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OBSERVAÇÕES SOBRE REGRAS DA MEDITAÇÃO

O CAMINHO DA LIBERDADE

Todo o homem é um infinito ainda irrealizado. Que somos nós senão um ser finito, limitado? Onde está, então, a nossa infinitude?

Observa as coisas: uma pedra é uma pedra, e nada mais. Mas o homem pode modelá-la, e eis um marco num caminho, uma estátua que simboliza a beleza.

Uma planta é uma planta, mas eis que o homem a torna um ornamento. Utiliza-a, e faz dela um alimento para o seu corpo.

As coisas são apenas o que são. Elas realizam apenas as suas perfeições e nada mais. Um cão é apenas um cão, e não conhece progressos, porque não conhece os caminhos que levam à realização das perfeições. Mas o homem avança no seu caminho, ascende a novas situações, cria perfeições, reunindo as coisas.

Uma pedra que está na montanha é algo do mundo da natureza. Mas essa pedra, tornada em paralelepípedo, pela ação do homem, é transformada num ser do mundo da cultura.

Há dois mundos, portanto: a) Mundo na natureza; b) Mundo da cultura.

Neste último, é onde o homem cria, onde o homem modela as coisas com a marca do seu espírito; é o mundo da criação.

O homem é um ser da natureza, mas que constrói uma cultura. E por que pode o homem construir uma cultura, o que não a fazem os animais?

Ora, quem faz alguma coisa é porque podia fazê-lo. E a prova de que podia é que o fez. E se fez, tinha, portanto, um poder para fazê-lo; tinha em si algo efetivo, que lhe permitia realizar o que outros seres não o podem.

O homem, portanto, é diferente dos outros seres, pois tem um poder que os outros seres não têm. E de onde vem esse poder? Vem dos seres que existem no mundo da natura? Mas eles não o revelam? Nenhuma pedra construiu uma cultura, nem um animal, nem uma planta.

Mas o homem não é uma planta, nem uma pedra, nem um animal. Há no homem animalidade, como há o vegetativo e o mineral. Mas o homem tem algo mais que os outros seres não têm.

E esse “algo mais” os outros seres não o têm enquanto são o que são. Portanto, o homem é deles diferentes, e profundamente diferente.

Mas seu corpo é carne, sua carne é matéria orgânica, e nessa matéria estão os minerais. Não há dúvida. É tudo isso; mas há nele o que não há nos outros seres: espírito criador.

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Naturalmente, não nos caberia num curso como este, em que apenas temos a intenção de cooperar com o bem dos outros, que nos detivéssemos a examinar um tema de Filosofia que muito bem cabe nos livros que se dedicam a esta tão importante disciplina. Nem, tampouco, tema de tal importância poderia ser examinado, sem que o pensamento esteja perfeitamente disciplinado nos caminhos belos, mas árduos, da Filosofia, e por isso não cabe examiná-lo apressadamente.

Mas, do que não há dúvida, é que, na essência do homem, há o que não há nos outros seres. E chamavam os antigos filósofos a essa essência de rationalitas, que deve ter um sentido bem claro: é o espírito humano em toda a sua atividade.

O ser humano, portanto, atualiza esse poder na sua capacidade ilimitada de realizar perfeições. Se não as realiza todas de uma vez, tem, porém, a possibilidade de realizá-las umas após outras, e a história humana nos mostra que o homem é o grande realizador de perfeições.

Que se entende por perfeição. Por perfeição se entende a realização de uma possibilidade. Essa realização pode ser ainda melhor, e atualizando esse melhor, é mais uma perfeição que se atualiza, que se realiza.

O homem é, portanto, um realizador de perfeições. E há um limite para ele? Há, e não há.

Exemplifiquemos: se distinguimos bem, poderemos dizer que o homem não é capaz de realizar a máxima e absoluta perfeição, aquela atualização de todas as possibilidades, porque, imerso no tempo, e dele dependendo, tem de realizar, uma após a outra, as possibilidades. E também não alcança a totalidade da perfeição; não se pode negar, porém, que ele pode avançar cada vez mais, realizando perfeições sobre perfeições.

