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CAPÍTULO II REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.8 Calor e Estresse Térmico

“Muitos trabalhadores, principalmente aqueles ao ar livre, são obrigados a conviver com ambientes térmicos desfavoráveis” (IIDA, 1990, p. 236, grifo nosso).

Quase duas décadas após esta frase ter sido cunhada não é incomum perceber, no cotidiano de nossas vidas, a quantidade de trabalhadores que se submetem a condições de trabalho que se encaixam perfeitamente naquela situação retratada. Uma típica circunstância de trabalho, fruto da precariedade com que são projetadas e construídas as nossas estradas, alimenta a nossa constatação. Não é incomum verificarmos a quantidade de trabalhadores empregados na construção e reparo de rodovias, em períodos do dia onde a incidência de carga solar se faz mais intensa.

Uma outra situação não tão visível quanto esta que foi citada, é aquela relacionada ao corte manual de cana-de-açúcar. Segundo Laat e Vilela (2007, p. 1), um cortador de cana-de-açúcar do sexo masculino pode alcançar a produção de até 14 toneladas/dia, enquanto que um do sexo feminino pode alcançar até 10 toneladas/dia. Como já citado anteriormente, matéria levada ao ar pela Rede Globo de Televisão relatava que um cortador de cana-de-açúcar chega a perder 8 kg (oito quilogramas) de massa corporal durante uma jornada de trabalho (UM DESAFIO NA COLHEITA DA CANA, 2006).

O estresse pelo calor refere-se a processos ambientais e metabólicos que aumentam a temperatura corporal. O calor metabólico é liberado pelos músculos esqueléticos ativos e são transferidos da parte central do organismo para a pele, onde é dissipado, principalmente, pela evaporação do suor. Se esse calor não for dissipado, a temperatura central aumentará rapidamente (CARTER; CHEUVRONT; SAWKA, 2007, p. 3).

Altas temperaturas do ar, umidade relativa do ar elevada, baixa movimentação do ar junto à pele, radiação solar e vestimentas inadequadas são alguns dos fatores que comprometem as trocas de calor entre a pele e o meio ambiente (CARTER; CHEUVRONT; SAWKA, 2007, p. 3).

Os distúrbios, ou síndromes, induzidas pelo calor podem evoluir da sua forma mais simples, o edema, para a forma mais grave, a hipertermia. As características climáticas do ambiente se apresentam como um dos fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento dessas síndromes. A alta umidade relativa do ar, por exemplo, inibe a evaporação do suor, comprometendo desta forma a retirada de

calor do organismo por evaporação. Em atividades realizadas a céu aberto, a quantidade de calor radiante proveniente do sol é um dos outros fatores que interferem no desenvolvimento daquelas síndromes.

No período compreendido entre 2004 e 2005 foram relatados 13 (treze) óbitos de cortadores de cana-de-açúcar na região de Campinas/SP. O Ministério Público do Trabalho daquela região suspeita haver relação entre os óbitos e as condições de trabalho, na medida em que estas últimas poderiam ter levado os cortadores à exaustão. A suspeita está relacionada, dentre outros fatores, aos sintomas bastante semelhantes nas diferentes histórias: tontura, náusea e desmaio, seguido do óbito. Além disso, foram registrados diversos outros casos de cortadores de cana que chegaram aos hospitais com os mesmos sintomas, mas não vieram a falecer. (PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO, 2005).

Em 2004, durante a terceira etapa de uma competição de Mountain Bike dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), uma competidora sentiu-se mal após percorrer parte do trajeto sob sol forte a uma temperatura de aproximadamente 42°C. “Tendo sido encontrada inconsciente e com a respiração dificultada, foi levada às pressas para um hospital local, aonde chegou em estado de coma profundo, sendo então transferida mais tarde para um hospital em Teresina. A ciclista não resistiu e faleceu durante o trajeto. O médico do hospital de Teresina acredita que a ciclista morreu por hipertermia” (TARINI et al, 2006, p. 145).

Segundo Lamberts e Xavier (2002, p. 69), vários estudos e pesquisas têm sido realizados a respeito da sobrecarga térmica, ou estresse térmico, com a finalidade de fixar um índice capaz de melhor caracterizar os ambientes de trabalho considerados quentes.

Ainda segundo os mesmos autores, o “Índice de Bulbo Úmido Temperatura de Globo (WBGT ou IBUTG em português)”, que é o índice adotado pela Norma Brasileira NR-15/1978 e pela norma internacional ISO 7243/1989, e o “Índice de Estresse Térmico”, cuja denominação atual é “Taxa requerida de suor (SWreq)”, esse adotado pela norma internacional ISO 7933/1989, são os que apresentam maior consistência e aceitação, sendo utilizados como “referências normativas para a avaliação e determinação de estresse térmico” (LAMBERTS & XAVIER, 2002, p. 69).

Tarini et al (2006, p. 144) destacam que “a hipertermia é o aumento da temperatura corporal por falência dos mecanismos de dissipação do calor, para se

contrapor à febre onde há falência da regulação hipotalâmica. São cinco as formas de manifestação clínica: edema, cãibras, síncope, exaustão e hipertermia”.

Ainda segundo os mesmos autores, “a hipertermia por esforço pode ser definida como a temperatura corporal central superior a 40°C, acompanhada de alterações no estado mental, bem como o comprometimento de múltiplos órgãos. Contudo, o aumento da temperatura corporal central acima do ponto de ajuste hipotalâmico (37°C) já provoca sinais de desconforto. Muito da experiência clínica adquirida vem da Arábia Saudita, onde anualmente acontece a peregrinação a Meca” (TARINI et al, 2006, p. 145, grifo nosso). Além das características climáticas do ambiente, a desidratação, a obesidade, a baixa aptidão física, uma vestimenta inadequada e a falta de aclimatação ao calor são outros fatores de risco geralmente associados a hipertermia.

Coris, Ramirez e Durme (apud TARINI et al, 2006, p. 149) disponibilizam uma tabela que, segundo o entendimento dos autores, destaca a influência do IBUTG em relação aos riscos de surgimento de síndromes induzidas pelo calor. Nela se pode verificar que, por exemplo, IBUTG’s acima de 27,8 oC são classificados como de elevadíssimo risco.

Tabela 2 - Classificação dos riscos relativos às síndromes induzidas pelo calor

RISCO IBUTG (oC)

Baixo <18,3

Moderado 18,3 - 22,8

Alto 22,8 - 27,8

Muito Alto > 27,8

Fonte: Tarini (2006, p. 149), adaptado