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Caminhos até Marco Zero I – A revolução melancólica

De 1925 até 1929, a vida de Oswald transcorre na sua normalidade de viagens, compromissos financeiros e dedicação a projetos literários. Oswald publica, no ano de 1928, o

Manifesto Antropófago, escrito sob inspiração de leituras de Freud e Montaigne realizadas pelo autor. De acordo com Sevcenko (1998a), há nesse manifesto de 1928 uma radicalização do projeto contido no outro, de 1924. Se em 1924 procurava um caminho positivo que

unificasse a “floresta” e a “escola”, a matriz local e a europeia, em 1928 a proposta defendida

realismo socialista é o método fundamental da literatura e crítica literária soviéticas, mas isso pressupõe que o romantismo revolucionário deve integrar a criação literária como uma das suas partes constituintes, porque a vida do nosso partido, toda a vida classe trabalhadora e sua luta consistem em unir trabalho prático e grave, mas fundamentado no heroísmo e nas perspectivas grandiosas. O nosso partido sempre foi forte, porque uniu e une o espírito prático e rigoroso com perspectivas mais amplas, a marcha contínua para o futuro, a luta para construir uma sociedade comunista. A literatura soviética deve representar nossos heróis, deve saber olhar para o amanhã. E isso não é entregar-se à utopia, porque as nossos amanhãs são preparados desde hoje, através de um trabalho consciente e metódico (Tradução minha).

116 é de negar a ótica do colonizador e seu projeto civilizatório e valorizar cada vez mais a ótica do elemento americano, indígena. Isso significa que o polo local deve sobressair. Portanto, um novo marco para a nação é instituído no lugar do evento da chegada de Cabral.

Esse marco é o ano do banquete antropofágico em que os aimorés comeram o Bispo Sardinha, 1556. A antropofagia apresenta-se como um mecanismo fundante da cultura brasileira. A integração se dá por uma via agressiva – comer e deglutir o elemento exógeno. Ou seja, transformar criativamente o elemento estrangeiro em coisa nossa, como, por exemplo, aconteceu com o catolicismo, através do sincretismo com elementos do misticismo negro e indígena (MORAES, 1978; ANDRADE,1992). Renega-se a mentalidade ocidental e assimilam-se as tecnologias, os avanços. Dessa forma, a devoração antropofágica seria a

solução para o dilema identitário do “tupi or not tupi that is the question”, como se pode

constatar nos fragmentos abaixo:

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

[...]

O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César. A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.

[...]

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: - Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama (ANDRADE, 1995, p.48-52, o grifo meu).

Em entrevista no mesmo ano, diz que “A Antropofagia é o culto à estética instintiva da

nova terra. [...] É a redução a cacarecos, dos ídolos importados, para a ascensão dos totens

raciais.” (ANDRADE, 1990). Anos depois, ao retomar nos anos 1950 sua proposta antropofágica, ele definiria que o produto do encontro do “bárbaro” com o homem tecnizado (europeu) é o “bárbaro tecnizado” (ANDRADE, 1995).

A busca pela “realidade palpável da vida” reafirma a tendência de Pau Brasil de se

sustentar nos fatos. Mas, se em Pau Brasil a perspectiva é do encontro, do diálogo, a devoração é impositiva, ela simplesmente descarta o que não lhe interessa. Sevcenko (1998a)

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avalia que essa “radicalização” contém seus riscos, podendo desenvolver um aspecto

xenófobo. Essa crítica possibilita o entendimento de por que Oswald desenvolverá, em alguns momentos, uma postura xenófoba.

No ano seguinte ao “Manifesto Antropófago”, 1929, a vida de Oswald mudaria

profundamente por uma conjunção de fatores. Com a crise de 1929, dá-se uma reviravolta na sua vida financeira – tanto ele perde o dinheiro investido em ações do café, como há uma paralisação do mercado imobiliário, que impossibilitava que ele pudesse contar com grande parte de seus recursos investidos em terrenos. Ele gosta de se referir à crise como o momento em que fica falido e que isso o teria colocado em uma posição favorável para se identificar com o comunismo.

De acordo com Hobsbawm (1995), essa crise financeira mergulharia o mundo “[...] na maior e mais dramática crise que conhecera desde a Revolução Industrial” (p. 43), a Grande

Depressão, com queda em todos os indicadores econômicos. O principal efeito, segundo o

autor, teria sido a “destruição do liberalismo econômico por meio século”, o que possibilitou a emergência de Estados “salvacionistas”, centralizadores e autoritários. (p.99).

Todavia, no caso de Oswald, ele não ficou “pobre” como afirmava. Segundo

Boaventura (1995), levaria anos para Oswald dilapidar sua fortuna imobiliária. O que aconteceu por ter feito maus negócios, recorrido a agiotas e, nos anos de engajamento no Partido Comunista, gastar de maneira imprevidente acreditando na revolução vindoura.

No âmbito pessoal, a postura de “perder o amigo, mas não a piada”, teria contribuído

para seu rompimento com Paulo Prado e Mário de Andrade. Esses rompimentos fragmentam ainda mais o grupo modernista. Pouco a pouco ele foi perdendo espaço no seu antigo círculo social. O escândalo de sua relação com a normalista Patrícia Galvão (Pagu), protegida sua e de Tarsila, culmina com a separação do casal modernista, o que intensificou o isolamento, uma vez que a maior parte dos amigos tomou partido por Tarsila. O resultado da crise financeira termina por fechar outras portas (BOAVENTURA, 1995). Nos anos 1940, dá o seguinte depoimento sobre essa virada na sua vida e o paulatino processo de desvalorização a que é submetido.

