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CAMINHANDO PELA NEROLINGUÍSTICA DISCURSIVA

Tendo isso em vista, acompanhei longitudinalmente, de 2009 a 2012, o processo de aquisição e uso da fala, leitura e escrita de três sujeitos diagnosticados como portadores da SXF – PM, AS e RC – em sessões semanais individuais (1h de duração). PM e AS21 também foram acompanhados em sessões semanais em grupo (2h de duração), no Laboratório de Neurolinguística (LABONE/IEL/UNICAMP). Ambos faziam parte do Centro de Convivência de Linguagens (CCazinho/IEL), grupo que tem como proposta acompanhar e compreender o processo de entrada no mundo da leitura e da escrita de crianças e jovens que receberam um diagnóstico (dificuldades de aprendizagem, dislexia, problemas no processamento auditivo, deficiência mental), que produz efeitos negativos em sua escolarização e em sua vida22.

20 A destruição da experiência na escola é analisada por Dolto, em Dificuldad de vivir 2, no texto Escola Digestiva, uma escola centrada na padronização de sujeitos e tarefas, em um nível homogêneo de inteligência

e em um ritmo comum de produção. Absorver conhecimentos sem apetite não conduz em absoluto à assimilação. Diferentemente, quando uma criança é recebida em uma classe e pode observar os outros

falarem, responderem a quem lhe fala, viver e respirar, isso é já estar entre os humanos e em uma sociedade. 21

AS ficou em acompanhamento individual de junho/2009 a julho/2010. E em grupo durante o período de Junho/2009 a junho de 2010.

22 Para saber mais sobre o trabalho desenvolvido com esse grupo de crianças e jovens veja Coudry, 2006,

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O método adotado, nesta tese, é de natureza heurística e tem por fundamento o conceito de dado-achado, formulado por Coudry (1996). Buscando delimitar o que é dado em neurolinguística, a autora diferencia o dado-achado do dado-evidência destacando o papel desse último no método psicométrico – ao qual se opõe radicalmente; o que vai ao encontro do que foi aqui discutido anteriormente.

Como o principal objetivo desta abordagem (psicométrica) é medir o comportamento linguístico e quantificá-lo, o empenho da neurolinguística foi desenvolver baterias de teste que acabaram por se constituir no instrumento dominante de avaliação linguístico- cognitiva de pacientes cérebro-lesados. Nesse sentido, o dado- evidência é construído pelos testes e resulta de manobras metodológicas, quais sejam, tabelas estatísticas, escalas diagnósticas, grupos-controle, produzidas para redundar em uma taxonomia das afasias.

(...) Além disso, há um falso pressuposto sobre o qual se baseia a contrução do dado-evidência: supõe-se que a língua é um sistema homogêneo e que esse sistema já está descrito e, ainda, que o teste é o porta-voz dessa descrição. (p. 180).

Diferentemente, distigue Coudry, o dado-achado é “produto da articulação de teorias sobre o objeto que se investiga com a prática de avaliação e acompanhamento longitudinal de processos linguístico-cognitivos” (p. 183). A autora salienta que interpretar um fato como dado requer um método que nasce na prática clínica e que supõe dois tempos: o da ocorrência do fato na interlocução e o da análise do fato transformando-o em dado. O intervalo de tempo entre a constatação do que é um fato e sua transformação em dado pode ser maior ou menor, quase-simultâneo ou não. Esse tipo de dado é sempre

revelador e encobridor de fenômenos linguísticos e sua análise proporciona o movimento teórico, permitindo a resolução de alguns problemas e a colocação de outros (COUDRY, op. cit.); daí a razão de um mesmo fato poder ser continuamente (re)interpretado, seguindo

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se apresenta, bem como para intervir nesse processo onde o dado-achado pode acontecer e ser flagrado.

É importante esclarecer, como a autora mesmo diz, que “dado-achado e evidência não se contrapõem porque um revela a verdade e o outro a esconde, mas pelo fato de a evidência imaginar uma exatidão que não existe” (p. 185). Nesse sentido, o dado-achado, por ser construído em situações reais de interação, permite que o investigador possa tomar conhecimento dos processos de significação utilizados pelos sujeitos; dando visibilidade à relação da linguagem com outros processos cognitivos. Isso propicia que o pesquisador compreenda melhor as soluções que o sujeito vai encontrando para superar suas dificuldades.

Esse método, todavia, é orientado por princípios teóricos. Neste estudo, como já mencionado, assumem-se os pressupostos teóricos formulados pela Neurolinguística

Discursiva (ND)23, que, no tocante ao cérebro, fundamenta-se na variação funcional do cérebro determinada pela contextualização histórica dos processos linguístico-cognitivos (VYGOTSKY, 1987; 1997; 1998; LURIA, 1981) – diferenciando-se, portanto, de uma visão de funcionamento cerebral médio e padrão para todos os falantes de uma língua natural. Dessa forma, a ND se opõe à ideia de uma divisão estrita entre o que é da ordem do normal e do patológico, o que não significa que a afecção não exista: sempre que o aparelho cerebral for privado - por lesões congênitas e/ou adquiridas – de suas estruturas e funções, a enfermidade se estabelece (COUDRY e FREIRE, 2010). À ND, porém, interessa a relação heterogênea entre sujeito e linguagem e não uma relação pré-estabelecida entre a falta (para se atingir a normalidade) e a doença; importam, assim, sujeitos comuns marcados por sua relação com a linguagem oral/escrita, práxis/corpo e percepção, e não sujeitos idealizados.

Na ND são articuladas concepções de autores que contribuem para a teorização e seu refinamento na área. Destaco as principais concepções que fundamentam esta pesquisa e que serão posteriormente desenvolvidas nas análises dos dados. Assume-se, neste estudo, a hipótese da historicidade e indeterminação da linguagem e os conceitos de trabalho e força criadora, formulados por Franchi (1992). Benveniste (1972) e Jakobson (1972; 1975)

23 Para saber mais sobre a teorização na área da Neurolinguística Discursiva consulte o capítulo Pressupostos Teóricos-Clínicos da Neurolinguística Discursiva, de Coudry e Freire (2010), no livro Caminhos da Neurolinguística Discursiva: teorização e práticas com a linguagem.

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são autores-âncora em relação aos conceitos de (inter)subjetividade e dos níveis de funcionamento da linguagem. Luria (1981) e Freud (1891) são incorporados por sua aproximação no que diz respeito ao funcionamento dinâmico e integrado de cérebro/mente, em que a linguagem está representada em todo o cérebro e não localizada em suas partes/centros. Freud (1891) também contribui com a concepção de que o aparelho de linguagem é associativo, evidenciando a importância da relação dos analisadores visuais, acústicos e motores quando a criança está entrando para o mundo das letras. Igualmente, destacam-se os conceitos de dispositivo de Foucault (1994) e contradispositivos de Agamben (2009), já mencionados.

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CAPÍTULO 4

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