Essa marcha ilimitada cabe ao homem. E criador, como é, alcança a pontos cada vez mais elevados, e que lhe podem assegurar uma marcha progressiva que todos devem compreender e desejar seguir.

Portanto, o verdadeiro e grande ideal humano só pode ser o da sua perfeição constante, o de sua marcha ascensional para superar-se.

Consequentemente: o ideal humano verdadeiro só pode ser o da superação do homem por si mesmo. O homem deve superar-se constantemente para alcançar, cada vez mais, uma super-humanidade, que será, por sua vez, superada.

Eis um ideal para os que não têm um ideal, propunha Nietzsche. E o verdadeiro sentido do super- homem, é este, e não o daquelas, em que se desenham o super-homem como apenas um monstro de brutalidade ou de força, como o fizeram alguns dos maus discípulos e todos os adversários.

Mas, há no homem o mesmo ser que está nas coisas, dizem. E há, não resta dúvida, mas é mister não confundir. O homem, enquanto homem, não é o que as coisas são enquanto tais.

Na forma de uma pedra, há a pedra; na forma do homem, há algo mais: o espírito.

Portanto, o espírito, que é ser também, realiza-se no homem, e não nas coisas. E aqui está a dignidade, o valor do homem: ele tem e realiza o que não têm e não realizam as coisas do mundo físico.

O homem diferencia-se das coisas por ser criador; as coisas do mundo físico apenas são seres da natureza.

O homem é natureza e é espírito.

O bem nem todos sabem colher. Uns porque ignoram como encontrá-lo; outros, porque o temem. Esse fruto é a liberdade.

E embora pareça incrível, há muitos que temem a liberdade. E pode-se dizer até que o mais doloroso espetáculo que se assiste hoje no mundo é o medo que provoca, medo que gera temor das responsabilidades.

Leiamos essas páginas.

“Deus quando nos deu a vida, deu-nos a liberdade ao mesmo tempo”, dizia Jefferson. Que é a liberdade?

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Grande e profundo problema de Filosofia, tema principal e capital de muitas das maiores controvérsias da humanidade, as mais belas páginas para louvá-las já foram escritas pelos filósofos, pelos poetas, pelos escritores de todos os tempos. Mas, muitas das páginas mais duras e mais terrivelmente destrutivas foram escritas para negá-la.

Há livre-arbítrio ou determinismo? Praticamos nossos atos por uma escolha, ou não? Somos apenas dirigidos pelos nossos impulsos interiores aos quais não podemos dirigir nem orientar?

Não vamos aqui relatar, nem de leve, essa imensa polêmica que levou séculos, e ainda hoje empolga o espírito de muitos.

O homem é um animal racional: verdade que todos aceitam.

E ser racional é ser capaz de escolher, capaz de preferir, de pesar, de comparar esta ou aquela solução, de captar as possibilidades das possibilidades.

O homem pode prever as consequências de seus atos. Pode imaginar que se proceder assim, poderá suceder isto ou aquilo.

Tal ato poderá levar a tais ou quais consequências. E porque pode julgar, pode comparar, pode medir, pode escolher. Se o homem fosse apenas uma máquina, apenas um autômato, que realiza os atos pela determinação de uma força, não teria noção do futuro.

O ter noção do futuro demonstra independência, capacidade de escolher no suceder que sobrevém. É por isso que o homem é um ser autônomo e conhece a liberdade.

Não podemos negá-lo, porque ela se verifica em cada um de nós. Temos um impulso para a prática de um ato determinado.

Queremos refletir sobre as consequências, e a nossa imaginação põe-se a trabalhar, revelando-nos uma série de acontecimentos possíveis, que vamos analisando racionalmente. Afinal, contrariando nosso impulso, vencendo nosso desejo, resolvemos não fazer o que desejávamos.

