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Um acerto do município se deu no processo de revitalização das praças e inserção das academias públicas dentro do bairro. Após conversar sobre o estúdio “público não público” com Edimar, ele me conduziu até uma praça central próxima a casa das juventudes. Impressionou-me que ao chegarmos, ali estava um grupo enorme de pessoas utilizando todos os recursos disponíveis naquele pequeno espaço. Era a lotação das quadras de futebol, em contraste com pessoas que

estavam fazendo fila para usar os aparelhos da academia publica instalada em outra parte da praça. O grande número de pessoas não condizia com o tamanho da praça, sendo que era uma quarta feira à tarde.

O público era um misto de varias idades, inclusive idosos acessavam os aparelhos de musculação com bastante liberdade, contando com o respeito por parte dos mais jovens. Lembrei-me de uma das interlocutoras indiretas, mãe de um dos entrevistados que em meio ao nosso diálogo interviu com algumas observações bastante interessantes. Embora seu filho com insistência tentasse me apresentar como pesquisador, ela não dava ouvidos, e sem constrangimentos disse que ficou surpreendida ao ver que havia um carro diferente do convencional parado em frente a sua residência. Continuando sua explanação, ela destacou que pelo modelo achou que estava sendo visitada por alguém importante da prefeitura. Em seguida perguntou-me porque eu, enquanto representante do município, não levava as reivindicações de uma academia popular também para a sua região. Meu interlocutor persistia em tentar explicar que eu não era da prefeitura, sendo que a falante senhora nem dava ouvidos, e continuava sua explanação sobre a necessidade da existência de uma praça com um espaço reservado para a academia na região. Destacou veementemente que eu devia falar para o prefeito oferecendo a devida importância para aquela região do bairro, e que uma academia popular melhoraria a saúde das pessoas ali. Ao perceber estas requisições veementes sobre a necessidade de uma nova praça, e percebendo o uso intenso das praças existentes no bairro, entendi que estava posto um problema existente naquele espaço em relação a estes ambientes de uso público.

Ela permitia-se fazer a exposição de suas requisições. Eu não neguei em nenhum momento não ser um agente social, apenas escutei sua fala. A forma que a situação sucedeu, além de ser engraçada, revelava muito do que aquelas pessoas desejavam para a região do bairro.

Percebendo a morfologia, a forma desordenada e caótica como se deu parte da ocupação dentro de espaços reservados para os prédios, foi possível entender a função das praças, compreendendo que seus usos correspondem às necessidades daqueles habitantes que convivem em meio à desordem arquitetônica. Embora parte do bairro fosse planejada com habitações populares, os moradores modificaram os usos dos ambientes internos em acordo com as necessidades de moradia. Dentro dos espaços reservados para as residências, cada sobra possível

foi aproveitada na construção de um anexo ou casa, por vezes até em oficina de trabalho. A maneira como foi idealizada inicialmente, há muito tempo deixou de ser observada, assumindo características personalizadas por seus moradores. Quando pensamos na função de uma praça, no senso comum a primeira ideia que nos ocorre é um espaço de encontro, de lazer, de contato com a vegetação Etc. No caso do Guajuviras, as praças assumem uma importância fundamental, que é causar uma válvula de escape para as tensões produzidas por um espaço reduzido devido a uma produção edilícia desordenada. O problema não é o desenho das ruas, ou das quadras, mas o conjunto da produção arquitetônica comprometida pelo efeito da ocupação. Como já observou DaMatta (1978), “casa” e “rua” não sugerem apenas espaços geográficos ou elementos físicos que podem ser medidos, mas fundamentalmente são entidades morais, esferas de ação social.

Se observarmos dentro do projeto urbanístico, percebe-se que a concepção inicial priorizava as pessoas, onde a ênfase da composição de projeto destaca corredores verdes e evidencia a presença dos culs-de-sac18, influenciados pelo conceito de cidade Jardim19. Dentro dos espaços reservados para as residências, cada sobra possível foi aproveitada na construção de um anexo ou casa, por vezes até de oficina de trabalho. A maneira como foi idealizada inicialmente, há muito tempo deixou de ser observada, assumindo características personalizadas por seus moradores. Quando pensamos na função de uma praça, no senso comum a primeira ideia que nos ocorre é um espaço de encontro, do lazer, contato com a vegetação etc. No caso do Guajuviras, as praças assumem uma importância fundamental, pois são válvulas de escape para as tensões produzidas por um espaço reduzido devido a uma produção edilícia desordenada. O problema não é o desenho das ruas, ou das quadras, mas o conjunto da produção arquitetônica comprometida pelo efeito da ocupação. Se observarmos dentro do projeto urbanístico, percebe-se que a concepção inicial priorizava as pessoas, onde a ênfase da composição de projeto destaca corredores verdes que ainda hoje permanecem em desuso, resguardados pela população em grande parte do território, provavelmente esperando pela ação

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Termo de origem francesa que se refere a uma via sem saída. Zona terminal de uma estrada ou arruamento.