Quando, depois de uma fase brilhante em que realizei os salões do modernismo e mantive contato com a Paris de Cocteau e de Picasso, quando num só dia de débâcle do café, em 29, perdi tudo – os que sentavam à minha mesa iniciaram uma tenaz campanha de desmoralização contra meus dias. (...). Criou-se então a fábula de que eu só fazia piada e irreverência, e uma cortina de silêncio tentou encobrir a ação pioneira que dera o Pau-Brasil, donde no depoimento atual de Vinícius de Moraes, saíram todos os elementos da moderna poesia brasileira (1972, p.31, grifo meu).

118 Em 1930 nasce Rudá, seu filho com Pagu. No ano seguinte, por intermédio de Pagu, entra em contato com Prestes, indo ao encontro dele no Uruguai. Quando retorna ao país, ele e Pagu filiam-se ao Partido Comunista do Brasil. Sobre o encontro Oswald relata:

[...] durante o nosso primeiro encontro vi que aquele capitão do exército era um intelectual, cheio não só de cultura política, mas de cultura geral. O seu conhecimento das doutrinas sociais era completo. Conversei com ele três noites a fio nos cafés de Montevidéu. E desde aí toda a minha vida intelectual se transformou. Encerrei com prazer o período do Modernismo. Pois aquele homem me apontava um caminho de tarefas mais úteis e mais claras. Desde então, se era já um escritor progressista que tinha como credenciais a parte ativa tomada na renovação da prosa e da poesia no Brasil desde 22, pude ser esse mesmo escritor a serviço de uma causa, a causa do proletariado que Prestes encarnava. [...]. Quando o deixei numa esquina sombria, vi que ele não se perdia na noite. Ele entrava na História do Brasil (ANDRADE, 1990, p.93-94).

Martins (2001) aponta que a ideia de que Oswald teria aderido ao Partido Comunista apenas por conta da crise de 1929 é reducionista. Ele defende que, além de Oswald ter se encantado com a figura carismática de Prestes e da identificação com os valores humanísticos e progressistas que encerrava o projeto da revolução proletária, o Partido Comunista teria sido para o autor o único espaço possível para sua atuação transgressora, uma vez que os espaços de ação intelectual eram cada vez mais normatizados. No entanto, na realidade, nem nos quadros do Partido Oswald encontrou verdadeiro acolhimento, causando sempre bastante polêmica (BOAVENTURA, 1995).

Os anos 1930 serão os anos de aprendizagem do Oswald comunista – militância entre Rio e São Paulo, leituras, participação em debates, palestras em sindicatos, adesão ao guarda- roupa proletário, fugas da polícia e o desenvolvimento de uma escrita comprometida com as diretrizes do Partido, da qual são expressão suas peças dos anos 1930. O Rei da Vela, de 1937, trataria, por exemplo, de temas como capitalismo financeiro, imperialismo e crítica à moral burguesa. Procura apoiar causas condizentes a seu engajamento político, como o apoio à Frente Negra Brasileira, primeiro movimento negro organizado no Brasil, que também surge durante a década (FONSECA, 1990, BOAVENTURA, 1995).

Em 1933, Pagu viaja ao exterior custeada por Oswald – China, União Soviética, França. O relacionamento entre eles havia acabado. Em 1934 se une a Julieta Guerrini, aluna da primeira turma de Sociologia da USP. Através dela Oswald conviveria com seus professores, como Roger Bastide e Lévi-Strauss. Ao longo da década começa a guardar material para um projeto de romance histórico que se iniciaria com os eventos em torno da revolta de 1932.

119 No ano de 1939, Oswald viaja para Estolcomo, de navio, para participar do Congresso do Pen Club, porém o encontro não ocorre: outra guerra se iniciara na Europa. Os ânimos nacionalistas se acirram também em solo brasileiro. A união de Oswald com Guerrini termina no início dos anos 1940. Em 1942 contrata como secretária uma jovem conhecida da família de Guerrini que procurava emprego, Maria Antonieta d'Alkmin. Ela trabalha na organização dos arquivos da pesquisa do projeto Marco Zero e na datilografia dos originais do primeiro volume. Em 1943, aos 53 anos, acaba casando com sua secretária, em “últimas núpcias”,

como ele definiu. No mesmo ano publica “Marco Zero I: a revolução melancólica”. Com

Maria Antonieta terá um casal de filhos, Marília e Paulo Marcos. (BOAVENTURA, 1995). Segundo Ferreira (1996), o projeto do Marco Zero inicia-se em 1933. Em 1940 Oswald decide que o ciclo de romances seria composto por cinco volumes (A Revolução Melancólica, O Chão, O Beco do Escarro, Os Caminhos de Hollywood e A Presença do Mar) que tratariam do “... levante paulista de 1932, a permanência do latifúndio no contexto da

modernização do país e a emergência do proletariado como força revolucionária.”

(FERREIRA, 1996, p.25). Mas termina por publicar apenas A Revolução Melancólica (1943) e Chão (1945).

Tentativa de se inserir no modo de produção literária então vigente, o do romance social, Marco Zero I é considerado por Oswald uma de suas obras-primas. Ele achava que o livro o consagraria. É com esse entusiasmo que revela sentir-se honrado de seu livro ter sido indicado para concorrer em um concurso literário nos Estados Unidos, representando o Brasil

ao lado do livro “Terras do Sem Fim”, de Jorge Amado (ANDRADE, 1972). Contudo o

resultado almejado não chega, o livro não é bem recebido pela maior parte da crítica e nem pelo público.