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4 RESTRINGINDO O ACESSO À JUSTIÇA COM BASE NA SEGURANÇA

4.3 ALTERAÇÕES EM PROL DA SEGURANÇA JURÍDICA?

4.3.2 Crítica 2: litigância descompromissada

A segunda problemática apontada, que geraria insegurança jurídica - a suposta litigância descompromissada -, como já referido, refere-se a um suposto abuso no direito de litigar. Isto é, o ajuizamento de demandas infundadas, baseadas em fatos irreais, a solicitação de perícias sem que haja real necessidade etc., onerando a Justiça Trabalhista. Assim, a fim de contribuir para a segurança jurídica, os legisladores introduziram artigos na legislação que, de forma pecuniária, desincentivam o trabalhador a acessar o Judiciário, de modo que passaria a acionar a Instituição com maior cautela. Passa-se, portanto, ao mesmo processo realizado com a primeira crítica, comparando a queixa dos legisladores com o conceito de segurança jurídica.

4.3.2.1 Litigância descompromissada e a cognoscibilidade

A cognoscibilidade, conforme já visto, diz respeito à necessidade de o ordenamento jurídico ser claro e consistente. Nesse ponto, em nada se relaciona com a suposta litigância descompromissada. A justificativa dos legisladores não passou pela falta de clareza ou falta de consistência, apenas pela necessidade de se introduzir riscos ao demandar, buscando um desincentivo ao acesso descompromissado.

Já a confiabilidade se refere à estabilidade na aplicação do direito com o passar do tempo. Conforme já visto, envolve a permanência das regras, ou das situações por elas reguladas, mesmo com o passar do tempo, com a ocorrência de determinadas situações objetivas, ou com o advento de novas legislações. A confiabilidade também se conecta com a própria a confiança depositada pelos cidadãos nos atos emanados pelo Estado e com a expectativa de que o direito válido seja efetivamente implementado.

Qualquer dessas ramificações, entretanto, não foi trazida pelos legisladores para justificar as alterações nos artigos analisados. Isto é, eles não aduzem problemas de direito intertemporal, falta de confiança, ou falta de eficácia normativa, para justificar a introdução dos artigos aqui analisados. A justificativa, como já se disse, foi a litigância descompromissada.

4.3.2.3 Litigância descompromissada e a calculabilidade

A calculabilidade, como visto, diz respeito à possibilidade de o indivíduo calcular as consequências jurídicas futuras aos atos por ele praticados no presente. É a necessidade de o cidadão conseguir antecipar, com um tempo razoável, a lei que regulará o seu caso concreto, e o menor número de consequências jurídicas que possam ser a ele aplicadas. Ainda, a calculabilidade diz respeito à necessidade de que as alterações implementadas pelo Estado, seja de entendimento, seja de legislação, estejam sempre vinculadas ao ordenamento jurídico e a um dever interno de coerência de cada Poder.

Mais uma vez, é perceptível que a crítica trazida pelos legisladores - de uma litigância descompromissada - não tem qualquer relação com os indicadores de segurança jurídica. Esse abuso no direito de litigar pode trazer outras consequências, mas aparentemente não gera, propriamente, insegurança jurídica.

Por fim, como visto, é também indicador da calculabilidade a tempestividade, ou seja, a identificação e aplicação da consequência jurídica ao caso concreto, em um lapso temporal não muito longo, o que contribui para a não arbitrariedade. Talvez este seja o único indicador de segurança jurídica que esteja realmente presente nas justificativas para as alterações realizadas nos artigos aqui analisados.

Quando é apontado nos pareceres que a litigância descompromissada, ou, o abuso do direito de litigar, sobrecarrega a Justiça Trabalhista, como visto no item 4.1, os legisladores indicam que esse suposto problema contribui para a lentidão da prestação jurisdicional, gerando insegurança jurídica. Assim, com o intuito de aumentar a segurança jurídica, os legisladores impõem, como já ressaltado, a inclusão de riscos no ordenamento jurídico para desincentivar, pecuniariamente, o ajuizamento de ações.

Entretanto, ainda que a lentidão do Judiciário seja um indicador de falta de segurança jurídica, conforme apontado pelos legisladores, essa sobrecarga da Justiça não tem, necessariamente, relação com um demandar descompromissado, fruto de pedidos inconsistentes e irreais. Nesse sentido, os dados já apresentados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2016 (BRASIL, 2017d, p. 219) demonstram um equilíbrio nas decisões desta Justiça Especializada: 28% das ações são julgadas procedentes em parte, 2% das ações são julgadas totalmente procedentes, 39% das ações são decididas através de conciliações, 8% são julgadas totalmente improcedente, 20% são arquivadas, extintas ou fruto de desistências, e os outros 3% são classificados como outras hipóteses.

Nesse sentido, se levarmos em conta que apenas 8% das ações trabalhistas são julgadas totalmente improcedentes e que o maior número delas é decidido através de conciliações - possibilidade dificilmente escolhida por um empregador que está diante de uma demanda irreal -, a culpa da suposta sobrecarga da Justiça Trabalhista parece não ter como causa principal esse demandar descompromissado. Ou seja, a lentidão ocasionada pela sobrecarga na Justiça Trabalhista, a partir dos dados apresentados, não parece ter como causa principal o abuso no direito de litigar. Dessa forma, se a solução trazida pela lei inibisse apenas quem demanda de forma irresponsável - sendo, portanto, legítima para resolver o problema a que se propõe - talvez a alegada sobrecarga da Justiça do Trabalho permanecesse. Isso porque, como visto, os dados apresentados indicam um equilíbrio nas decisões judiciais, demonstrando que as ações ajuizadas, ainda que, supostamente, em grande número, têm algum fundamento.

Nesse sentido, a utilização de mecanismos, que simplesmente inibam a propositura de ações, demonstra uma preocupação legislativa em enfrentar apenas as consequências de um problema e não suas causas. Ainda, aqui também é

necessário apontar que a utilização do instituto da litigância de má-fé, próprio para sancionar quem procede de modo temerário, deduz pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, altera a verdade dos fatos, provoca incidente manifestamente infundado54, parece mais acertado no objetivo de

sancionar apenas aqueles que procedem dessa forma.

Assim, ainda que no caso da tempestividade haja realmente um indicador de insegurança jurídica a justificar uma conduta Estatal para conformar a problemática, a própria relação entre o demandar descompromissado e a sobrecarga da Justiça Trabalhista parece frágil demais para uma medida que acaba, ao mesmo tempo em que supostamente contribui para a celeridade jurisdicional, restringindo o acesso à Justiça.