Negar esse fato prático que verificamos em nossa vida, seria negar praticamente também todo o poder da educação. E ninguém pode negar a ação desta no proceder do homem. Até os animais, que julgamos autômatos, podemos domesticá-los, modificar seus hábitos, transformar seus gostos, dar-lhes o poder de dominar impulsos e de não realizar o que desejam.

Estamos numa das épocas mais terríveis da história do homem. Apesar de toda a nossa grandeza, de todo o progresso material que conquistamos, apesar de todo o desenvolvimento de nossa ciência, de nossa técnica, estamos, no entanto, num desses momentos cruciantes da vida humana, em que muitos homens estão dispostos a perder a sua liberdade.

Não são poucos, mas milhões e milhões de seres humanos que estão dispostos a vender a sua liberdade por um prato de lentilhas.

Os problemas de ordem puramente material, a exigência de satisfazer as necessidades imediatas, levam milhões de homens a se disporem a sacrificar a sua liberdade, para encher seus estômagos e vestir a sua nudez, como se o caminho dela fosse compatível ao da solução dos problemas materiais.

Não são poucos os que acreditam que só podemos solucionar nossos magnos problemas econômicos à custa da nossa liberdade ou, então, nos contam a impiedosa mentira de que ela consiste apenas em ter o estômago cheio e o corpo coberto.

Não; liberdade é muito mais. E é através da conquista da própria liberdade que podemos garantir melhor tudo isso. O caminho da liberdade é o da prática da própria liberdade. É com a prática da liberdade que formamos homens livres.

Como poderás vencer se estás já disposto a ceder a tua liberdade por um prato de lentilhas? Os que não amam a liberdade nunca podem ser vitoriosos. E lembra-te: o caminho da vitória é o caminho da liberdade, e o seu caminho é o da prática da própria liberdade.

Pratica a liberdade, e respeita a dos outros, que respeitarão a tua. Onde houver escravos, liberta-os. Onde houver opressão, rebela-te.

Luta pela liberdade de todos, e lutarás pela tua própria. Não podes ser livre onde há homens escravos.

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“Dai-me a liberdade ou dai-me a morte!”

Que estas palavras de Patrick Henry sejam o teu lema na vida.

A DIGNIDADE

Podes perder até a tua última esperança, mas nunca deves perder a tua dignidade.

Assistimos, no mundo de hoje, a um dos mais dramáticos instantes da vida humana. Apesar de todo o nosso progresso material, apesar de toda a nossa civilização, do grande desenvolvimento de nosso saber, de nossa indústria, da técnica, o homem, esse ser para quem tudo isso é feito, e que tudo isso faz, vale tanto ou menos do que valia um cafre na época da escravatura, do que valia um escravo na época romana.

O homem aumentou o seu poder de dominar o mundo, mas diminui em seu valor, em sua dignidade. O homem não vale nada para o homem; a vida humana é de pouca valia. Põe-se em jogo a vida de milhões, como sempre se fez. Há falsificadores hoje mais do que nunca; há exploradores da miséria humana mais do que nunca; e a vida de um ser humano vale menos em média que a de um animal, um boi, um cavalo e até de um cão.

Apesar das grandes obras realizadas, do desenvolvimento da higiene, da construção de grandes hospitais, apesar, em suma, de todo o esforço da ciência, o homem continua não valendo nada.

Leem-se as notícias de dezenas de pessoas que morreram num desastre com uma insensibilidade que espanta. Muitos passam os olhos pelas páginas de jornais que descrevem os grandes acidentes em que se perdem vidas humanas, com enfado até. Não é isso sintomático? Será que tudo isso deve suceder só porque sucede. Será que deve ser assim porque sucede assim?

Medita sobre essa máquina imensa que consome vidas, que é a civilização. Observa essa pavorosa desvalorização do homem, a que hoje assistimos. Ninguém irá dizer que devamos chorar todas as lágrimas.

A compaixão está desterrada de entre os homens. Mas, se a compaixão está desterrada é porque algo possui ela que não se coaduna mais com a nossa vida.