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Fundamentando a análise em grande parte na observação das péssimas condições de vida da cidade liberal, Ebenezer Howard, em seu livro publicado originalmente em 1898, propôs uma alternativa aos problemas urbanos e rurais. O livro “Garden-cities of To-morrow” apresenta um breve diagnóstico sobre a superpopulação das cidades e suas consequências. A proposta de um novo tipo de cidade perpetrada por Howard produziu uma ruptura na concepção existente, tendo grande influência no pensamento urbanístico posterior.

pública que possibilite que estes também venham a se tornar em ambientes de uso da população.

Figura 30 - Modificações nos prédios – Fonte: do Autor

Muitas destas praças que são referência para os habitantes, estavam incluídas no projeto original, o que de certa forma mostra que não foi descaracterizada totalmente a proposta urbanística inicial. Em uma analise da imagem abaixo é possível constatar a evolução da ocupação das áreas verdes e institucionais ao longo dos anos. As áreas verdes foram quase em sua totalidade ocupadas irregularmente, permanecendo apenas aquelas situadas junto a equipamentos comunitários e públicos. Quanto às áreas institucionais percebeu-se que foram mantidas, alterando apenas o uso no decorrer dos anos. Um exemplo destas ocupações irregulares é o Loteamento CONTEL, que ocupou uma grande área verde na zona central do bairro conforme figura apresentada.

Ponderando sobre os usos oferecidos pelos habitantes a estes ambientes, o efeito da proposta inicial de projeto teve continuidade na ocupação, mostrando a eficiência de certos recursos que foram propostos pensando na população, mesmo em meio ao desenvolvimento desordenado. Os corredores verdes, pequenas áreas localizadas em meio ao do loteamento foram facilmente apropriados pela população como espaços preservados para uso público, enquanto as grandes extensões reservadas para as áreas verdes foram ocupadas, mostrando que a implementação de pequenos espaços produziu uma maior sensação de pertencimento impedindo que estas áreas fossem ocupadas.

O grande conflito esta justamente no crescimento populacional que inflou os espaços com um volume de população em muito superior ao idealizado, fazendo com que estas praças hoje existentes fossem insuficientes. Por tratar-se de habitações de interesse social, o ambiente construído individual é muito pequeno fazendo com que os espaços públicos sejam os únicos espaços abertos com que estas pessoas têm contato. Neste sentido estas praças e espaços públicos se constituem como fundamentais. Arantes (2000) define estes espaços enquanto “suportes físicos de significações”, constituídos como espaços de pertencimento. Pensar as praças como continuação das residências eleva a condição destas em nível de significação.

Nesse espaço comum, que é cotidianamente trilhado, vão sendo construídas coletivamente as fronteiras simbólicas que separam, aproximam, nivelam, hierarquizam ou, numa palavra, ordenam as categorias e os grupos sociais em suas mútuas relações. Por esse processo, ruas, praças e monumentos transformam-se em suportes físicos de significações e lembranças compartilhadas, que passam a fazer parte da experiência ao se transformarem em balizas reconhecidas de identidades, fronteiras de diferença cultural e marcos de ‘pertencimento’ (ARANTES, 2000, p.106).

As academias de rua também corresponderam a esta necessidade de transito para os mais velhos. Os desenhos das ruas não propõem trajetos para pratica de corrida ou caminhada, sendo que a avenida principal, 17 de abril, é muito movimentada para indicar este tipo de prática. As academias de rua estão substituindo os elementos propostos para as áreas verdes destacadas no projeto inicial, que previa a construção de centros esportivos, mas que após ocupação tiveram outros usos. É evidente a importância destes espaços que possuem como proposta a união da praça com esportes, mas devido a grande demanda e a falta de outras praças, acaba por gerar um fluxo muito grande nos existentes.