número de consequências jurídicas que possam ser aplicadas a determinado ato realizado no presente, de modo que o indivíduo tenha maior segurança para agir, na medida em que poderá calcular, a partir de um número restrito de opções, quais poderão ser as normas ou as possíveis decisões judiciais, que serão futuramente aplicadas ao ato realizado no presente.

Assim, quanto mais os princípios forem capazes de unificar e orientar a interpretação, sistemática, do ordenamento jurídico como um todo, quanto mais esse ordenamento for dotado de regras capazes de guiar comportamentos, e quanto mais

limitada estiver a atuação modificadora dos Poderes do Estado, mais segurança jurídica haverá.

4.2.3.2.2 Tempestividade e proibição de arbitrariedade

Por fim, a calculabilidade, segundo o autor (2006, p. 289), também depende da tempestividade, isto é, depende que a consequência jurídica seja aplicada em um lapso temporal não muito longo. Em relação à proibição de arbitrariedade, o autor explica que ela se vincula à tempestividade, na medida em que, ao se proibir a arbitrariedade, proíbe-se que consequências futuras sem justificação - e por isso arbitrárias - sejam implementadas a atos anteriormente praticados.

Assim, quanto menor for o lapso temporal para a aplicação da consequência jurídica definitiva, e quanto menos arbitrário for o direito, maior calculabilidade e, consequentemente, maior segurança jurídica haverá.