Se a compaixão não pode mais resolver esse gravíssimo problema, que é a desvalorização do homem, muito menos o resolverá a nossa indiferença.

E além disso, precisamos dizer de uma vez: não serás um vitorioso no sentido pleno da palavra, se não compreenderes que vales alguma coisa, que és uma vida que tem valor.

O homem tem uma dignidade que deve ser apreciada, que é o seu bem maior, o verdadeiro bem. Repetimos: é a dignidade o maior bem que o homem possui. A dignidade é o valor, e esse valor deve ser alimentado por ti, continuamente.

Deves valorar-te e valorizar-te, não artificialmente, mas real e humanamente, seguindo as normas mais justas. Se a intensidade da vida de hoje faz passar despercebido esse valor, todos devemos lutar por revigorá-lo, por torná-lo maior.

Respeita a dignidade de teu semelhante para que também sejas respeitado. Não julgues que o homem mais forte em personalidade é o que se afasta dos outros, o que despreza os outros.

À humanidade de hoje falta a realização de uma grande obra. Assim como ela alcançou um grau tão elevado na ciência, na técnica, ela deve elevar o homem em dignidade.

Quando sentires isso em ti, te elevarás a ti mesmo em dignidade.

A tua dignidade consiste também na dignidade de teu semelhante. Respeita-a, valoriza-a, e te sentirás, desde esse instante, mais poderoso e mais forte.

Um homem de dignidade conhece vitórias, e para ele uma derrota é mais facilmente superável do que a daquele que não sente nem em si mesmo, nem nos outros, o verdadeiro valor que têm.

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A LIBERDADE EM TI

Pratica a liberdade e alcançarás a tua liberdade.

E se em cada momento te puseres como um espectador de ti mesmo, um juiz austero de teus atos, se te colocares, em suma, ao te observares, ao examinar-te, com absoluta separação de tuas paixões, conquistarás subitamente um estado tão elevado, que te dará um prazer que é superior a todos os prazeres que conheceste.

Estás preocupado? Separa-te. Examina a ti mesmo em face de tua preocupação.

Desdobra-te num Eu superior, que examina friamente o teu próprio eu, e serás o observador do que fazes.

Verás que ao mesmo tempo desaparecerá totalmente a tua preocupação. Verás que ao atingires este ponto, conquistarás a liberdade.

Estás com medo?

Examina-te: “eu estou com medo. Tremo interiormente. Deixa-me observar como se processa o medo em mim”. E eis que ele subitamente desaparece.

“Estou angustiado. Não sei por quê. Vou examinar a minha angústia. Quero ver como ela se processa”.

E subitamente verás que a angústia e a amargura te abandonam. E por quê?

Porque não lutas contra elas. Não precisas. A luta ainda seria servidão. E tu, nesses instantes supremos, és liberdade.

O homem pode ser espectador de si mesmo, espectador de sua limitação, espectador de suas fraquezas.

E quando atinge esse estado supremo, sente-se livre.

Vejo meu corpo sofrer, observo-o, e o meu sofrimento subitamente diminui.

Vejo minha alma abismar-se em tristeza, examino-a, e subitamente menores são as trevas e um pouco de luz cresce dentro de mim até avassalar-me totalmente.

Faze essas experiências e terás o caminho da tua liberdade.

Não as poderás fazer sem antes percorreres os caminhos que indicamos neste livro.

Mas se fores fiel aos teus exercícios, se te encheres de fé e confiança em ti mesmo, quem te impedirá de seres livre?

Construíste a tua liberdade.

Criaste-a do nada? Não, absolutamente não. Ela já estava em ti, latente, esperando apenas que desses o teu grande passo.

E esse passo era encontrá-la dentro de ti, luminosa e fiel, grande e amiga, para te servir de guia a novos caminhos superiores.

E chegado aqui, já não precisas mais de mim. Já tens em ti mesmo a tua companhia. É amável e bela, sublime, de radiante beleza: a tua liberdade.

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